Foi um somatório de sonhos e expectativas. Por isso, quando regressei de São Paulo, onde
vivi e trabalhei de 1988 até 1995, resolvi que moraríamos no interior. Na roça,
lato senso.
Bem, não poderia ser um interiorzão, para não dificultar a vida dos filhos – e quem
sabe amigos - que poderiam querer nos
visitar, e também porque em caso de emergência médica ou hospitalar a locomoção
não poderia ser demorada.
A cidade escolhida foi Maricá, mais precisamente o distrito de
São José de Imbassaí. E fiz a bobagem de comprar uma casa. O certo, agora conjecturo,
teria sido alugar uma, por certo período, para ter experiência de adaptação ao lugar e ao
estilo de vida.
Mas não, motivado por uma expectativa, e empolgado, a partir da leitura de
“Um ano na Provence”, de Peter Mayle, achei que poderia fazer algo parecido. E
me dei mal.
Não foi porque São José de Imbassaí não se compara à Provence;
nem tampouco porque nem de longe me pareço com o famoso autor britânico (nem física,
nem financeira e nem intelectualmente); simplesmente porque aqui é Brasil.
Entenderam ou querem que desenhe?
Uma casa nunca está pronta e a que comprei, além de tudo, foi
mal construída. Feita nas coxas.
Certamente com material e mão-de-obra desqualificados.
Para coloca-la habitável, despendi quase tanto quanto paguei
pela aquisição. E não demoraram a aparecer defeitos inimagináveis.
Deixo-os para mais tarde. Neste passo, relatarei sobre o
lugar em si e as limitações e contratempos enfrentados.
O lugar era pobre (e deve ser ainda), muito pobre. Comércio
precário. Sem mão-de-obra capacitada (nem pedreiro, nem eletricista, nem
encanador, nenhuma profissão). Ir até Marica nem sempre resolvia. Quase nunca.
A rua onde localizada a casa não era asfaltada. Não havia nenhum calçamento senão
a terra batida e poeirenta. A cada veículo que passava defronte à casa, uma
nuvem de poeira inundava o seu interior.
Mas se chovia o problema era pior, embora de outra natureza.
Lamaçal, de ficar impossível transitar pela rua. Até mesmo os veículos
patinavam, derrapavam e quase ficavam atolados.
O pior é que era uma das ruas principais do que seria,
originariamente, um condomínio de nome até pomposo “Balneário Campo Mar”. Em consequência
tinha um trânsito relativamente constante na dita rua.
Mas o condomínio não saiu do papel e o que se materializou
foi um salve-se quem puder. Construções de tamanhos, formas e orçamentos os
mais distintos. E muitos terrenos abandonados, nos quais bois e cavalos
buscavam alimento.
Acreditem! Bois (e
vacas) principalmente, vagavam pelas ruas livres e impunimente. Por que implicava
com isso? Aprendi, pouco depois de mudar, que eles são portadores de
carrapatos. E estes bichinhos antipáticos, espécie micro de morcegos, saiam do
mato do terreno abandonado, contíguo ao meu, subiam o muro e desciam do meu
lado. Uma praga difícil de controlar.
Ensinaram-me um remédio, um produto químico, que eu deveria
colocar ao redor da propriedade. Pouco resolveu. Com isso o Bill exigia cuidados especiais.
Naquele trecho do distrito, algumas poucas casas chamavam a
atenção (para o local), como a minha, que foi construída em dois pisos, entretanto
outras, em sua maioria, eram mais
modestas. Bem modestas.
Meu terreno era mais largo do que profundo, assim a fachada ocupava toda a frente de uma quadra, voltada apara a tal rua principal, com uma rua transversal de cada lado.
Havia uma Associação de Moradores. Mediante o pagamento de
uma módica importância mensal ficava-se associado.
Era nesta Associação, que distava cerca de um quilômetro e pouco de minha casa,
que o carteiro (funcionário dos Correios) entregava a correspondência destinada
a todas as casas do lugar. O associado, entretanto, pagando mais uma quirela
recebia em casa. Um empregado da entidade fazia a entrega domiciliar usando uma
bicicleta.
Mas não se podia confiar. O empregado faltava ao serviço ou
tirava férias, ou o pneu da bicicleta furava ou qualquer outro motivo,
justificado ou injustificado, poderia nos deixar sem a correspondência.
O mais prudente era, vez ou outra, dar um pulo lá para checar
se havia alguma entrega. Como era também na dita associação que estava
instalada uma das únicas linhas telefônicas do distrito, aproveitávamos para ligar
para aparentes e amigos.
