25 de março de 2015

Os percalços, as quedas, os obstáculos

Foram tantos que não consigo lembrar. Ou por outra, não me ocorrem, neste momento, os mais significativos, doloridos ou difíceis de me reerguer.

Ficar desempregado certamente é uma das coisas mais dolorosas para um homem que tenha dignidade. Quando se repete que “o trabalho enobrece”, sem atentarmos para o significado profundo contido na frase, fica parecendo frase feita, como “a saúde é o bem mais precioso”, outra sentença irretocável. É quando a saúde  fica abalada que a frase dita mecanicamente se torna uma verdade absoluta.

E o trabalho realmente dignifica o homem. Claro, que tenha vergonha, que tenha caráter, que tenha amor  próprio.

Olha só, perdi a um só tempo emprego e saúde. Saúde bocal. Por tratamentos mal feitos na infância e juventude, agravados por um certo desleixo, sofri com problema periodontal, que resultou na exodontia total do arco superior. Ainda relativamente moço. Teria o quê? Quarenta e seis anos, pouco mais ou menos.

Foi quando perdi também o emprego de gerente administrativo na Siderúrgica Hime. A siderúrgica era muito mal administrada, porque foi parar nas mãos de um banqueiro competente – Julio Bozano - que nada entendia de fabricação de aço ou fundição.

Além do mais caíram no conto do vigário quando o governo acenou com prioridade no transporte ferroviário. Foi montado todo um setor voltado para produção de material para ferrovias (tirefonds, porcas e vários outros apetrechos destinados a fixação de trilhos em dormentes e correlatos).


Tirefond


Mas o projeto de aumentar a rede ferroviária não saiu do papel. Antes pelo contrário até mesmo a manutenção da malha existente piorou. E a construção de uma aciaria elétrica num Distrito Industrial que foi criado em Nova Iguaçu também não foi uma boa iniciativa.

Sem mais delongas, até porque não tenho detalhes, começaram a procurar comprador para a Siderúrgica. Tinha que ser vendida para um grupo do ramo, com experiência. Na época, se bem me lembro, havia, grandes, os grupos Gerdau e  Mannesmann. Venderam para este último.

O presidente da Hime era o Carlyle Wilson, segundo contavam o terceiro na hierarquia do Grupo Bozano. E foi ele que me contratou, a partir de uma carta enviada por minha irmã, atendendo a um anúncio no Jornal do Brasil. Este fato já foi contado no blog.

O que não contei foi que depois de cumprir o dever funcional de enxugar a folha de pagamento, como medida preliminar para a venda da empresa, chegou minha vez de ser demitido.

Belo de um abacaxi. Aos 46 anos era um pouco mais difícil recolocação no mercado; em especial se minha, podemos chamar de especialidade, na época, era administração de recursos humanos. Ora, eu entraria no mercado postulando posição ocupada por colegas. As empresas de maior porte tinham migrado, há tempo para São Paulo, depois da mudança da capital para Brasilia. E meu salário, sem ser absurdo, estava no limite da faixa de empresas médias.

Embora o apartamento onde morava tivesse sido quitado com o fundo de garantia que resgatei, tinha que pagar condomínio, IPTU, manter os filhos no colégio... e comer.

Foi difícil esta fase. E como a coisa nunca está tão ruim que não possa piorar, adveio o agravamento do problema periodontal, que sem alternativa (já tinha feito duas cirurgias de raspagem) resultou na extração dos dentes.

Justo na hora de buscar colocação no mercado de trabalho. E um candidato a cargo executivo, de nível médio que fosse, no organograma, não poderia estar desdentado. Conclusão? Auxílio-doença. Sim, o médico da perícia se sensibilizou com minha sinuca de bico, com as circunstâncias  e acabou por conceder o afastamento até colocação da prótese.

