Por
Carlos Frederico March
(Freddy)
O êxtase é uma experiência mágica, única. Motivado por um
sem número de situações em nossas vidas, ele pode se manifestar desde as formas
mais simples, como um sorriso de orelha a orelha, lágrimas incontroláveis, pele
arrepiada, até em estados mentais complicados, com sensações extremas de parecer
que saímos do corpo e estamos viajando rumo a algum lugar de sonho...
Não sou expert em viagens astrais, de modo que vou me
limitar a opinar sobre as sensações sublimes que podem tomar conta de nós
enquanto ouvindo música. Decerto o deleite existe sempre que colocamos nossas
músicas preferidas, no entanto afirmo que apenas vez por outra somos levados a níveis
emocionais onde o êxtase se manifesta e é sobre isso que conversaremos.
Eu fui criado ouvindo clássicos. Puseram-me para estudar
piano com 8 anos, idade ótima para tal a meu ver, mas a realidade é que eu não
tinha como escolher, apenas obedeci. Estudo sistemático, conservatório na
acepção da palavra.
Não demorou, Beatles e Rolling Stones entraram em cena e
estragaram tudo - avaliação de minha falecida mãe. Contaminaram meu ser com
guitarras e estridências. Seguindo instintos, apesar de continuar a estudar
piano metodicamente, afeiçoei-me a modalidades mais radicais. Jimi Hendrix
mostrou ao mundo o que se pode fazer com uma guitarra elétrica, Pink Floyd
mostrou o caminho das viagens astrais e The Who quebrou guitarra, palco, tudo!
Como explicar a mim mesmo que tal pudesse acontecer? Tendo sido criado em torno do piano e dos clássicos,
mesmo assim meu inconsciente se apaixonou pelo som das guitarras distorcidas do
então rock pesado, que mais tarde evoluiu para outras vertentes e denominações
que não interessam no momento. Claro, tenho de reconhecer que o inconsciente
adora nos pregar peças. Ele nos faz ver o quanto somos ridículos tentando ser
objetivos, porquanto as emoções são subjetivas, não se explicam.
Aos poucos, descobri que a expressão musical mais aderente a
esse mix surpreendente de influências foi o rock progressivo. Composições
longas, com características de música erudita na estrutura harmônica e evolução
temática, mas realizada com instrumentos do rock e distorção em graus variados
nas guitarras.
O gradual desenvolvimento da eletrônica possibilitou a
inserção de mais um elemento de suma importância nesse cenário musical: os
sintetizadores! Usando teclas, podia-se afinal emular qualquer instrumento! Em
termos, dirão... Não, eu retruco! Hoje em dia com um sintetizador você até
canta com você mesmo num enorme coral! Claro, tem de ter em mãos o equipamento adequado
e, mais que tudo, saber usá-lo!
Onde entra o êxtase nisso tudo? Voltemos um pouco no tempo:
1971, ano de lançamento do álbum "Meddle", do conjunto de rock
progressivo mais importante da história: Pink Floyd.
A única música do lado B desse LP é "Echoes", uma
obra prima com pouco mais de 23 minutos, considerada por mim o vestibular do
curtidor de som. Um quarto escuro, uma cama ou colchonete, e "Echoes".
Sem qualquer ajuda química a não ser eventualmente um ou dois drinks, descobri
ser capaz de viajar por galáxias e nebulosas! Volta e meia a viagem me levava
às profundezas do oceano. Dependia do estado de espírito. Foi minha primeira
experiência com o êxtase musical e que persiste até hoje quando me disponho a
curti-la num ambiente propício.
Como comentei parágrafos acima, é uma experiência totalmente
diversa da que tenho ao me sentar (ou deitar) para ouvir meu repertório
preferido, que no meu caso é até bem amplo. Deleitar-se com a música é uma
coisa. O que eu classifico de êxtase é outra! É sentir a mente se descolar do
corpo, partir rumo a plagas distantes e por lá perambular. "Echoes" é
uma das poucas peças musicais capaz de me fazer vivenciar esse sentimento
sublime.
Abro parêntesis para comentar que há pessoas que só
conseguem atingir esse estágio com ajuda de drogas ilícitas. Contudo, há quem
possa fazê-lo "careta", expressão antiga que significa que não se
bebeu nem fumou nem aplicou nada de extraordinário. Eu me encontro nessa
segunda categoria.
O arrepio de pelos do corpo seria uma outra manifestação do
êxtase, física ao invés de mental. É bem verdade que ficamos com os pelos
eriçados por diversos motivos, inclusive medo. Filmes de terror podem provocar
arrepios, mas não classifico essa reação corporal como êxtase. Estamos falando
de prazer musical.
