29 de março de 2015

As amizades

Acho que fiz bem em aguardar que a emoção baixasse de intensidade para falar (um pouco mais) do Castelar, amigo que faleceu em julho do ano passado.

Todo mundo já leu a respeito ou ouviu falar de casos de escalada social/profissional de algumas pessoas que começaram bem por baixo, e lograram sucesso pessoal. Eu também li. Mas há um caso que pude acompanhar bem de perto. E o personagem, para meu orgulho e alegria, foi um dos meus três melhores amigos, até seus últimos dias neste mundo.

O pai, lavrador e analfabeto; a mãe lavadeira e cozinheira em pensão. Ele entregador de marmita, desde novinho e, aos doze anos, com carteira profissional com data adulterada, foi empregado como   “office boy” numa seguradora no Rio de Janeiro.

Desde seu nascimento, em Rio Bonito, até sua mudança para São Paulo, onde alcançou uma vice-presidência, na multinacional Nestlé, foram muitos entraves, lutas e conquistas. Foi muita estrada.

A partir de um certo ponto de sua vida ficamos amigos, parceiros e confidentes. Sonhamos e planejamos mil coisas, que fortaleciam nossos laços mas não eram concretizados.

Numa destas ocasiões, planejado o que faríamos, ele resolveu consultar o I Ching. Com moedas. O resultado foi, sinteticamente, o seguinte: quando dois lagos se intercomunicam, nunca um estará vazio e o outro cheio.

Antes de dar início às circunstâncias em que nos conhecemos, preciso explicar um de meus critérios para eleição, conceituação e colocação como amigo. Um deles é que os filhos estão excluídos desta categoria. Eles pertencem ao nicho dos... filhos. Um nível acima.

Mario Castelar está no rol dos três amigos de verdade, que poderíamos brincar dizendo que com carteirinha profissional. Os outros dois seriam, o também falecido, há três anos, João Jorge Bazhuni, já homenageado aqui no blog, com um post em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2010/07/tipo-inesquecivel-joao-jorge-elias.html , e o terceiro, Hermes Santos, de quem estarei falando mais para afrente. Hermes é um pouco mais velho, e está ainda na ativa. Foi professor (psicologia), editor de jornal, poeta (com livros publicados) e advoga na área criminal.

Quando publiquei o post sobre as tribos que frequentei, mencionei que elas não eram estanques, e alguns dos companheiros transitavam em algumas delas. Eis um caso concreto.

Bazhuni tinha que fazer uma viagem até Juiz de Fora, para fazer compras para a loja de seu pai, que ficava no centro de Niterói. Desde cedo ele ajudava o pai na loja, que vendia basicamente tecidos, mas também outros artigos correlatos, e os chamados aviamentos (zíperes, f itas, etc).

Juiz de Fora tinha (tem ?) muitas indústrias têxteis, em especial malharia. E ele queria comprar meias para abastecer o loja, que se chamava “Ao Leão de Ouro”.

Como ele viajaria numa sexta-feira à noite, para estar cedo na cidade no sábado, com tempo para visitar algumas fábricas e/ou distribuidores, acabou por convidar alguns amigos de escola e de outras atividades. Para farra.

Assim, na rodoviária do Rio de Janeiro fomos apresentados, porque ele  - Castelar - era um dos nove rapazes convidados para esta viagem, misto de negócios e lazer. Um de seus irmão, Francisco (Chicão) era outro convidado. E mais o Senna, o Bira e outros cujos nomes não lembrarei porque perdemos o contato depois. Não conhecia nenhum deles, exceto, claro, o Bazhuni que era o amigo comum.

Naquela sexta-feira sentamos-nos em torno de uma mesa, de um modesto bar na “manchester mineira”. Eu e Castelar nos identificamos logo de cara. Seria "amor a primeira vista" se fossemos um casal, hetero ou homo, tanto faria.

As afinidades eram muitas. E meu respeito pela inteligência dele, a agilidade mental e a criatividade, foi um ato imediato. Ele, por seu turno, deve ter identificado em mim algumas coisas que aspirava conseguir. Vivia, ainda, não mais na extrema pobreza, mas com muitas carências.

Nunca mais nos separamos, a não ser geograficamente, em certos momentos de nossas vidas. Ele foi para São Paulo primeiro do que eu. Depois retornou ao Rio, mas aí eu estava em São Paulo. Morei em Ribeirão Preto e em São José dos Campos, ele morando em São Paulo – capital.

A seguir, fotos que estão num mesmo álbum, dos muitos que tenho. Neste dia, na década de 1980, em uma das casas em que morei e ele frequentou ao longo do tempo, ele exercitou um hobbie que adorava: cozinhar. Antes da boia tomamos um cervejinha. Na mesa de refeições estão também meu filho Ricardo e Wanda, de costas.  E o melhor de tudo, lavava a louça (rsrsrs).




















Ambos vascaínos e devotos de São Jorge, acabamos por fazer, na mesma época, vestibular para Direito; e formamo-nos na mesma turma, embora ele jamais tenha exercido a profissão. Ele obteve sucesso mesmo foi nas áreas de marketing e comunicação.

Foi com ele que fui pela vez primeira ao estádio do Morumbi para assistir a um Vasco e Corinthians debaixo de um temporal de deixar as cuecas ensopadas. Foi 1X1, mas sacaneamos muitos gambás. Nas inúmeras vezes em que fomos ao Maracanã, antes de nossas mudanças para São Paulo, em algumas delas ficamos em meio a brigas, tapas e bofetões, em geral dentro da própria torcida vascaína.

Casamos, eu primeiro e ele logo em seguida, e nossas mulheres ficaram meio amigas. Saíamos juntos os casais, com outros, e jogávamos biriba ora em minha casa ora na dele.