Só voltei ao mercado em São Paulo. Pela segunda vez em minha vida tive que ir para o Estado que é (era?) a locomotiva do país. A primeira foi entre 1972 e 1979, quando trabalhei no Banco Português do Brasil (matriz) e no Grupo Matarazzo (escritório central e, depois, indústria têxtil; e mais tarde supermercados). Como gerente de recursos humanos, nos dois grupos econômicos.

Mas neste momento eu falo de minha ida em 1988. Segunda vez na terra da garoa. Inicialmente em condições financeiras e profissionais desanimadoras. 

Como isto não é um curriculum vitae vou direto ao final. Feliz, bem feliz. Em curto espaço de tempo evolui profissional e funcionalmente, e como reconhecimento pelo trabalho que realizei fui demitido. É isso mesmo, demitido. Porque só assim poderia ser eleito Diretor, em assembleia de acionistas. E como convinha recebi, em doação, algumas ações da sociedade.


Na foto com o presidente da empresa (maior acionista) e o gerente de vendas

Este foi um caso de volta por cima. Depois de amargar desemprego, dificuldade de recolocação e auxílio-doença, cheguei, em outra cidade e num ramo que não conhecia – farmacêutico – a diretor estatutário.

Quase tão doloroso quanto ter sido demitido na Hime, porque a Mannesmann tinha sua estrutura gerencial e não precisaria de meus serviços, bem como de outros gerentes não operacionais (finanças, controller), foi ter que pedir demissão na Klabin Cerâmica com dois meses de trabalho, antes de completar o convencional período de experiência.


Fui indicado na Klabin por um antigo colega da Hime, de nome Luiz Mario Rodrigues Pedroso, que era gerente de materiais e também fora demitido.

Ele foi para a Klabin, de onde também saiu em prazo relativamente curto.

Preciso explicar porque foi dolorosa a experiência na Klabin. Olha que para se demitir, em caráter irrevogável, com dois meses de trabalho, como Gerente Administrativo, naquela época em que estava desempregado e com dificuldade de recolocação, era preciso motivo relevante.

E o motivo relevante era o Diretor da área administrativa, de nome Luiz Stanger, a quem eu reportava. Não sei se é vivo ou morto pois  jamais ouvi falar dele. Mas nos meus últimos dias na empresa houve uma verdadeira romaria até minha sala. Quem não se relacionava profissionalmente comigo (produção, vendas) queria me conhecer e os a mim subordinados (uma equipe grande de profissionais – engenheiros de segurança no trabalho, psicólogas, etc) queriam entender o que se passava.

Vou sintetizar, numa palavra, sem maiores detalhes, o por que: pusilânime.

Sim, voltei ao desemprego pois não tinha outro emprego em negociação ou sequer em vista. Foi um impulso, um ato de macheza irresponsável e inconsequente que me serviu de lição. E que lição proveitosa, porque quando fui para São Paulo, e como contei passei dificuldades na fase inicial, lembrava do ato impulsivo da demissão e contava até dez. E foi uma decisão acertada ter administrado os contratempos (o pior era que eu estava pagando para trabalhar – as despesas superavam a receita).


Demitido para ser eleito diretor

As quedas de piores consequências em minha vida, foram os dois anos que perdi no Liceu. No meu primeiro ano lá, tranquei a matrícula (para assegurar) ao final do primeiro semestre, porque não conseguia acompanhar o ritmo da turma. Eu era mais burro? Menos preparado? Nem tanto. 

Faltavam-me motivação e, como consequência,  concentração. Gostava mesmo era das peladas nas quadras, com bolinhas de borracha, enquanto o monitor fazia vistas grossas (o Carlinhos, meu amigo, em livro que publicou sobre aquele colégio menciona os monitores de disciplina).

O segundo ano foi mais grave, fui reprovado mesmo. Em quase todas as matérias. Durante estes dois anos perdidos, participei de algumas atividades extraclasse que absorviam meu tempo: fui diretor da federação de estudantes secundários de Niterói, fui, por duas vezes, presidente do Grêmio do Liceu e fui apresentador de programa estudantil, na rádio Federal de Niterói.