É interessante que quando guitarras elétricas são ligadas a
certos tipos de distorcedor, o som resultante tem o efeito de me fazer ficar
arrepiado. Tentando ser objetivo, perguntaria eu para mim mesmo: que melodia há
num acorde totalmente distorcido e insistentemente repetido, ou sustentado? Só
que não se trata da melodia, é o timbre que me arrepia, e ponto!
Não há explicação lógica, objetiva, ainda mais num sujeito
como eu, com tanto background musical e cujo instrumento básico é o piano! A
reação é puramente emocional.
Outra situação que me leva mentalmente a píncaros é o
contraste do peso do heavy metal com a fragilidade da voz feminina, ou então
com corais litúrgicos. É uma receita quase infalível para meus êxtases, apesar
de que não há garantia de sucesso. Emoção não é algo controlável, ela aflora ou
não!
Dando um exemplo, ouvir "At Sixes and Sevens" da
banda norueguesa Sirenia me arrepia até enquanto estou a digitar esta frase, só
de me lembrar da música! É heavy gótico melódico de raiz, com voz feminina
angelical mesclada a rosnados masculinos, com um acompanhamento infernal de
guitarras distorcidas.
A motivação para escrever este texto veio quando estava a
voltar de Friburgo numa 2ª feira dessas ouvindo CD no carro, o que não tenho
feito ultimamente porque me distrai demais. Estrada é para se prestar atenção
100% do tempo e não para curtir som, certo? Eis que começa a tocar o último
álbum do Nightwish (metal sinfônico finlandês), chamado "Imaginaerum".
Resultado: pelos do braço totalmente arrepiados com a trilha sonora, puro
êxtase. Cheguei a mostrar à minha esposa, Mary, em testemunho do fato que se
repetiu em alguns dos trechos do álbum.
Arte gráfica do álbum
e filme Imaginaerum, do Nightwish
Curiosamente, a única música que toco ao piano e que me
arrepia enquanto a executo é o prelúdio "A Gota D'Água", de Chopin
(Op. 28, nº 15). É que enquanto toco me lembro que ele, já tuberculoso, o
compôs num dia chuvoso se imaginando dentro de um caixão, as gotas de água
pingando sobre seu corpo moribundo. Arrepiante, não?
10 comentários:
Freddy, você acredita mesmo que Chopin (ou qualquer outro) consegue "de careta" compor uma música inteira se imaginando dentro de um caixão, num dia chuvoso, com as gotas de água pingando sobre seu corpo morimbundo ?
Abre um pouco mais o seu leque de leituras, e conheça em que condições e o porque de dezenas de composições maravilhosas de John Lennon e Paul McCartney, de Hendrix, do Pink Floyd, e de tantos outros artistas ....
"De careta" não dá .... só num alto grau de loucura ! rsrsrs
Tem uns exemplos também impressionantes em filmes : ou você também acredita que OS JETSONS, MUNDOS S/A, e tantos outros filmes, foram criados "de careta" ?
O mundo não permite a caretice !!
O ser humano não se permite à caretice !!
Obs : álcool e alguns "remédios" também são drogas. Só que são legalizados ($$$$$$).
Eu me arrepio com "Georgia on my mind", na voz de Ray Charles. E outras mais que não vou ficar enumerando, mas que certamente não envolvem distorções de sons.
Cada qual com seus gostos e manias, não é Freddy?
Amigo Carrano,
Nos arrepiamos no recente show do Willie Nelson em Las Vegas, cantando Elvis : Always in my mind ...
Arrepiar é preciso, sempre !
Eu também tenho isso de êxtase musical desde criança. Mozart foi até hoje, meu maior êxtase musical.
Sou eclética, gosto de quase tudo.
Já senti esse êxtase com uns sambas leves, por exemplo.
As pessoas não entendem o que eu sinto.E eu nunca conheci alguém que chegasse a altos níveis de êxtase musical como eu (deixando claro que eu sou caretérrima, nunca mexi com drogas, graças a Deus).
Agora, eu gostaria que os cientistas inventassem uma classificação para a gente, assim como já conseguem classificar os sinestésicos.
É muito bom o êxtase musical. Se dá com os olhos fechados. Sem contato com outras pessoas (se casualmente alguém me toca o fala, a sensação vá embora) É um arrepio muito forte na cabeza e o corpo todo. A sensação va crescendo e as veces vejo cor e formas.É uma conexão física do cerebro com a música,é dificil de explicar, parece um orgasmo cerebral.
