Por
Alessandra Tappes
As vésperas de meu filho completar 14 anos ele foi
diagnosticado com DPAC.
O que todos achavam que era excesso de zelo, mimo da minha
parte e desatenção e preguiça da parte dele, ganhou esse nome aí: DPAC.
Mas vamos por partes. O que é isso aí? DPAC significa Desordem no
Processamento Auditivo Central. O portador desta disfunção ouve
perfeitamente, mas seu cérebro não processa o que ouve. Fica tudo bagunçado na
sua mente. Tudo confuso, sem começo, meio e, logicamente, sem fim algum.
É considerada uma neuropatia auditiva. Uma falha no sistema auditivo central. Ainda
não se conhece a causa concreta para o surgimento do DPAC, mas entre as mais cogitadas estão: permanência em UTI-Neonatal por
tempo superior a 48 horas; fatores genéticos; otites nos três primeiros meses
de vida; experiências auditivas insuficientes durante a primeira infância além
de processos alérgicos, rinite, e sinusite.
João
nasceu com 8 meses de gestação, teve parada respiratória, ficou 8 dias na UTI,
depois mais 8 na CTI e tem uma alergia crônica tratada com antialérgicos de uso
contínuo e injeção semanal para controle da rinoconjuntivite crônica que tem. Dentre
as prováveis causas relacionadas, ele apresenta 3, o que aliado aos sintomas e
seu histórico médico, confirmam o diagnóstico.
A DPAC
está no “mercado” há 15 anos, quase a idade de João.
Mãe de primeira e única viagem, eu sentia que algo estava
errado com ele, mas por ser filho único, neto único, sobrinho único, deixei por
conta dos mimos, como diziam todos. Mesmo assim, vez por outra, eu consultava
alguns médicos a respeito da dificuldade que ele apresentava. A resposta era
sempre a mesma: o menino é superprotegido e deve melhorar com o tempo.
João não entende piadas, frases com duplo sentido e
expressões cotidianas. Mas quando descobre o sentido da piada, ele por sua vez
aluga o assunto até gastar! Piadas acabam ficando sem graça de tanto que ele as
usa, mas para não desestimulá-lo a interpretar sozinho, rimos como se fosse a
primeira vez. Claro que lá pela 99º vez falamos com todo amor e carinho que já
ouvimos...
Outro aspecto sintomático que ele apresenta: imita o que lhe
parece engraçado. Vive situações que outras pessoas viveram e percebe que
chamou atenção. Exemplo: se um colega tropeça e desperta gargalhadas, ele vai
tropeçar (de propósito) e rir mais do que a plateia. Além disso, vai relatar
várias vezes que tropeçou e todo mundo riu. Novamente entramos com os
comentários delicados para não frustrar.
Por tudo estar
bagunçado em sua cabeça, João tem uma dificuldade enorme em interpretar o que é
pedido. Imaginem seguir um comando sem ao menos entender o sentido dele. Agora imaginem seguir vários. A confusão
surge instantaneamente na vida dele.
No começo eu achava que ele se “fazia” desentendido, ficava
com a carinha de paisagem e com um ponto gigantesco de interrogação gravado na
testa, tomando conta da sua fisionomia. Mas com o tempo vi que essa expressão
era contínua. Suas dúvidas eram as mesmas no dia seguinte e em horas depois.
Descobri que meus comandos e esclarecimentos tinham que ser o Pai Nosso de todo
o dia, isto é, todos os dias repetir as mesmas coisas, sem tirar nem por cada
informação.
Mexer na geladeira por iniciativa própria sem ordem de
terceiros (e olha que me incluo nisso) nem pensar! Combinar roupa, querer ir ao
shopping sozinho ou com seus amigos como passeio casual, não passa pelos seus
pensamentos. Tomar decisões? Não sabe ainda o que é isso. Agora, imaginem minha
preocupação, pois está indo para ensino médio, prestes a completar 15 anos, mas
com mente de 10. Não confundir com
retardo mental, pois não apresenta prejuízo intelectual.