Só que a demanda era grande e, informado o número a ser
chamado, esperava-se a vez de ir até a cabine. Havia uma ordem para as
ligações, segundo a hora de chegada e pedido da ligação, mas se o seu número
telefônico, eventualmente, estava ocupado, depois de duas tentativas você iria
para o final da pilha de papelotes com os números e pessoas a serem contatadas.
Podia levar horas.
Pode-se dizer que estávamos quase isolados do mundo
civilizado, tais as dificuldades de expedição e recebimento de correspondência
e ligações telefônicas.
Sim, Niterói estava a 19 quilômetros, mas era alcançada
através de uma estrada horrível, esburacada e mal sinalizada. Com trânsito
intenso. Depois, bem depois, e já não morávamos lá, a estrada foi melhorada,
duplicada em um trecho e recapeada.
Os tipos do lugar eram muito estranhos. Está certo, o ser
humano pé estranho em todo lugar. Mas lá eram estranhamente diferentes.
Os caras trabalhavam um ou dois dias, e depois passavam
outros dois bebendo até acabar o
dinheiro que ganharam.
Ninguém tinha ferramenta adequada. Nem os que capinavam tinham
enxadas, nem os pedreiros colheres e alisadores, nem os encanadores tinham
chaves de boca ou alicates.
Logo, eu precisava ter uma caixa de ferramentas completa,
incluindo máquina de furar, as brocas, carrinho de carregar massa, pá, ancinho,
machado, enxada, etc.
O sonho da minha mulher de termos frutas e verduras sem
agrotóxico morreu antes da primeira safra. As lagartas comeram as hortaliças antes de podermos colher alguma coisa. E o pulgão dominou as laranjeiras, que
já existiam no quintal.
Ensinaram-me uma mistura, natural, que combateria a
infestação. Era uma infusão com fumo de rolo. Fedia bastante, e portanto nos
molestava pelo odor desagradável, mas nem as lagartas e nem o pulgão se
abalaram com a pulverização.
Resolvi radicalizar e partir para o produto químico. Pedi na
loja um que fosse pouco agressivo. Mas era preciso, ainda assim, usar máscara.
Então comprei máscara e a bomba para pulverizar. E luvas. O cheiro era muito
ruim. Mas só para mim.
A terra, por outro lado, não era propícia para cultivos.
Muito pobre, praticamente areia. Mas não aquela branca, e sim aquela cor de
terra acinzentada. Não sei se existe uma nomenclatura própria para ela.
A solução, recomendada pelo matuto do lugar, era adubar com
estrume. De preferência de galinha. Não tinha ideia de que o estrume de galinha
fertilizava melhor. Você pensa que é fácil conseguir titica de galinha? Não é
não, e quando consegue paga caro.
Quase tão caro quanto as dezenas de garrafas e garrafões,
quebrados ou inteiros, que comprei para colocar os cacos sobre os muros que
cercavam a propriedade. A garotada e os pais desmiolados tentavam pular o muro
para pegar laranjas, limões e mangas.
O triste desta história é que eles moravam na mesma região e
tinham lá seu pedacinho de terreno. Só que a terra era nua, sem um mísero pé de couve
plantado. Preguiça, indolência, falta de vergonha e princípios.
Retrato da parcela abandonada do povo, e que agora vive das bolsas públicas.
Antes que as lagartas fiquem muito para trás, quero registrar
que elas não eram as únicas espécies indesejáveis que resolviam viver sob
minhas custas, já que eu pagava o IPTU.
Havia grilos, sapos e vaga-lumes. Estes, os conhecidos pelo
nome, eis que alguns outros insetos nunca consegui identificar para poder
registrar a ocorrência de invasão.
Sobre os mosquitos, numerosos e invencíveis, precisaria
escrever duas laudas para explicitar como eram inconvenientes, agressivos,
famintos, verdadeiros vampiros. Por falar em vampiro, houve um período em que
aparecerem muitos morcegos. Segundo o matuto de plantão, por causa da mangueira
carregada de frutos.
Se eu colocasse uma espécie de bandeira, que tremulasse ao
vento, fazendo barulho característico, eles iriam embora. Nunca tentei.
Os sapos incomodavam meu fiel amigo Bill. Pastor manto negro
que veio para minha casa com dois meses de nascido e se tornou um adulto
respeitável e respeitado, até pelos caipiras do lugar.
Quando apareciam – os sapos -
o Bill ficava impaciente e lá tinha eu que levantar no meio da noite,
mesmo com chuva, para expulsar o diacho do anfíbio anuro.
