28 de agosto de 2012

Mise-en-scène


Mesmo sendo bacharel em Direito, e até tendo advogado, nunca fui brilhante em meu ofício e passei ao largo de ser um  jurisconsulto, inobstante ter dado alguns pareceres.

Então fui um profissional leviano? Não, também passei longe disto, da leviandade.

Ocorre que ao contrário do sapateiro que se arvorou em crítico de arte, sempre me mantive restrito às sandálias.

Jamais assumi empreitada que estivesse além de meus conhecimentos ou de pelo menos saber em que fontes suprir minhas ineficiências para bem realizar o patrocínio  legal.



Toda esta digressão tem como objetivo estabelecer os limites, no caso estreitos, de meu saber processual e, consequentemente, de cabedal para opinar sobre o desenrolar do processo de julgamento da Ação Penal 470, vulgo mensalão.

Mesmo sem estar assistindo a todas as sessões, e acompanhando de forma parcial algumas poucas, arvoro-me em manifestar minha opinião sobre o teatro no qual se transformou o plenário do Supremo Tribunal Federal, máxime quando tiveram início as transmissões televisivas ao vivo.

Olha gente, esta xaropada introdutória é para dizer o seguinte: leiam e entendam, com reservas, o que vou manifestar.

Não tenho vergonha de arrostar minha ignorância, até porque grandes juristas têm dúvidas, por exemplo, sobre o cabimento de recurso da decisão final.

A decisão ocorrerá, Deus sabe quando, a julgar pelas artimanhas (podem ler catimbas) intentadas por advogados e, pasmem, por ministros da corte. No dialeto forense, houve e ainda haverá chicana, ou o que fez o ex-ministro da Justiça - Marcio Thomaz Bastos - não foi uma manobra chicaneira?

Ainda bem que não prosperou a tese que o respeitado jurista defendeu da tribuna tendo sido acompanhado apenas por dois dos membros do pretório excelso.

Pretendia o nobre causídico, de quem se apregoa trabalhar com uma tabela de honorários que oscila na casa do 15 milhões, que os réus (eram 38 no total) que não tivessem foro privilegiado, ou seja, aqueles que exerciam cargo públicos de alto nível ou pertencentes às casas legislativas federais, fossem julgados por instâncias inferiores, com direito ao duplo grau de jurisdição.

Sabem o que poderia acontecer, e juro que não estou delirando? Caracterizada uma ação de quadrilha, crime imputado a alguns dos réus do processo, certos membros da quadrilha poderiam ser absolvidos e outros condenados, simplesmente por serem julgados por magistrados de tribunais distintos.

Imagine uma quadrilha muito bem organizada, no dizer da procuradoria geral da República, e imagine que alguns membros, porque submetidos ao crivo dos ministros da corte maior fossem condenados e outros julgados por instâncias inferiores fossem absolvidos. Ou vice-versa.

Esta aberração foi rechaçada, mas outras estão em pleno desenvolvimento. Querem exemplo? Advogados brilhantes, que receberam honorários da ordem de seis zeros antes da virgula, assomaram a tribuna e não se houveram bem na defesa de seus constituintes. Por razões diversas.

Pois bem, um dos ministros da corte, efetuou um trabalho de fôlego, de análise acurada de todas as peças processuais, milhares delas; algumas provas colhidas há anos, consubstanciadas em depoimentos na polícia federal, em comissão parlamentar de inquérito e no tribunal de contas, por exemplo, e buscou com este trabalho de pesquisa aprofundada, desqualificar o voto e as provas mencionadas nas mais de mil páginas do voto do ministro-relator. E absolveu o réu, no caso o deputado João Paulo Cunha, do Partido dos Trabalhadores.

Então, simplificando, o que os advogados contratados não lograram, que seria dar interpretação subjetiva ao elenco de depoimentos e numa manobra de prestidigitador transformar em peças capazes de inocentar aquelas mesmas que serviram de suporte para acusar, seja pelo ministério público, seja pelo relator do processo, que votou pela condenação dos acusados.

Advogados tarimbados, grifes conceituadas, não defenderam os réus com tanta competência quanto o ministro Lewandowski, cujo papel é o de revisor do processo.

Disto decorreu um outro fato que, embora admissível, definitivamente é inusual.  O ministro-relator – Joaquim Barbosa – inconformado com a “defesa” feita pelo revisor, a guisa de voto, inocentando os réus, resolveu pedir direito de réplica. O ministro Lewandowski, por sua vez, ante o inusitado do gesto do ministro Barbosa, pleiteou o direito de tréplica.

O embate não é mais de julgadores, mas sim entre acusador e defensor, ou dois togados.

O presidente do STF, tendo que decidir sobre os pleitos de réplica e tréplica, acabou por deferir, limitando, embora, o tempo de uso da palavra a ser concedido a cada um deles.
Ou seja, bate-boca marginal, com o processo parado que é o que querem alguns.

