Por
Carlos Frederico March
(Freddy)
AVISO: o texto a seguir pode ser considerado um "spoiler”. No jargão dos críticos de filmes e livros, pode ser traduzido como “estraga-prazeres”, ou seja, vou falar sobre partes de uma série de 3 livros, o que pode não agradar a quem os está lendo ou pretende lê-los.
Assim sendo, se não quiser saber de detalhes sobre a série “Cinquenta tons” de Erika Leonard James, pare por aqui!
Não é minha intenção contar a estória. Eu tinha uma ideia preconcebida altamente negativa sobre a série Cinquenta Tons por conta de trechos lidos aqui e ali e de comentários de outras pessoas, mas sem tê-la lido. Agora o fiz, os 3 volumes de uma vez.
Quero começar opinando que o fato gerador de frisson no mercado literário, que é a descrição explícita das inúmeras relações sexuais de um casal, foi o que menos me impressionou - estou acostumado a relatos mais pesados.
Qualquer filme mais picante mostra hoje cenas bem mais explícitas, muitas delas brutais e chocantes, que a descrição pormenorizada das incontáveis transas entre Anastasia Steele e Christian Grey. Quase todas são relações sexuais convencionais, de repente em lugares diferentes - o que não acrescenta nada. Poucas cenas envolvem variantes interessantes, algumas sádicas. No 3º volume, eu cheguei a pular alguns relatos sexuais para me focar no enredo.
Cinquenta Tons versa sobre um tema simplório: uma estória de amor com sexo explícito e, permitam-me, destinada principalmente ao público feminino. Homens em geral não gostam de ler romances nem de descrição poética de embates sexuais. Exceções há, por exemplo eu. Isto posto, vamos em frente.
Christian Grey (grey=cinza) se tornou um bem sucedido empresário com mania de controle absoluto e, por desdobramento de traumas de infância, com desvios comportamentais na área sexual. Ele só se satisfaz com submissão e tortura de suas fugazes parceiras - todas por consentimento devidamente assinado num contrato - ilegal, mas válido moralmente.
Usar como galã um jovem charmoso, extremamente rico, possuidor de carrões, jato, helicóptero, mansões e etc, é um recurso literário corriqueiro em romances, pois que povoa nossa leitura com sonhos de sedução, poder e glória. Seu desvio de conduta, entranhado em sua personalidade doentia, é o senão a ser resolvido ao longo da trama.
Anastasia Steele, uma moça pobre mas inteligente, ainda virgem e inexperiente, se vê envolvida nessa intensa relação por mero acaso do destino. Seduzida e jogada num conto misto de fadas e de horror, sexualmente excitante e fisicamente doloroso, passa a ter como meta de vida, através de seu sincero amor, a cura emocional de Christian.
Se tudo isso se parece com romances melosos, se o erotismo incluso não chegou a me cativar como novidade, o que então me atraiu na série? Sim, porque confesso que não sosseguei
enquanto não terminei o 3º livro.
A prosa em si foi um ponto. Normalmente sou meio difícil de seguir um livro, preciso de leitura e releitura para fixar detalhes, mas essa narrativa é tão suave e repetitiva que os pontos mais importantes são repassados periodicamente. Consegui chegar ao final sem ter de reler nada!
A estória é toda relatada do ponto de vista da personagem Anastasia, Ana para os íntimos.
E L James criou para tal uma tríade encantadora. Ana se refere continuamente a uma Deusa Interior e ao seu próprio Inconsciente. Seguindo o ritmo da trama, esses dois alteregos comentam o cotidiano de Ana de uma maneira deliciosa e surpreendente.
Gostei, em termos de ritmo e evolução, da maneira com que E L James trata psicologicamente o drama íntimo de Christian e de como Anastasia vai vencendo item a item suas resistências.
Se há um senão, acho que Cinquenta Tons peca um pouco talvez pela rapidez com que as eventuais crises são resolvidas. Água com açúcar, com pitadas de pimenta malagueta (rs rs).
Acho que E L James exagerou na quantidade de pimenta, quero dizer, de cenas de sexo. Já que o fez, poderia ter se aprofundado mais nas variantes sádicas, mas talvez tenha receado chocar mais do que já fez ao apresentar ao mundo um romance erótico, que alguns classificarão de pornográfico. Tendo optado por se conter, eu reduziria a quantidade de cenas, para não se tornar maçante.
Um recurso de narrativa que achei interessante, apesar de aumentar sobremaneira o número de páginas da trilogia, é apresentar inúmeras conversas via e-mail. Temos de nos manter atentos a todos os campos, desde remetente, horários e fuso, assunto e até assinatura, pois que são usados para exprimir emoções e criar tensão.
Outro recurso editorial que eu, pessoalmente, não conhecia é apresentar integralmente o 1º capítulo do volume seguinte após o término de cada livro.Você o lê e... se está gostando da estória, não vai querer perder a continuação por nada! Obviamente não ao final do 3º livro, que no entanto apresenta também duas novidades após o desfecho.
Primeiro, volta no tempo e relata um momento da vida de Christian Grey menino, que é parte fundamental da estória mas que não cabe no fluir da trama. É uma espécie de flash back, mas de uma cena não incluída na estória. Um complemento, lembra-me dos extras em DVDs.
Depois há a releitura de um dos capítulos iniciais. Como informei, toda a estória é escrita do ponto de vista de Anastasia Steele, contudo esse flash back nos dá uma nova versão do momento em que o destino põe os dois personagens principais frente a frente pela primeira vez. A mesma cena é recontada através do prisma de Christian Grey, o então arrogante, sádico e dominador empresário.
Em resumo, contrariando o preconceito inicial, gostei dos Cinquenta Tons, sejam de Cinza, mais Escuros ou de Liberdade. Fora o fato de ser uma trilogia com final feliz, o que muito me agrada seja em livros ou filmes, eu gosto de heroínas em romances, mais que de heróis. Quem me acompanha em textos e relatos diversos sabe de minha preferência por mulheres em tudo.
Anastasia Steele combina com essa minha faceta.
A série Cinquenta Tons abre um imenso filão literário. Tratado com inteligência, dosando a apresentação de cenas explícitas de sexo com a suavidade que as mulheres apreciam, creio que muitas outras obras se seguirão com sucesso similar.
Sexo é a mola que move o mundo. É por onde as sociedades e religiões tentam nos dominar e cercear, tornando tudo tabu e proibição desde tempos imemoriais. Saúdo portanto E L James por nos dar a chance de respirar um pouco de liberdade e de ter esperança de viver um futuro mais solto e libertino, alegre e sincero.