Sem dúvida ganhei experiência política, de liderança, de tomada de decisões, mas cheguei à Universidade com atraso de dois anos.

A desmotivação era decorrente da frustração por não haver ingressado na Força Aérea Nacional, como cadete, por causa de um distúrbio visual: discromatopsia. Mais conhecido como daltonismo.

A pá de cal em meu sonho de ser oficial da aeronáutica e piloto de caça

Este foi um percalço, foi uma sensação de vazio, de falta de perspectiva, uma perda de norte. O que fazer na vida civil? Não havia cogitado atividade fora da carreira militar (ou Marinha ou Aeronáutica). Não tinha plano B.  

O país perdeu um bom oficial miliar e ganhou um advogado mediano, que só começou a exercer mesmo a profissão, como ganha pão, aos 58 anos de idade, em 1998. Antes minhas incursões em tribunais eram esporádicas e sem a responsabilidade. Tinha advogados sob minha gerencia.

Nota do autor/editor: mencionei inúmeras vezes o Dr. Paulo Pimentel, neste blog. Hoje encontrei, em meus arquivos implacáveis, o atestado médico, assinado por ele,  que confirmou o exame na Aeronáutica.

9 comentários:

Anônimo disse...

"Somos o que fazemos repetidamente. Por isso o mérito não está na ação, e sim no hábito."
Aristóteles

Freddy disse...

Sem tempo para leitura detalhada, mas deu pra me surpreender com a foto sem terno!
<:o)

Jorge Carrano disse...

Primeiro para o Anônimo.
Pago seu Aristóteles e aposto um Platão: "Uma vida não questionada não merece ser vivida".


Agora para o Carlos Frederico.
Era um jantar informal, na casa da filha do presidente, uma espécie de despedida social pois no dia seguinte eu deixaria a empresa.
Eu fui em casa, depois do expediente, tomei banho e troquei de roupa. Já os outros dois certamente foram direto para o local do jantar, no Itaim.
O presidente com certeza pois o jantar era na casa da filha.
Pensei num blazer, mas estava uma noite fria no mês de junho de 1995.

Riva disse...

De tudo (ou quase tudo) que relatou, o que faria de novo ? E o que não faria ?

O que valeu, e o que não valeu ?

Como se estivesse numa palestra, passando suas experiências para novas gerações .....

Jorge Carrano disse...

Palestras custam caro, amigo Riva. Veja o Lula quanto cobrava como palestrante (rsrsrs).
As consultorias do Zé Dirceu custavam mais caras ainda.

Pode até ser que, ao final dos relatos a que me propus, venha a fazer juízo de valor sobre o que repetiria ou sobre o que me arrependo.

O ponto a que quero chegar é se passei pela vida e vivi.
Mas não se aflija que não cansarei os poucos, mas fieis, leitores, com histórias de minha vida num só fôlego. Irei intercalar com política atual, futebol decadente no Brasil, minhas birras com flamenguistas, com a burrice, com os PTralhas, estas coisas.

Só uma palinha: quem tem a mulher que tenho, e os filhos que ela me deu, não poderá jamais se queixar da vida.

Riva disse...

...e a Australia, de verde e amarelo, acaba de empatar ...1x1

Com a Alemanha, jogando na Alemanha ...

Paulo Bouhid disse...

“Todos nós temos nossas máquinas do tempo. Umas nos levam ao passado, são chamadas memórias. Outras nos levam ao futuro, são chamadas sonhos." (Jeremy Irons, ator)

Jorge Carrano disse...

Não é que o ganhador do Oscar de melhor ator em 1990, por sua atuação em "O Reverso da Fortuna", disse uma coisa consistente?

Jorge Carrano disse...

Poi é, Riva, nosso futebol anda meio decadente mesmo, em todas as categorias: profissionais, sub-isso, sub-aquilo.
Clubes falidos, jogos chinfrins, disputados em estádios que alagam, mesmo depois de obras de um bilhão.
E os jogadores todos de salto alto, com marra, e jogando uma bolinha pequenininha.