23 de dezembro de 2016

As divergências que somam

Meu pai era tenentista, ou seja, gostava e até desfilava pela “Tenentes do Diabo”. Minha mãe, por razões ignoradas (seriam as cores?,  seria o nome?), gostava da “Democráticos”.



Falo das grandes sociedades carnavalescas que antes dos desfiles das escolas de samba passarem a ser profissionais, com carnavalescos, puxadores de samba e até mestre sala e porta bandeira, remunerados tendo valor comercial e mudando de escola, como jogadores de futebol, eram as grandes atrações nos desfiles.

As Escolas de Samba desfilavam na Praça Onze, em círculos. Antes de migrarem para a Presidente Vargas.

Fernando, meu pai, torcia pelo Flamengo, já Edith, minha mãe, pelo Fluminense; nunca vi ou ouvi ao longo dos anos de convivência conversarem sobre futebol.

Meu pai era espírita até casar. Minha mãe católica. Ele abandonou o espiritismo assumindo os ônus da decisão. Ela, passados alguns anos, frequentou centros espíritas, depois do falecimento de meu pai.

Minha mãe era mais liberal. Meu pai mais rígido. Por ser mais liberal minha mãe ouviu cobras e lagartos quando, num sábado a noite, permitiu que eu saísse com o carro da família, para ir a um baile no Icaraí Praia Clube (IPC).

Bem, ela foi comigo porque minha namorada na época iria  ser a apresentadora do desfile das candidatas a “Rainha do Estudantes”, por causa de seu traquejo social.

Os pais dela, minha namorada, só permitiriam que ela fosse ao baile se minha mãe fosse também. E correu tudo bem até hora de levar a namorada para casa, às 2:00 horas da manha.

Na volta caia uma chuva fina, e cai na asneira de deixar as rodas do carro sobre os trilhos do bonde (ainda havia bondes em Niterói). O Austin A70 deslizou e colidi com a traseira de um bonde parado. Não dava para ultrapassa-lo porque vinha carro em sentido contrário.

Austin A-70  parecido com o nosso

Frear não adiantou pois as rodas do lado do motorista escorregaram sobre o trilho e  o carro bateu no bonde, justo do lado do carona, onde minha mãe estava sentada.

Ninguém se feriu. Mas o para-lama dianteiro, do lado direito, inteiramente amassado, travou a roda. Surgiram pessoas que diagnosticaram o problema e fazendo força conseguiram desamassar um pouco o para-lama, o suficiente para liberar um pouco a roda.

Fiquei com jogo de direção limitado para o lado direito, mas ainda assim consegui chegar em casa e colocar o carro dentro da garagem.

Mas imaginem a broca que minha mãe levou, por assumir o empréstimo da automóvel sem pedir licença ao Fernando. Muito provavelmente seria negado. Mandaria ir da táxi, já que teríamos que pegar a Maria Luiza (namorada) em casa.

Pretendia demonstrar que divergências sobre coisas pequenas, entre um casal, ao contrário de comprometer a relação a consolida, somam. Divergências menores se anulam, ou são harmonizáveis e temperam o dia-a-dia.

O ambiente de diversidade em que vivi foi um ótimo exercício de convivência com as diferenças. Bem, para ser sincero, mais ou menos (rsrsrs).

Mas este episódio da colisão do carro acaba por revelar o quanto sou parecido com meu pai, no respeitante a preocupação com os filhos. Sim, porque quando ele me negava certas coisas, fazia, segundo seus valores e crenças, para o meu bem. E, claro, tranquilidade dele.

Herdei dele este cuidado excessivo com os filhos. Quando o primogênito foi aprovado no vestibular – e abro um parêntesis para deixar claro que em nenhum momento eu ou ele duvidávamos de que seria aprovado – resolvi presenteá-lo com um carro, um fusquinha em muito bom estado.

Cheguei à noite, de São José dos Campos, onde trabalhava na época e comprei o automóvel, entrei na garagem e não comentei nada em casa.

Na manhã seguinte, após nosso café matinal, peguei a chave do carro e entreguei ao Jorge apenas informando: está na garagem. Os olhos dele revelaram sua emoção.

Bem, como não poderia deixar de ser, foi testar o automóvel. Chamou o irmão e saíram os dois para uma volta, tipo test drive.

Em São Domingos, para não atropelar um menino na bicicleta, segundo versão que me contaram, bateu num carro estacionado. O telefone toca e informado do ocorrido corro para o local. Ricardo, o irmão carona teve um corte na testa, fruto do impacto. Primeira providência leva-lo a uma clínica ou hospital.

Como estava bem, o Jorge foi com ele.

Fiquei no local porque chegou a polícia, chama não chama perícia, bate-boca, estas coisa de praxe.  

Resumo da opereta. Ricardo medicado, foi coisa superficial, felizmente. Carro liberado, voltei para casa.

Leguei para um conhecido, policial, e pedi para ele monitorar na Delegacia o desdobramento. Não houve vítimas, mas nunca se sabe E tinha o dano material no carro que estava estacionado.

Isso tudo aconteceu num sábado, pois eu passava o final de semana em Niterói. Na segunda-feira voltei com o carro para São José dos Campos, pedi para levarem a uma oficina para reparar a lataria e coloquei à venda o automóvel.

Em suma meu filho foi proprietário de um automóvel apenas por um dia. Para sua decepção.

Pago a conserto do nosso e a franquia de seguro do que estava estacionado e foi amassado, pouco dinheiro sobrou da venda do carro.

Se querem  saber o desfecho da história, o Jorge optou por um vídeo cassete. Naquela época eram importados e precisava fazer conversão para o sistema adotado no Brasil.

Custou muito dinheiro para a época (1983?), se bem me lembro, cerca de R$ 6.000,00 com a conversão. E sem nota e sem garantia.

Hoje custa uma bagatela, o blu-ray player, melhor em qualidade de imagem.

Imagens Google.

Um comentário:

Freddy disse...

Não gosto de pequenas rusgas diárias entre casais.
Lembram-me o lado amargo de minha infância e uma série de traumas de pequena monta, mas que somados, tornaram-se grandes. Não entrarei em detalhes.

Mary estranha, porque em sendo uma pessoa mais normal que eu, tem uma opinião similar à do blog manager. Para ela, essas rusgas são o tal do tempero.

Não ganhei nada tendo passado no vestibular, e olha que já comentei o quanto me foi penoso cursar o pré-vestibular só com a mão esquerda funcional (ref.: acidente com a mão direita). Mas, em sendo eu CDF, passar não era mais que a obrigação.

Cerca de 1 ano depois ganhei um Fusca 64 azul, do qual não guardo nenhuma boa lembrança. As pequenas batidas que dei com ele foram fruto de falta de experiência no trânsito. Nenhuma delas causou ferimentos, apenas danos materiais discretos.

Ah, video cassetes... na Embratel tinha até consórcio gerenciado por um empregado (muambeiro nas horas vagas), através do qual consegui o meu primeiro. Se não me falha, custou US$ 550.00 sem nota e "la garantía soy yo!". Atualizados uns 30 anos à frente, imagina o montante investido!