Para réus, advogados de defesa e até mesmo para alguns ministros o ideal é que o julgamento se arraste, indo para as calendas gregas.
Dois ministros estão em vias de aposentadoria, o que no jargão forense é chamado de “expulsória”, ao invés de aposentadoria compulsória. Assim, o ministro Cezar Peluso, no próximo dia 3 terá que se aposentar.

Tal fato criou uma nova polêmica e suspense. Sua excelência apresentará o seu voto final sobre todo o processo ou apenas circunscrito ao que foi relatado e discutido até agora?

Deduzo que ele poderá optar por votar relativamente a todo o processo, antecipadamente, até porque seu voto deve estar pronto, redigido e editado, a exemplo do que ocorre com os demais ministros.

Este último fato – votos prontos – leva-me a levantar para os caríssimos leitores a seguinte estarrecedora constatação: o que fizeram os advogados de defesa que passaram pela tribuna, com sua oratórias prolixas e empoladas, suas retóricas ao estilo do maior de todos os tribunos romanos, o senador e cônsul Marcus Tullius Cicero?

Se os votos estão redigidos, que papel fizeram estes advogados? Mise-en-scène, teatrinho para justificar seus honorários e aumentarem a visibilidade para futuros clientes que tenham aprontado ou se locupletado com tanto, que são capazes de arcar com honorários que alguns dos caros leitores não receberão somados todos os seus rendimentos até a aposentadoria.

Façamos algumas contas. Imagine alguém que receba R$ 10 mil reais por mês. Ao cabo de um ano terá recebido R$ 120 mil reais. Ao final de 35 anos, teria amealhado  R$ 4.200 milhões.

Pelo noticiado nos jornais e revistas semanais, os honorários oscilaram entre 5 e 20 milhões.

Inocentes pagariam estes valores para suas defesas?

NOTA DO AUTOR: Ontem, segunda-feira, antes do início da sessão de julgamento, os ministros Barbosa e Lewandowski, reunidos com o presidente da corte, ministro Ayres Britto, resolveram abrir mão de réplica e tréplica, respectivamente, consoante estava acertado na sexta-feira. Mas o confronto já estava explicitado. Não se tratava exclusivamente de conflito de opiniões, de interpretação de fatos, de hermenêutica, o que é natural, mas sim de acusação e defesa enfática. Foi bom porque não atrasou o andamento da votação, com manifestação dos demais membros do colegiado.
Como o texto do post estava pronto para publicação, esta nota se faz necessária, embora não mude de opinião a respeito do fato de que alguns ministros querem a condenação e outros não, independentemente do conjunto probatório ou argumentos doutrinários de direito.
  

5 comentários:

Jorge Carrano disse...

Mas o capítulo mais vergonhoso desta triste história político/judiciária, foi o ministro Dias Toffoli não se dar por impedido e, pior, despindo as vestes talares votar pela absolvição de seu correligionário do PT.
Por baixo da beca tem a camisa de seu partido político, beneficiário de todas as falcatruas e sigla que abriga a quadrilha, no dizer do procurador geral.

Freddy disse...

Se algo de positivo há nesse teatro é que, ao menos, o público interessado está assistindo on-line, entendendo ou não o enredo da comédia.

Generalizando: o atual governo e seus apêndices estão agindo da mensa maneira que os antecessores, com falcatruas e desmandos, mas ao menos a coisa, quando apontada, vem à tona, fica às claras.

Cabe ao povo observar, formar uma opinião - se não sabe que faça uso de textos como esse post para aprender - e, quem sabe, mais tarde escolher melhor seus representantes.

Abraço
Freddy

Jorge Carrano disse...

Vejam a surpresa de advogados de defesa.
http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2012/08/maioria-pro-condenacao-surpreende-defesa-de-acusados-de-desvio-no-bb.html

E o que pode acontecer com o voto do ministro Cezar Peluso: http://g1.globo.com/politica/mensalao/noticia/2012/08/peluso-vota-nesta-quarta-no-caso-do-mensalao-e-se-aposenta-na-segunda.html

Anônimo disse...

Pô, vai virar um blog de links?
Assim até eu posso manter um blog.

Jorge Carrano disse...

Tem razão o Anônimo. Amanhã teremos matéria sobre eleições nos USA e depois de amanhã revisitaremos o assunto das relações poliafetivas, tudo fruto de opinião de nossos queridos colaboradores, no caso também parentes, pela ordem, Ricardo Wagner (primo) e Ana Maria (irmã).
O Ricardo vive nos Estados Unidos, sendo leitor naquele país; a Ana Maria fez um comentário tão longo no post sobre a escritura pública de união estável entre um homem e duas mulheres, que transformei num post, com autorização da Autora.
Aguarde, anônimo.