CANTO
DO RIO FOOT-BALL CLUB
Calfilho
Quando minha família decidiu
morar em Niterói, em 1949, fixamos residência no prédio situado na esquina da
Av. Amaral Peixoto (ex-Duque de Caxias) com a rua Visconde do Uruguai. Era um
edifício de dez andares, um dos primeiros da nova avenida, que seria a mais
importante da cidade. Fora construído pelo banco mineiro “Ribeiro Junqueira”,
sendo utilizado até o quinto andar por repartições públicas como a LBA e o
SESI, segundo me recordo.
Do sexto andar para cima era destinado a residências,
quatro por andar. Meus avós maternos já haviam adquirido o apartamento de
número 701, onde viemos morar depois que voltamos da breve temporada em
Fortaleza. Como não nos adaptamos à capital cearense meu pai decidiu voltar para
o Rio de Janeiro, onde trabalhava no Ministério da Saúde e na Legião Brasileira
de Assistência, médico pediatra que era.
Como
chegamos no meio do ano de 1949, foi minha mãe a encarregada de me alfabetizar,
pois não consegui matrícula em nenhum colégio. Já em 1950, quando completei
oito anos em março, fui matriculado no Grupo Escolar Getúlio Vargas, no bairro
de São Domingos. Ali também funcionava o Instituto de Educação, que formava
professoras primárias. Fui matriculado na terceira série primária, graças ao
bom aprendizado que tivera de minha mãe.
Naquele
ano era disputada a Copa do Mundo no Brasil, a primeira depois do fim da
Segunda Grande Guerra Mundial. Já sabendo ler e escrever, comecei a acompanhar com
interesse as notícias sobre futebol no jornal que meu pai trazia diariamente
para casa.
Com
meus irmãos, ainda bem novos, ensaiava os primeiros chutes numa bola de
borracha, no hall do andar em que morávamos. Meu pai acabou comprando o
apartamento 901, do mesmo prédio, a ser pago em suaves prestações mensais pela
antiga tabela Price. No colégio, na hora do recreio, além da bola de gude,
conseguia vaga numa pelada ou outra, jogada com bola de meia.
Ainda
não torcia por nenhum time de futebol, mas já fora ao Maracanã por algumas
vezes, levado por meu pai. Vi alguns jogos do Vasco, então o melhor time do
Brasil, o “Expresso da Vitória”, base da seleção brasileira que acabara de
perder a Copa do Mundo para o Uruguai, em pleno Maracanã. Vi o Flamengo, o Fluminense,
o São Cristóvão, o Madureira, o Bonsucesso, sem me definir por algum deles como
torcedor. Meu pai, apesar de gostar muito de futebol, não era fanático como eu
viria a ser no futuro. Para dizer a verdade, não cheguei a saber realmente para
qual time ele torcia. Gostava muito do Vasco, mas também se empolgava num jogo
do São Cristóvão.
Daquela
época, lembro-me bem de ter visto jogar: Barbosa, Augusto, Eli, Danilo, Friaça,
Maneca, Ademir, Jair da Rosa Pinto e Chico (pelo Vasco); Castilho, Píndaro e
Pinheiro; Vítor, Lafayete, Telê, Orlando, Rodrigues (pelo Fluminense); Garcia, Biguá,
Pavão, Jordan, Dequinha, Rubens, Benitez, Esquerdinha (pelo Flamengo); Gílson,
Bob, Richard, Ruarinho, Dino da Costa, Vinícius (pelo Botafogo); Irezê, Bitum e
Weber (o último, muito tempo depois, meu colega na magistratura – pelo
Madureira); Santo Cristo (pelo São Cristóvão) e Zizinho (pelo Bangu,
transferido do Flamengo depois da derrota na Copa do Mundo).
O
Vasco foi o campeão carioca de 1950 (O Expresso da Vitória). O Fluminense
conquistou o título de 1951, voltando o Vasco a ser o campeão em 1952.
Nesse
ano, eu e um colega de primário, Lizardo, tentando encontrar um lugar para
praticar esportes, entramos para o quadro social do Canto do Rio Foot-ball
Clube, que ficava situado relativamente perto de nossas residências: a minha,
na Av. Amaral Peixoto, a dele, na rua General Andrade Neves. A sede do clube
ficava na rua da Praia, após o Valonguinho, antes da esquina com a rua Visconde
de Moraes hoje Ernane de Melo.
Era
um terreno grande, com uma casa branca no centro do mesmo. Na frente, cercando
todo o terreno, um muro baixo pintado de branco, com um grande portão de
madeira de cor azul escuro. Do lado esquerdo de quem entrava havia um salão
comprido, onde ficavam duas mesas de sinuca. Depois desse salão, ainda do lado
esquerdo, estava uma quadra descoberta, onde eram realizados treinos de
basquete, vôlei e da novidade da época, o futebol de salão. Na casa funcionava
a secretaria e, atrás da mesma, outro grande salão coberto, onde eram
realizados os bailes de Carnaval e as sessões de cinema, todas as terças-feiras.
