Por
Riva
Rodrigo “Rodo” Barros
é um escritor fluminense, autor de livros, contos e poesias. Reside em São
Paulo, e freqüenta o Twitter desde 2009. Sou um dos seus 2.345 seguidores.
Quem quiser segui-lo
no Twitter, acesse @rodoinside. Ou veja seus contos em http://www.rodoinside.com.br/.
Decidi compartilhar
seu post aqui no nosso GE em razão da gravidade do evento que ele presenciou na
Allianz Parque do Palmeiras essa semana, nas arquibancadas do jogo Palmeiras x
Fluminense, que culminaram com o óbito de um torcedor do Fluminense.
O fato está sendo
pouco explorado pela mídia, sabe-se lá porque .... que não sejam as mesmas
supostas razões da quase uma dezena de penalties a favor do Palmeiras nos
últimos jogos, assunto esse largamente debatido pelos jornalistas esportivos da
ESPN essa semana.
Comecei a freqüentar
estádios de futebol em 1960, quando meu tio me levou ao Maracanã para assistir
a final Fluminense x América, de amarga recordação. Meu pai, que era América,
não foi ao jogo, e com isso não assistiu à última grande conquista do seu time
de coração.
De lá para cá, talvez
uma centena de partidas assistidas, sem brigas, sem mortes, só alegrias e
tristezas com os resultados das partidas.
Leiam o post do
Rodrigo, e me digam se ainda vale a pena acompanhar seu time do coração fora do
sofá .....
O meu prazer agora é risco de vida
Por Rodrigo “Rodo”
Barros
Não lembro a primeira
vez em que estive em um estádio para acompanhar uma partida de futebol. Meu pai
tinha por hábito me levar desde bem pequeno ao Maracanã. Naquela época, era
comum as torcidas se sentarem lado a lado. Não entrarei no mérito sobre o que
levou as torcidas serem separadas. Quando isso ocorreu, era apenas por uma
corda, algo mais simbólico que uma separação de fato.
Os tempos hoje são
outros, as mazelas da nossa sociedade passaram a refletir de forma ainda mais
intensa no esporte de maior popularidade do País. O nosso futebol absorve tudo
de equivocado que ocorre em nosso dia a dia e, ando bem cansado do que acontece
em nosso País. Fico com a impressão de que carregamos conosco o DNA da
corrupção. Todo instante percebo uma tentativa nova de ser ludibriado por
outrem, seja um troco dado de forma equivocada, um taxímetro adulterado, uma
nova tentativa dos nossos governantes em criar leis que só os beneficiam e, no
esporte isso não seria diferente.
Não sou inocente ao
ponto de acreditar em erros de arbitragem constantes sejam ao acaso. Muito
menos que isso ocorra para todos os clubes. Não ocorre. Ocorre de forma
sistemática para os mesmos clubes, passando em branco pela imprensa esportiva,
que finge não ter noção do certo e do errado para que com isso ajudar o
“sistema” a se manter, exatamente como ocorre no cenário político.
Acontece a olhos
vistos, estádio sendo construído com dinheiro público e entregue de
mão beijada a um dos
clubes de maior torcida. Alguns recebendo patrocínio de empresa pública, com a
TV distribuindo cotas três vezes maiores que a de seus adversários e para
colocar uma cereja no bolo, os erros de arbitragem que os mantém em um ritmo
constante de vitória ainda que não estejam em seus melhores dias.
Sempre me pego
pensando porque ainda insisto nisso. Já não é mais um lazer, não há mais
prazer. É um estresse constante acompanhar futebol. Como costumamos dizer,
temos que ganhar “contra tudo e contra todos”. Deveríamos lutar somente para
ganhar na bola e dos nossos adversários, não deles e da arbitragem, da
imprensa, dos patrocinadores e das federações. Se assistimos a uma partida na
casa do adversário, todos esses problemas se ampliam.
Enquanto torcidas
organizadas, repletas de marginais, são escoltadas até o estádio, o torcedor
comum é tratado como bandido, com a truculência policial, com a violência dos
adversários, e com preços superfaturados para transformar o sentimento pelo
clube do coração em mais uma maneira de lesar o próximo.
