"Antigamente, o silêncio era dos imbecis; hoje,
são os melhores que emudecem. O grito, a ênfase, o gesto, o punho cerrado,
estão com os idiotas de ambos os sexos.
Até o século XIX o idiota era apenas o
idiota e como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio
idiota. Não tinha ilusões. Julgando-se um inepto nato e hereditário, jamais se
atreveu a mover uma palha, ou tirar um cadeira do lugar. Em 50, 100 ou 200 mil
anos, nunca um idiota ousou questionar os valores da vida. Simplesmente, não
pensava. Os "melhores" pensavam por ele, sentiam por ele, decidiam
por ele.
Deve-se a Marx o formidável despertar dos idiotas. Estes descobriram
que são em maior número e sentiram a embriaguez da onipotência numérica. E,
então, aquele sujeito que, há 500 mil anos, limitava-se a babar na gravata,
passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente etc.
houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas.
Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas;
hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente
trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina."
Nota do editor: Nelson Rodrigues é até hoje o maior (melhor) dramaturgo brasileiro. Certamente incompreendido, polêmico e irreverente. Pervertido, obsceno e até tarado são adjetivos atribuídos a ele (tsk tsk tsk). Emérito frasista, dono de agudeza por vezes chocante. Li tudo ou quase tudo dele, e assisti no teatro algumas montagens, assim como no cinema alguns roteiros baseados em sua obra. Acompanhei nos jornais suas crônicas esportivas.