Quando narrei isto no blog, há algum tempo, um biólogo,
educado, alertou que eu fazia muito mal em pegar o sapo, com minha vassoura de
tiras metálicas, e arremessa-lo sobre o muro, para o terreno baldio contíguo. Os
sapos, disse o biólogo, são partes importantes no controle e equilíbrio da
população de insetos. O difícil seria explicar isto ao Bill.
E alguém me amedrontou dizendo que os sapos têm um veneno
mortal e se o cachorro o mordesse teria problemas.
O Bill deveria saber disso, tanto que a vez em que mais se
aproximou do sapão (enorme), quando eu cheguei atendendo aos seus latidos, ele
estava com a pata sobre as costas do sapo, mas sem ameaçar morder.
As nuvens de mosquitos, mais legiões do que tinham os
romanos, chegavam ao final da tarde, início da noite. Durante o dia apareciam
alguns poucos já instalados na casa.
Telas de malha bem apertada foram colocadas nas janelas. Mas
elas tinham que ser retiradas e lavadas com muita frequência por causa da
poeirada que já noticiei lá em cima. A solução engendrada foi prendê-las com
velcro. Alguns metros e algumas bisnagas de cola foram necessários.
Também copiei do Peter, na obra citada, a ideia de ter uma
mesa no quintal. Comprei uma de concreto, assim como os bancos. Coloquei
embaixo da mangueira, mas não conseguíamos sentar e fazer uma refeição ou
simplesmente ficar tomando um refresco com um petisco qualquer. O tempo todo
caia um pedaço de casca de galhos, ou insetos, ou folhas, e não se tinha
sossego.
E colocar em outro ponto, que não fosse sob a mangueira,
implicava em não ter sombra. E o sol era inclemente. Conclusão, a mesa só era
utilizada para sobre ela colocar os cães na hora de escovar os pelos depois dos
banhos.
Estão acompanhando meu raciocínio? Não era uma maravilha a
vida no campo, longe da poluição urbana? Sem carteiro, sem telefone e sem água,
mas com muito carrapato, mosquito, sapos e poeira.
Sem água? Ah! Ainda não informei que não havia, claro, rede
de água tratada entregue pela concessionária. Havia um poço manilhado.
Na primeira estiagem maior a vasão foi diminuindo, diminuindo,
e não me restou alternativa senão furar um artesiano.
O poço artesiano é um caso especialíssimo. O sujeito que
morava nas redondezas e anunciava que furava poços artesianos, numa placa tosca
de madeira e agredindo o idioma (furasse artesiano), e que ingenuamente e
irresponsavelmente contratei, não queria nada com o trabalho.
Chegou lá em casa e ficou coçando o queixo enquanto caminhava
pelo terreno em busca do lugar ideal, segundo ele. O lugar escolhido era ideal
para ele, mas não para mim. Implicaria em
fazer uma rede longa de tubos e conexões até alcançar a caixa d’água, e
colocar uma bomba potente.
Mas vá lá, se é aí que você acha que vai jorrar água, pode
começar. Ele furava vinte centímetros e parava. Por vezes ia até o bar mais
próximo e ao retornar furava mais dez centímetros.
Para não cansa-los com esta história abrevio e informo que
quando o furo alcançou a marca de oito metros de profundidade, e segundo ele a
água não dava sinal de vida, minha impaciência deu sinal de vida.
Como eu já estava com os “bagos plenus”, paguei-lhe parte do contratado e desisti.
Mas
o problema de suprimento de água persistia. A solução emergencial foi comprar bombonas de PVC e duas vezes por semana vir até Niterói,
enche-las e levar para nosso consumo e cozinhar. A pouca água que ainda brotava
no poço ficou para banhos e descargas no banheiro.
Aí, um pedreiro que contratei para refazer o reboco em volta
da casa, até a altura de cerca de um metro, em virtude da umidade absorvida do
lençol freático sobre o qual foi construída a casa (por esta eu não esperava),
disse que tinha um irmão que furava poços. E teve uma grande ideia. Por que não
fazer o artesiano por dentro da manilhado. Já se sabe que aqui tem um veio.
Sugerido e contratado o irmão. "Vamos matar o poço manilhado,
revesti-lo com selante e perfurar no fundo até uns dez metros", sugeriu o irmão do pedreiro.
Não era fácil perfurar por dentro do poço porque as manilhas
tinham um diâmetro relativamente pequeno e a profundida era pouco mais ou menos
de três metros. Mas o cara conseguiu e,
para nossa alegria, aos doze metros a água brotou com boa vasão.
Faltava apenas testar a qualidade da água. Exames de
laboratório revelaram estar livre de coliformes fecais. O gosto aceitável.