Ingressos a preços
surreais, falta de estrutura, ruas fechadas, estacionamento custando metade do
valor do ingresso e sempre com o risco iminente. Esse foi o cenário que
encontrei no Allianz Parque para assistir a segunda partida da semifinal da
Copa do Brasil de 2015. O ingresso custava 120 Reais, o estacionamento do
shopping ao lado estava inacessível, porque todas as ruas estavam fechadas pela
polícia, tomadas por torcedores e ambulantes trabalhando sem alvará da
prefeitura. Um trajeto que faço sempre, pois resido em São Paulo, estava
fechado. Fechado pra mim e para os diversos moradores e trabalhadores da
cidade. Após pagar 40 Reais para estacionar em um local que assim como os
ambulantes não tinha alvará de funcionamento, adentrei ao novo estádio do
Palmeiras.
Já o conhecia, fui a
um show do Paul McCartney no local, com muito mais expectadores que o da noite
de quarta-feira, mas sem rua fechada, sem policiais dispostos a agredir o
público a qualquer momento e sem fãs de outro estilo musical querendo me
agredir apenas por ter um gosto diferente do dele. No decorrer da partida o de
sempre. Erros de arbitragem, jogando “contra tudo e contra todos” e no fim uma
desclassificação nos pênaltis, vida que segue. Fiquei preso por mais de uma
hora dentro do Allianz Parque porque a logística (?) de segurança, mantém os
torcedores adversários presos no estádio, enquanto a torcida da casa, que
comemorava a classificação podia ir embora livremente. Não precisa ser muito
inteligente para saber que é o cenário ideal para uma emboscada. Algo mais do
que comum na capital paulistana.
Para coroar o cenário
de horror, um torcedor do Fluminense passou mal nas arquibancadas. Outros
tricolores apelavam de forma desesperada para que os policiais chamassem o
socorro, já que nenhum funcionário do Clube ou do Estádio estavam por perto.
Ouvíamos os policiais respondendo com certo desdém “Não sou médico, não
posso fazer nada, sai pra lá”, já ameaçando uma agressão caso algum torcedor
tentasse ultrapassar o corredor por eles organizado. Depois de muito apelar, um
bombeiro do Estádio apareceu e foi conferir o homem que estava deitado
recebendo os primeiros socorros de outro torcedor, que por coincidência era
médico. Não havia maca, demoraram a descobrir onde a maca estava guardada.
Cerca de vinte minutos depois, finalmente, o torcedor foi carregado para o
primeiro atendimento. Hoje recebemos a notícia de seu falecimento.
Diferente do que
afirmou oficialmente a diretoria do Palmeiras, o torcedor não recebeu pronto
atendimento, muito menos deixou o ambiente acordado e respondendo a estímulos.
Não sou médico, não posso afirmar que ele sobreviveria, mas suas chances
diminuíram bastante após ter sido negligenciado apenas por ser um torcedor
adversário. Se policiais estivessem mais preocupados em atender a população do
que ameaçá-la, talvez tivesse uma chance, mas ele não teve. Flávio Mendes
faleceu porque poucas coisas funcionam nesse País e nada, ou quase nada, vai
mudar. Não mudou com o incêndio na boate Kiss, no Sul do País, e nem com a
morte do jogador Serginho, do São Caetano ou a queda do alambrado de São
Januário na Copa João Havelange.
O falecimento de
Flávio reforçou um pensamento que já carregava comigo há algum tempo e que
estava quase em definitivo na noite de ontem. O futebol de hoje tem pouco a me oferecer.
Não há prazer algum em ser “roubado” na bilheteria ou em campo. Perdi o gosto
de ir aos estádios e espero que a minha paixão pelo Fluminense não seja maior
que meu bom senso, pois o que aconteceu ao Flávio, poderia ter acontecido
comigo. O que aconteceu no Allianz Parque poderia ter acontecido em qualquer
outro lugar, porque o torcedor é o que menos importa para aqueles que
administram o nosso futebol.
Se antes só me sentia
ameaçado por marginais travestidos de torcedores, agora, com quase quarenta
anos, a ameaça é outra.
Posso vir a ter o
mesmo fim de Flávio, que faleceu aos 51 anos, por negligência e falta de
interesse pela vida alheia. Como diria o poeta, o meu prazer agora é risco de
vida e a minha vida vale mais que isso.