31 de março de 2015

As amizades- III

Já informo que seu nome não  é uma homenagem ao deus grego, filho de Zeus e um dos doze habitantes do Panteão, no monte Olimpo.  Até poderia ser, mas não é.

Até porque, na verdade, seu nome é Florihermes, porque seus pais pretendiam homenagear Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, generais e ex-presidentes.

Lógico que é mais conhecido pela parte inicial do nome, simplesmente Hermes.

Conhecemo-nos, como a muitos de meus amigos, nas lides estudantis, fora e dentro das salas de aula. Também ele foi diretor de esportes da Federação de Estudantes Secundário de Niterói. Hoje pode parecer uma entidade sem importância, mas na época era de extrema relevância.

Para inicio de conversa só a FESN podia vender os passes estudantis, para que os estudantes pudessem pagar apenas 50% do preço. A partir de certo ponto também os cinemas, para o mesmo fim de meia-entrada, só aceitavam a carteirinha de estudante e não mais a caderneta do colégio.

Bem, foi na FESN que nos conhecemos e fui seu sucessor como diretor de esportes. Como o post não é  exatamente a meu respeito, aproveito o ensejo (falar da FESN) para fazer meu comercial: fui chefe de delegação e  técnico do futebol-de-salão, na competição estadual realizada em Volta Redonda. Em 1959.

Eu prestava o serviço militar, ainda no 3º RI, vide 
(http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2015/03/refratario-sim-insubmisso-nao.html) e só consegui a licença para viajar e me ausentar em licença por três dias porque o goleiro reserva do time era filho do subcomandante do regimento.  A vida é assim mesmo. O QI é muito importante.

Voltando ao Hermes. Ele conseguiu para mim o primeiro emprego: chefe de contas correntes no Banco Metropolitano. Espera ai, indagarão os mais atentos, como assim primeiro emprego já como chefe?

Explico. Ele – Hermes – era o chefe das contas correntes. Mas estava de saco cheio porque o trabalho, mecânico, repetitivo, puramente burocrático, ainda exigia habilidades que ele não possuía.

Ademais, já estudante de psicologia, queria fazer alguma coisa relacionada com esta ciência.

Conversou com o comendador Clarimar Fernandes Maia, dono do banco,  e disse que queria sair, mas deixaria uma pessoa de confiança em seu lugar. Bastaria um mês de treinamento, com ele, durante o aviso prévio. Dito e feito. Fui admitido.



Conta-corrente, naquela época, era muito diferente do que é hoje. Não existia o caixa-executivo; eles limitavam-se a pagar e receber, sem quaisquer outras atribuições.

Se você queria descontar um cheque, ia até o balcão, entregava o cheque que era levado para o setor de contas correntes, onde era conferida a assinatura (havia os cartões de autógrafos) e verificada a existência de saldo. O chefe colocava um carimbo, pequeno e redondo e rubricava.

Então o cheque ia para o “caixa” que só fazia pagar o valor.

À tarde, cabia ainda ao chefe do setor fechar as contas e apresentar um balancete. O saldo da conta “conta corrente” do dia anterior, acrescida dos depósitos do dia, e deduzidos os cheques que pagou e/ou os administrativos, naquele dia, tinha que espelhar o total dos saldos de todos os clientes. Ou seja, demonstrar quanto o banco tinha em seu poder, dos diversos clientes. E isso era feito numa máquina contábil, eletro-mecânica horrorosa.

E mais duas curiosidades, que somente os mais idosos sabem, se é que lembram. Os bancos funcionavam aos sábados, até o meio-dia. E remuneravam o saldo da conta-corrente (não tinha a poupança nos moldes atuais), com juros de 6% ao ano.

Também não aguentei muito tempo lá no banco, e uma vez mais foi o Hermes quem me conseguiu outro emprego.

Ele já trabalhava no setor de seleção da Fiat Lux, aplicando testes psicotécnicos. A empresa estava recrutando rapazes com nível secundário, mesmo sem experiência,  para trabalhar na fábrica em São Gonçalo.

Foi assim que deixei o banco e fui parar na Fiat Lux, onde, ao longo de 10 anos, fiz uma carreira até a gerência de recursos humanos, no escritório central.

Na semana passada encontrei o Hermes na rua da Conceição. Depois de alguns comentários sobre amigos nossos que já morreram: Vantelfo, Castelar, Salvatore, Bazhuni, Hudson, Cacau, Sergio (Buda), muitos deles mais  novos do que nós (Hermes está chegando aos 80), ele me disse que inda conserva o caderno no qual  anotava as partidas de biriba. Durante dois anos fizemos uma dupla, disputando inclusive competições e só perdemos três partidas ao longo deste período (mais de 100 jogos). E sem trapaça, podem acreditar. Num jogo em que o componente sorte influi bastante.

E mesmo quando os adversários trapaceavam fazíamos pilhéria. Não vou entregar aqui os pais, figuras respeitáveis, de amigos nossos que, jogando em dupla roubaram descaradamente no jogo, e ainda assim perderam. Jogando na casa de um deles, professor.

O Hermes tem uma coisa que não tenho, nunca tive: coragem, destemor. Enfrentava qualquer situação com muita disposição. Sou mais negociador, transigente, até o limite da falta de espaço para recuo. Mas ai até gato reage não é mesmo?

Para não parecer fanfarrice não contarei os dois episódios nos quais tivemos que enfrentar situação de risco, mas bancamos e saímos ilesos.

Hermes lia muito. De tudo. Aventuras de capa e espada, histórias de detetives particulares (Shell Scott, p.e) e os clássicos. Tinha uma estante abarrotada de livros. E por causa disso eu lia bastante nesta época.

Quando ele me recomendou e  emprestou “Chapadão do Bugre” desconfiei e achei que era uma roubada. Afinal nunca ouvira falar de Mario Palmério. Mas peguei o livro e levei para casa sem muito ânimo.

Quando ele me emprestou “O coronel e o lobisomem” já não pestanejei. Ele – Hermes - realmente, tem bom gosto literário. Palmério e José Candido de Carvalho não são autores de muitas obras comerciais, mas estes dois livros são muito bons.

Hoje já não lê tanto, prefere ver TV. Futebol (é tricolor roxo) e noticiário. E pouco vai a cinema que era uma de suas distrações preferidas.

Além de me emprestar, presenteou- me com vários livros. Vajam, entre muitos outros:











Por  meu intermédio Hermes e Castelar viraram amigos. E foram até sócios num colégio,  conforme já relatei.

Hermes tem livros publicados, com contos e poesia.

Hoje, procurador aposentado da câmara de vereadores, atua na área criminal. Defende bandidos. Ninguém é perfeito. Como disse Caetano, “de perto ninguém é normal”. 

2 comentários:

Riva disse...

O final foi arrasador ! .... "defende bandidos".

Está aí uma situação que, do alto dos meus mais de 60 anos, não consigo entender : o que leva um advogado a defender bandidos ?

Fui ali me enforcar !

Riva disse...

Tentando agregar ao possível debate :

http://wagnerfrancesco.jusbrasil.com.br/artigos/153027396/defender-um-cliente-nao-significa-defender-sua-conduta-criminosa