Muito discretamente salobra.
O poço manilhado virou um reservatório, uma cisterna praticamente.
Mas deu trabalho e custou caro.
A energia elétrica era outro grande problema. Muitas vezes
havia interrupção, por desarme de transformador. Por vezes ficava com apenas
uma fase de alimentação, o que implicava em não poder assistir televisão (ficava
com imagem estreitada). E o ventilador não funcionava. E a lâmpada parecendo
aquela luz morta de porta de bordel do interior.
A televisão dependia de antena parabólica que comporei e
mandei instalar. Só que numa determinada época, por volta das 17:30/ 18:00
horas, o sinal ficava prejudicado. Sem imagem e aquelas listas enviesadas de
interferência.
Não havia explicação. A CERJ, acionada, disse não ser
responsável. Ninguém atinava. Numa caminhada matinal, resolvi perguntar em
algumas casas próximas, que tinham antena parabólica, se eles estavam com
problema de recepção, apenas neste horário,
partir da 18:00 horas.
A resposta sempre negativa. O problema era só comigo.
Indo até Maricá encontrei uma loja que vendia e instalava
equipamentos de telecomunicações e parabólicas. Pedi uma visita técnica e o
dono da loja, enquanto anotava o endereço, perguntou o que estava havendo.
Quando relatei o fato, ele parou de escrever, abaixou-se e
pegou sob o balcão uma tampa de ralo.
Destas de plástico que são colocadas nos ralos dos banheiros. Diâmetro pequeno.
Entregou-me e falou: são andorinhas! E veio a explicação, as
andorinhas resolveram se alojar no cone (uma peça cônica) da parabólica. E elas
se recolhem neste horário. Se você colar esta tampa na boca do cone estará
resolvido.
E não é que resolveu !? Às vezes a experiência é mais
importante do que a formação técnica.
Bem, o título da postagem é irônico. Na verdade ninguém que
nasceu e foi criado na cidade, com água encanada e tratada com cloro, portanto
potável, tem energia de 110, ou 220 volts, mais ou menos estável, não tem
poeira da rua de barro batido, não tem sapos e grilos em sinfonia no quintal durante
a noite, tem telefone em casa e a correspondência deixada pelo porteiro do
prédio em seu escaninho, pode achar graça em morar na roça.
Ficar com seus livros e discos e nada mais, só na canção
popular.
Nossos filhos nos abandonaram, mesmo dispondo de uma ala de hóspedes a
disposição. Uma boa suíte, com armários e televisão.
Algumas noites apenas a lua, se aparente, lançava luz em nosso
quintal. Ficávamos sem energia elétrica, e não havia romantismo que resistisse
ao silêncio absoluto, minto, havia os sapos, e à escuridão. A sensação é de ...
qualquer coisa desagradável.
Felizmente nunca fomos mordidos por bicho peçonhento. Era só
o que faltava. Soro, em São José de Imbassaí?
Eu, minha mulher, o Bill e a Mag, sentados na varanda,
olhando estrelas só teve graça alguns poucos meses.
Além do Bill, que veio viver conosco desde o início da
aventura, mais tarde adotamos (na verdade compramos) a Mag, uma pastora, também
capa preta, que era muito dengosa e preferida da minha mulher.
Os mosquitos nos enxotavam para dentro de casa, onde o calor
era muito desagradável, porque sem energia o ventilador não funcionava e a
iluminação era gerada (o mais das vezes) por
lampião. Quem aguenta?
O lampião de querosene era mais, digamos, comme il faut, já que nossa decoração
era toda rústica, country, mas a fumaceira
encardia o vidro rapidamente e empestava a casa. A solução foi adotar os mais
modernos a gás.
Feliz sou agora, e era antes de me mudar para a frustrada experiência
de vida saudável no campo, com enormes despesas e pouco proveito.
Nota do editor/autor: Quem acompanha o blog ha mais tempo perceberá, facilmente, que este assunto é recorrente. Uma rápida pesquisa no blog colocará na tela vários posts sobre São José de Imbassai. Basta escrever "roça" na janela de busca (tem a lupa desenhada) e pronto...
Isto porque, como alguns mestres da pintura, estou fazendo exercícios que me levem a um texto mais elaborado, no futuro, que terá como escopo falar dos tipos com o quais convivi naquela época, aqui chamados ou de matuto ou de caipira. São boas histórias.
Antes de SJI, bem antes, mas ainda no Município de Marica, tive uma mais modesta casa em Inoã, que só usávamos nas férias e finais de semana. Os tipos do lugar também entrarão no relato que pretendo publicar em e-Book.