Da pequenos movimentos involuntários no corpo. Cuando a música acaba volto e me sinto muito grata com o músico e de viver, me sinto com muita sorte de sentir isso.
Assim como o Freddy eu pensei a causa do fenômeno, as guitarras são importantes, mas a bateria também. Mas tal vez seja a combinação de notas. Como não sei de música não posso aprofundar. O estado da pessoa não influencia, só precisa de espaço e tranquilidade (ninguém me falando nem tocando). Acho muito importante o volume do som. Em todas as veces que aconteceu o som foi alto. Tal vez sejam as ondas vibrando no cérebro.
Alguns exemplos de músicas com as quais senti êxtase musical:
Guns and Roses, a última parte,November rain
Luciano Supervielle varias músicas num show ao vivo em um bar.
Claudio Tadei em quase todo o show ao vivo na frente dele
Paul McCartney Love and let die ao vivo
Escuto musica o dia todo e adoro (rock, blues e algumas outras músicas) mas êxtase só em situações especiais. Só consigo trabalhar com música volume alto e lista de música que eu escolho, só arrepiadoras, sou artista plástica.
Não faço uso de drogas.
Prezada Anônima,
De um tempo a esta parte não estamos publicando comentários de anônimos.
Rastreando no post, verificamos que há exatos dois anos uma Anônima comentou e publicamos (não havia a restrição na época).
Como o estilo do texto se parece muito com este hoje recebido, estamos publicando seu comentário mesmo sem identificação da remetente. Imaginamos tratar-se da mesma pessoa.
Idealmente, de uma próxima vez - que esperamos aconteça - informe seu nome. Já sabemos tratar-se de artista plástica.
Obrigado pela visita virtual
Por oportuno informo, com muito pesar, que o autor do post, o caro amigo Freddy, faleceu.
Oi Jorge.
Não sou a mesma pessoa do outro post. Sou Claudia e tenho muito interesse neste assunto.
Claudia,
Preliminarmente apresento escusas pela equivocada associação que fiz.
Pareceu-me a mesma pessoa. Sorry!
Venha sempre que julgar oportuno, por esse e outros assuntos que sejam de seu interesse.
Se este espaço tem algum mérito, é fruto da participação de pessoas inteligentes, cultas e espirituosas.
Como noticiei o Freddy não está mais conosco neste plano. Mas seu irmão continua frequentador ativo, como comentarista e também autor de alguns posts.
Espero que ele tome conhecimento de sua visita e, quem sabe, venha falar deste tema que é de seu particular interesse.
Grato.
Olá Cláudia, sou o Riva irmão do Freddy, que lamentavelmente nos deixou há alguns meses. Era um apaixonado por música, principalmente clássica e rock progressivo, migrando mais tarde para o que ele chamava de heavy gótico.
Comigo também ocorre essas experiências místicas com música. Nunca com imagens somente. Na verdade em relação à imagem pura, sim, lembro de um momento de êxtase ao me deparar com a beleza do Lake Tahoe nos EUA, numa linda tarde de abril. Caí literalmente na real sobre minha pequenez e insignificância para o Todo.
Com a música não é a mesma coisa, é muito mais forte e nada tem a ver com insignificância, mas com o nosso significado. Não sei explicar, apenas me viro do avesso #simplesassim !!
Na Missa do Peregrino da Catedral de Santiago de Compostela, na Espanha, fui às lágrimas. O som daquele órgão com o coral feminino me desmontou...
Na minha playlist muitas músicas me arrebatam, umas mais outras menos. Mas posso citar algumas que são muito fortes para mim, seja pela sua harmonia, instrumentação, voz, letra ou significado em minha vida :
- Musical Box - Genesis
- Nights in White Satin - Moody Blues
- Hey Joe - Hendrix
- Piece of my heart - J Joplin
- Come undone - Duran Duran
- I need you - Beatles
- Apenas um rapaz latino americano - Belchior
- To sir with love - Lulu
- See me, Feel me - Who
- Your time is gonna come - Led Zeppelin
..... dezenas e dezenas de músicas ..... a grande maioria, dos anos 60
Participe do nosso Pub da Berê (apelido do blog). Tem muitos assuntos legais de viagens, gastronomia, do antigamente (rs), etc.
Sds !
Claudia,
Se você ainda estiver por aqui, dá uma lida na postagem cujo link vai a seguir:
https://jorgecarrano.blogspot.com.br/2018/01/de-crencas.html
(copy & paste)
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