Ele foi o responsável pela minha mudança profissional para São Paulo, indicando-me para o Banco Português do Brasil, que era cliente da agência de publicidade na qual ele trabalhava. Anos mais tarde, de novo, foi responsável por minha volta para São Paulo porque por sua recomendação, fui contratado pelo Laboratório Hepacholan.

De minha parte, quando estava na indústria têxtil do Grupo Matarazzo, na gerência da área de recursos humanos, indiquei-o para o setor de marketing. Ele trabalhava na  Rhodia, e os olhos de Ermelino Matarazzo (um dos filhos do conde) encheram-se de luz ante a possibilidade de tirar alguém da Rhodia. O normal era o oposto.

Ele ficou pouco tempo no Matarazzo. Encheu o saco, e voltou para a publicidade, na mesma agência na qual já trabalhara – Norton. Geraldo Alonso, fundador, dono e presidente gostava muito dele.

Ele se separou da primeira mulher, antes de ir para São Paulo numa aventura meio arriscada. Em São Paulo, pouco depois, casou de novo. Com esta segunda mulher dele, Francisca,  Wanda, a minha, tinha mais afinidades e ficaram amigas quando nós mudamos para a capital paulista. Mas este casamento também foi desfeito.

Francisca (Chica) trabalhou em pesquisa de mercado. Tenho que aproveitar o fato de estar falando da Chica, pois não sei se ela voltará a esta narrativa, para contar duas passagens: uma foi que nós dois acertamos os treze jogos da loteria esportiva (anos 1970). Como ela não entendia coisa alguma de futebol e eu não tinha coragem de marcar zebras nos cartões, sugeri que fizéssemos um jogo em conjunto. Eu marcaria os resultados conforme a lógica e ela colocaria dois ou três resultados, nos palpites duplos, segundo sua inocência e ignorância de futebol.

Não deu outra: treze pontos. Na segunda eu cheguei a tremer um pouco ao conferir os resultados dos jogos. Imaginei que pudéssemos ter ganho um bom dinheiro. Telefonei para o Castelar e falando baixinho anunciei: fizemos os treze pontos. Ele não entendeu ou não escutou porque eu estava sussurrando, na minha sala no Banco Português.

Quando saiu o número de acertadores veio a decepção.  Uma multidão de ganhadores. Pelo menos não fiz como um deles que fretou um avião para ir receber o prêmio na CEF. Com meus 50% do prêmio comprei um relógio para Wanda (o dela havia quebrado ou arrebentado a corrente) e acabou o prêmio.

A outra aventura que tive com a Chica (ou Xica, acho que era assim que eles grafavam), foi quando ela me selecionou para um painel de discussão no pré-lançamento do cigarro “Ascot”. Esse grupo de discussão deveria ter a participação de fumantes e com perfis do público alvo na visão da Souza Cruz. Coube a Francisca a tarefa de identificar e convidar um grupo de 10 pessoas, para esta etapa de pré-lançamento. Na época eu fumava e era um jovem executivo em ascensão (era gerente de RH,  na Fiat Lux). Ah! Este recrutamento e a reunião do grupo foram aqui no Rio de Janeiro.

O curioso deste episódio, é que no dia aprazado minha posição na mesa (o moderador do debate na cabeceira) era na primeira cadeira a sua direita e o giro das perguntas seria naquele sentido (anti-horário).

Primeira pergunta dele para mim segurando dois maços de cigarro. Qual destas duas cores você acha mais bacana, mais condizente, mais elegante? Minha resposta, para espanto geral foi: ué eles não são da mesma cor?

O moderador passou a palavra para o debatedor seguinte, fazendo cara de contrariado pensando que eu fizera uma piada sem graça. A resposta do segundo membro do grupo foi a de que a embalagem verde na opinião dele era mais bonita.

Aqui explico que, sendo portador de discromatopsia não identifiquei que um dos maços era verde bem escuro, e o outro um marrom meio suave.

Pedi a palavra, assim que o outro falou da cor verde ser mais bonita do que a marrom, e esclareci que era daltônico e não fizera piadinha. Mas a partir daquele episódio minha opinião no grupo foi relegada a segundo plano. Talvez pensassem o que mais eu não identificaria além da cor.

Também a marca não deu certo. Parece, salvo armadilha da memória, que lançada no mercado/teste de Curitiba, que sempre era usado para lançamento de produtos, a marca não emplacou. Alguém aí, com mais de 65 anos fumou  “Ascot” ou lembra da marca?

Chica é uma pessoa legal, mãe de dois dos filhos do Castelar, mas perdemos, eu e Wanda, o contato com ela por conta de havermos voltado para Niterói, e Castelar ter contraído uma terceira união. Como ele era o meu amigo, a terceira mulher dele passou a ser a que frequentava nossa casa e nós a deles.

Vou parar aqui e retomarei outro dia. Para falar do milésimo gol do Pelé. Eu estava na casa dele naquela noite. Para falar que quando roubaram meu carro no estacionamento de um hipermercado, na Marginal Pinheiros, em São Paulo, ele me emprestou durante uma semana o Maverick dele. Quando o pai dele faleceu ele estava na Europa, retornando exatamente naquele dia. Recebeu a notícia no desembarque, no Galeão. Trouxe-o para casa e depois fomos para o sepultamento.  Falarei das nossas idas, os casais, a teatros e cinemas. E shows musicais. Com a três mulheres (oficiais) da vida dele tivemos bom convívio.


Só para encerrar, hoje, Castelar faleceu em julho de 2014, deixando 4 filhos, 6 netos e 1 bisneto, aos 72 anos de idade, em São Paulo. R.I.P irmão.

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