Do lado direito, paralela à secretaria, uma outra pequena construção coberta,
onde eram preparadas as equipes de tênis de mesa.
Eu
e Lizardo tentamos praticar todos os esportes oferecidos aos sócios: futebol de
salão, vôlei, basquete e tênis de mesa. Acabamos nos fixando no primeiro e no
último.
Com
a frequência diária no clube, ficamos sabendo um pouco mais sobre o mesmo. Era
um dos mais antigos de Niterói, fundado em 1913. Os clubes da Zona Sul
niteroiense eram tidos como mais elitizados, como o Central e o Regatas. O
Canto do Rio era considerado como um clube mais popular, voltado para as camadas
mais humildes da população. Outros clubes, de menor expressão eram o Gragoatá,
o Humaitá, o Fonseca e o Fluminensinho da Ponta d’Areia.
O
Canto do Rio, por influência do antigo interventor e então governador do
Estado, Ernani do Amaral Peixoto, genro do presidente Getúlio Vargas,
disputava, desde a década de 40, o Campeonato Carioca como convidado, apesar de
pertencer a um outro Estado. Lembro-me que uma das camisas que seus jogadores
usavam era de cores azul e branco, em pequenos quadrados, semelhantes àquelas
hoje utilizadas pela seleção da Croácia, só que estas em quadrados branco e
vermelho.
Em
1953, meu pai levou-me ao Maracanã para assistir o Torneio Início, que abria a
temporada daquele ano. Pena que esse torneio não mais existe, perdido na
memória de quem viveu a década de 50 do século passado. Era a oportunidade que
os clubes cariocas tinham de apresentar as novas contratações, seus novos
craques. Verdadeira festa do futebol. Numa mesma tarde de domingo, começando às
12 horas, os times se enfrentavam em partidas eliminatórias de 10 minutos cada
tempo. E, nesse ano, vi o Canto do Rio ser campeão, para surpresa de todos,
pois era considerado uma equipe pequena, de menor expressão.
Continuei
a viver de modo mais intenso o dia a dia do clube, já agora passando a acompanhar
os jogos do time de futebol no Estádio Caio Martins. Quando o Canto do Rio era
o mandante, as partidas de aspirantes (começavam às 13horas e 15 minutos) e
principal (começavam às 15 horas e 15 minutos). E, na sede do clube, tive a
oportunidade conversar com vários dos jogadores que faziam parte do elenco
cantorriense, que lá iam receber seus ordenados. Fizeram nome no clube:
Zequinha, Osmar, Dodoca, Ary Marron. O jogador-simbolo era Jairo, um ponta
direita baixinho, negro, cabeça raspada, que acho que só jogou pelo Canto do
Rio. Zequinha, centro avante habilidoso, pretendido por vários clubes cariocas,
preferiu ficar no time e em São Gonçalo, onde exercia a profissão de pedreiro.
Já me considerando parte integrante do clube, passei a assistir até alguns treinos
do time de futebol.
A
partir de 1953, o Flamengo passou a reinar no futebol do Rio, ganhando os
campeonatos de 53, 54 e 55. O time era muito bom: Garcia, Tomires e Pavão;
Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Rubens, Índio, Evaristo e Zagallo. Mas, não me
entusiasmei com o time, preferindo torcer timidamente pelo Canto do Rio, mesmo
sabendo que o time nunca ganharia um Campeonato Carioca.
Em
1955, o clube contratou jogadores que já estavam em fim de carreira em grandes
clubes do Rio. Assim vieram do Fluminense Vitor, Lafayete e Veludo (goleiro
reserva de Castilho na Copa do mundo de 1954); do Botafogo, veio Floriano. Em
1956, veio Garcia, que havia acabado de se sagrar tricampeão pelo Flamengo. Eli
do Amparo, também encerrou a carreira no clube. Até que o time teve uma boa
participação no Campeonato daquele ano. O lateral esquerdo Lafayete, quando
parou de jogar, passou a treinar o time.
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Time do Canto do Rio F.C. em 1956 |
No
Caio Martins, a social ficava na arquibancada coberta, lado direito da tribuna
de honra, com entrada pela rua Presidente Backer. A pequena torcida
entusiasmada gritava “Cantucha”, “Cantucha”. Depois, um jornalista carioca,
não entendendo direito o grito da torcida alviceleste escreveu que o grito era
“Cantusca”, que acabou pegando.
Já
agora eu fazia parte da equipe de tênis de mesa do clube e ainda tentava um
lugar no time de futebol de salão. O ano era 1955. Vieram os “Jogos Infantís”,
competição patrocinada pelo “Jornal dos Sports”, reunindo clubes e colégios do
Rio e outras cidades, para atletas até 13 e até 15 anos. Eram as duas
categorias em disputa, divididos os atletas por idade, observados aqueles
limites. Consegui vaga na equipe até 13 anos de tênis de mesa.
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Equipe de tênis de mesa do Canto do Rio F.C., categorias até 13 e 15 anos, 1955 |
Os
jogos foram disputados na sede antiga do Flamengo, na praia do mesmo nome. Não
fomos bem, perdendo para o Boqueirão do Passeio.
Lamentei
não ter insistido em disputar vaga no time de futebol de salão. Achei que era
mais fácil ser escolhido para a equipe de tênis de mesa.
No
futebol de salão a equipe até 13 anos foi relativamente bem. A outra, aquela
até 15 anos, tinha simplesmente na linha, atletas do porte de Jardel e Gerson,
mais tarde jogadores profissionais de futebol. Jardel jogou pelo Internacional,
Fluminense e terminou a carreira no Canto do Rio, enquanto Gerson jogou pelo
Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense, tendo sido campeão do mundo em
1970.
Os
carnavais do clube eram famosos e os mais animados da cidade. Havia um baile na
quinta feira que antecedia o Carnaval e outro no sábado, exclusivamente para os
sócios, Depois, nos bailes noturnos de domingo, segunda e terça até os sócios
tinham que comprar um ticket. Havia matinés nos domingos e terças.
O
salão ficava lotado, o pessoal se divertia muito, o lança perfume rolava à
vontade. Muitos namoros, algumas brigas. Havia a turma dos “mais velhos”, os
“Dragões”, fantasiados de preto, que faziam uma espécie de polícia interna do
salão, mas que adorava uma briga. Um bloco do clube percorria o centro da
cidade nas manhãs de domingo.
O
cineminha também era muito concorrido, enchendo o salão de associados que,
pretextando ver um bom filme, procuravam a namorada ou o namorado. Terças às 20
horas.
Voltando
ao futebol, eu e meu amigo Antonio Matheus, nos anos finais da década de 50,
acompanhamos os jogos do Canto do Rio em diversos estádios do Rio de Janeiro,
como General Severiano, Laranjeiras, São Januário, Bariri e, claro, Maracanã.
O
Canto do Rio, no início dos anos 60, contratou uma firma incorporadora, que
começou a vender títulos de sócio patrimonial, extinguindo as antigas
categorias de sócios atletas, contribuintes
e efetivos. Demoliram a sede antiga e demoraram vários anos para
construir outra. O time de futebol deixou de disputar o Campeonato Carioca em
1964.
Depois
que fui trabalhar no Banco do Brasil, na cidade de Cantagalo, deixei de frequentar
o clube. Nele só voltei por volta de 1975, quando fui levar minha filha, então
com nove anos, para aprender a nadar na escolinha do clube.
A
sede estava totalmente modificada. A velha casa branca, onde ficava a
secretaria, fora demolida. Duas enormes piscinas ocupavam seu lugar. Onde havia
o salão com mesas de sinuca, agora era ocupado por uma piscina menor. A quadra
de esportes fora substituída por outra de tênis. O salão de bailes e cinema
agora era uma quadra coberta de múltiplas funções.
Meus
filhos ali aprenderam a nadar e dois deles jogaram futebol de salão pelo clube.
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Paulo Afranio, o “Guguinha” campeão niteroiense de futebol de salão em 1983. |
Alguns
dizem que o clube ficou mais bonito, mais moderno...
Até
pode ser...
Mas,
perdeu aquele romantismo, aquele ar de importância que tinha nos anos 50...
Nota do blogueiro/editor: O Calfilho que assina esta postagem é o Juiz de Direito aposentado Carlos Lopes Filho. Conheci o Carlinhos, como o tratávamos na época, no Liceu Nilo Peçanha, de Niterói. Fizemos uma boa camaradagem e vivemos algumas aventuras, por ele relatadas num livro de titulo "Lembranças do Meu Liceu - 1953 1959".
Tive o privilégio de ser convidado para a comemoração de seu aniversário de emancipação, ocorrida no apartamento da Av. Amaral Peixoto, citado no texto, onde ele morava.
Esta emancipação, outorgada pelo pai, ocorreu num ritual interessante, que me surpreendeu e encantou, pelo ineditismo. O simbolismo foi o corte do cordão que o prendia pelo polegar.
Tempos depois, já na acasa em São Francisco, onde ele foi morar, quando seu pai, uma figura respeitável, culta e educada, comprou o primeiro carro da família, lá estava eu dando com eles a primeira voltinha no automóvel.
Já disse aqui no blog, e repito, as amizades sinceras, sólidas, são feitas na infância/adolescência. Com raríssimas exceções.