Houve um tempo em que os bichos falavam. E não só nas fábulas
ou histórias infantis. Também no capítulo 3 do Gênesis a serpente e Eva batem
um animado papo. Sobre a maçã (tsk, tsk,
tsk).
Assim também houve um tempo em que havia políticos honestos.
Conheci alguns. Não vou aqui e agora nomeá-los por duas razões: já não vivem e
vocês não acreditarão, assim como não acreditam que houve época em que os
bichos falavam.
Claro que faziam jogo partidário, faziam um pouco de demagogia,
tinham um viés populista, mas eram honestos inclusive em relação aos seus
propósitos.
O populismo era manifestado ao sentarem em bares e festas de
pequenos clubes de bairros para compartilharem feijoadas e cervejas.
Compravam uniformes para os times de futebol destes pequenos
clubes. Conheciam pelo nome os dirigentes das escolas de samba e dos clubes de
futebol. Como morava em Niterói, durante infância e adolescência, é natural que
minhas lembranças sejam relacionadas a políticos de Niterói e São Gonçalo.
Se hoje São Gonçalo cresceu e tem população maior do que Niterói,
naquela época a cidade dos “papa-goiabas” era equivocadamente conhecida como um
bairro de Niterói.
Isto se deve, em grande parte, ao fato de Niterói ter sido a
capital do antigo Estado do Rio de Janeiro.
Nenhum dos que conheci pessoalmente, via meu pai, que era um
político vocacional (fazia política por prazer), ficou milionário com a
política.
O mais chegado, cuja casa frequentávamos vez ou outra, quando
deputado, morava num apartamento confortável mas simples, na Rua Gavião
Peixoto, num prédio sem elevador e dirigia, ele mesmo, o carro oficial a sua
disposição.
Outro que conheci também por intermédio do irmão, que estudou
comigo na mesma escola, era médico por profissão e fazendeiro por herança
familiar.
Uma coisa que sempre me intrigou foi a inclinação de médicos
para a política. Conheci muitos vereadores, deputados estaduais e federais que
iniciaram a vida clinicando. E como em alguns casos nem cobravam, ou cobravam
pouco, acabavam por conquistar a admiração a gratidão e, claro, os votos deles e
de seus familiares.
Sim, antigamente o chefe da família, aquele que provia o
sustento, preparava os envelopes com as cédulas dos candidatos nos quais todos
iriam votar.
Não confundir com o coronelismo tão combatido e que no
nordeste tinha contornos de subserviência, de cabresto.
Falei de colega de escola e reforço comentando que no Liceu
Nilo Peçanha, por exemplo, estudavam filhos e netos dos políticos deste lado na
Baia da Guanabara.
Portanto, escola pública, onde estudavam outros jovens de
classes sociais mais baixas, mas que tinham mérito escolar. Havia um teste de
admissão, embora admita que alguns “entravam pela janela”, em função de
apadrinhamento.
Quando lá ingressei, o diretor, que foi deputado estadual em algumas legislaturas,
mantinha lá suas duas filhas.
Para encerrar, tornarei público um fato verdadeiro, e que é
de conhecimento, hoje, de apenas mais uma pessoa - minha irmã - se é que ela
lembra do caso.
Os políticos, muitos deles, mantinham escritórios partidários.
Outros ocupavam a sede regional de seu partido para atender aos eleitores.
Quando meu pai faleceu, deixando-nos em situação financeira
delicada, passados alguns poucos meses resolvi escrever uma carta, manuscrita,
para o já supracitado deputado que ara aquele com o qual meu pai mais tinha
contato político.
Narrei nossas dificuldades e pedi ajuda (pensava num emprego
público), explicando que não tinha grande qualificação profissional. Ainda não era formado e trabalhava numa fábrica ganhando um modesto salário.
Ele mandou alguém telefonar para nossa casa e agendou um dia para
procura-lo na sede regional do partido ao qual estava filiado.
Recebeu-me, depois de ter atendido, sem exagero, uma dezena de
outras pessoas. Ouvia a todas atentamente.
Fazia anotações e escrevia bilhetes.
Quando chegou minha vez, sentei na cadeira ao lado da
escrivaninha onde ele sentava. Ele pegou minha carta, que estava em seu bolso,
dobrada, e começou a falar da grande estima que tinha por meu pai, dos serviços
que ele prestara ao partido, e de sua
lealdade.
Entretanto, era período de fim de mandato, vésperas de eleições.
Não havia qualquer chance de me encaminhar para me candidatar a um cargo
público.
Entretanto, disse-me, enfiando a mão no bolso interno do
paletó, "aqui está uma ajuda que eu posso dar". E entregou-me, quitada, uma
promissória relativa a um empréstimo do antigo Banco do Estado do Rio de Janeiro.
Como havia sido o avalista, no vencimento o gerente ligou
para ele. Que pagou e não alardeou com minha mãe.
Então, o que temos: um fiscal de rendas do estado, função que me pai exercia ao morrer (há 53 anos) depois de muitos anos de serviços
prestados aos governos estadual e federal, que morava em apartamento alugado e
precisava empinar papagaio em banco para poder alimentar, vestir e calçar três
filhos e comprar uniformes e material escolar.
Não, ele não tinha outra família, não jogava e não bebia. É
que vivia única e exclusivamente da parte fixa da remuneração dos fiscais. E não se
envolvia em suborno e não admitia propina.
Do outro lado, temos um deputado que era avalista de um
correligionário político e que como prova de amizade e camaradagem quitou uma
dívida que seria da família.
Ajudou com recursos próprios e não com adoção de cabide de
emprego, mesmo que de nível baixo na hierarquia do funcionalismo.
Por fim, o empréstimo fora contraído no Banco do Estado do
Rio de Janeiro, não por razões de influência política, tráfico de influência,
ms sim porque o gerente da Agência onde contraído, também era criador
de canários roller, diversão de meu
pai nos últimos anos antes do infarto fulminante.