Aceita comandos sem se rebelar. Viaja sozinho de avião desde
seus 12 anos, embora cheio de ordens e recomendações repetidas diversas vezes
antes de embarcar. De uma pureza única, não vê perigo em nada e acha tudo de
bom tamanho. Tudo é confiável, todos são confiáveis. Se tiver pizza no lanche,
ele fica muito feliz, mas se for pão com manteiga, ele se conforma e não
reclama, mantendo a mesma expressão.
Uma de suas maiores aliada é a boa e velha rotina. Todos os
dias repetir as mesmas atividades ajuda a exercitar a mente. Ter hora pra tudo
e explicações detalhadas, facilita seu desempenho. Frases longas ou moscas voando
em sua frente fazem com que ele perca o rumo no meio do nada. Enfim, tirar da
rotina, é voltar à estaca zero do tratamento contínuo, uma vez que DPAC não em
cura, sendo apenas possível ensinar o cérebro a responder a novos estímulos.
A recuperação acontece graças à neuroplasticidade –
capacidade para se moldar a uma nova realidade. “É
fundamental que o tratamento seja interdisciplinar, com a atuação de
otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos, neuropediatras, psicopedagogos e
neuropsicólogos. A reabilitação proporciona melhora na qualidade de vida e um
cotidiano normal para os estudantes”, evidencia Dra Rita de Cássia Cassou Guimarães, mestre em
clínica cirúrgica pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
Seu rendimento escolar é de médio a ruim. São poucas as matérias em que consegue alcançar
boa nota e mantê-la. Repetiu o segundo ano primário, e, a alegação da
professora na época, não foi por nota, mas por ser uma criança apática, que não brincava com as
outras, não tomava iniciativa na classe, não participava de atividades em
grupo. Coincidentemente esta foi à fase em que eu e o pai dele nos separamos o
que justificou pela pediatra e familiares seu comportamento e “baixo rendimento
escolar”.
Atualmente faz
acompanhamento com neurologista, clínica geral, fonoaudióloga. Depois das
férias, começará com o tratamento com psicóloga. A escola também tem que estar
informada sobre o assunto, pois seu mundo diferente não é visto a olho nu. Na
escola dele, tive dificuldade em obter ajuda, pois esta disfunção era novidade
para as pedagogas e, além disso, parece que falta ao corpo docente interesse em
promover aprendizagem. O que vale hoje é passar de ano, o que contraria a nossa
opinião a qual o que importa é aprender e entender.
Hoje em dia, ainda tem muita dificuldade em interpretar
textos, parágrafos, questões. Temos que traduzir frase por frase até entrar na
cabeça dele, mas mesmo assim se no dia seguinte perguntarmos o que ele aprendeu
sobre o assunto, virá com aquela cara de dúvida que citei lá em cima.
Mesmo com essas dificuldades
no seu dia a dia, João vai sozinho a consulta semanal com a fono, ao ortodontista,
aos cursos de informática e inglês e ainda executa pequenos serviços como
correio e compras de emergência.
Muito
embora o processo seja lento quanto aos resultados de tudo que aprende, motivado
pela já citada pela curta capacidade de absorver o novo, seguimos as
orientações no sentido de estimula-lo a todo instante.
Estou abordando o tema para
que sirva de ajuda em outros casos semelhantes ao meu. Portanto se você
identificar alguma semelhança com alguma criança a sua volta, ou mesmo nos
casos já diagnosticado DPAC, fale
sempre olhando nos olhos e de forma bem clara. Faça seu pequeno repetir o que
lhe foi passado, se usado um jogo de palavras não se esqueça de dizer que é
brincadeira, as palavras de duplo sentido e expressões cotidianas, caem como
outro idioma na sua cabeça. Paciência é a sua ordem, aliás, tenha sempre. Como
são literais demais, não sabem mentir, inventar e usam da sinceridade o tempo
todo. Dão as respostas mais francas e nem sempre esperadas.
É difícil sim, mas assumi ser mãe, educadora, babá, tradutora,
professora e tantas e outras designações que forem me dadas para ajuda-lo. Não
posso desistir de querer ver meu filho bem encaminhado. Tenho preocupações
normais que rondam o meu diploma de mãe. Mas saber que ele pode andar sozinho,
fazer suas escolhas, seguir seus instintos, não tem preço que pague meus
esforços de hoje e sempre.
*NR. Como viver num
mundo sem entender o que os outros falam.
Fontes de pesquisa: