Os defensores dos indultos concedidos a presidiários, de
todas as estirpes, acham que a medida é importante para ressocialização dos
apenados.
Estou seguro que vocês já leram ou ouviram nos noticiários casos
de indultados, no Natal, Dia dos Pais ou Dia das Mães, que não retornaram as
unidades prisionais ao final do prazo? Muitos casos!
O que falta? Em primeiro lugar critério, controle rígido.
Controle não quanto à concessão do benefício, digamos, humanitário, mas quanto aos que
efetivamente se enquadrariam nas regras que regulam o “direito ao indulto”.
Vou lhes relatar caso verídico, do qual participei na
qualidade de um dos protagonistas.
Era gerente administrativo de uma cadeia de supermercados, em
São Paulo. Esta gerencia abrangia a área de recursos humanos.
A empresa era uma das patrocinadoras de programa esportivo na
Rádio Gazeta. Um dos analistas esportivos, um sergipano muito popular, acabou
se aproximando da administração além da relação anunciante-veículo.
Deixarei de lado detalhes desta aproximação pois não
interessam ao caso sob relato.
O fato concreto é que num determinado dia, através de
comunicação interna, um colega gerente da área de compras, disse que o aludido
comentarista esportivo estava na sala dele (eram amigos) e queria conversar comigo.
O radialista estava pleiteando uma vaga para um conhecido e
foi informado que precisaria tratar comigo deste assunto.
Embora não tivéssemos uma ligação muita estreita, ele
resolveu conversar comigo. Até aí morreu neves* não é mesmo? A situação é
corriqueira, se você é diretor ou gerente de uma empresa, em especial se for da
área de recursos humanos, recebe muitos pedidos de emprego.
Ele chegou a minha sala, extrovertido como sempre, mas
embaraçado para entrar no assunto.
Resumo a situação. Era mesmo um pedido de emprego. Só que
tinha um dado não muito comum. O candidato era um criminoso que estava em
liberdade condicional.
Quando me refiz da surpresa (era fato novo para mim), resolvi
aprofundar. Que crime ele cometeu? Tem família? Qual a escolaridade dele?
Experiência anterior?
Reto e direto: não tinha qualificação alguma, senão para trabalho
braçal; a família vivia no Nordeste; seu crime era assalto.
Perguntei: ele matou alguém? - Não ele jura que nunca matou ninguém,
nem seus comparsas, embora tenha participado de assalto à mão armada. A família
dele era conhecida da família do radialista esportivo lá em Sergipe.
Para decidir precisava dar tratos a bola e pensar numa
estratégia. Disse para que o candidato viesse no dia seguinte, procurasse por
mim pessoalmente.
Ele chegou. Um nordestino típico na cor da pele (queimada).
Alto e forte. Vocabulário pobre e limitado.
Mandei preencher a ficha de praxe para então poder
entrevista-lo. Confirmou que foi assaltante, nunca matou ninguém. Queria
viver uma vida limpa e deixar a criminalidade.
Estamos nos anos 1970. Eram outros tempos. Os brasileiros éramos
“90 milhões em ação” (lembram da música da seleção?)
Fiquei com a ficha dele: sem escolaridade e sem experiência
funcional. Era saudável, forte.
Mandei que voltasse na semana seguinte. Não queria pegar o pião na unha. Ficar com o problema
sozinho. Assumindo unilateralmente o risco. Mas queria ajudar o “cabra da peste”
por alguma razão não definida. Acho que o jeito franco e direto.
Minha estratégia foi, em primeiro lugar, conversar com o
chefe da segurança patrimonial, um coronel reformado, da Polícia Militar de São
Paulo. Expus a situação, ele ouviu, achou um grande risco, mas topou
endossar minha decisão.
Fui então ao diretor da empresa ao qual eu reportava, relatei
toda situação, inclusive que já havia trocado ideia com o chefe da segurança.
Ele - diretor - conhecia o tal comentarista esportivo de quem partiu o pedido, e não
colocou objeção. Falou: problema seu.
O passo seguinte seria como colocar o novo empregado numa
determinada loja (não poderia ser em qualquer uma) sem que o gerente da filial
pudesse opinar e aprovar a contratação. Não era conveniente que muita gente
estivesse a par do caso.
Minha preocupação e a do coronel da segurança era a seguinte:
qualquer furto ocorrido na loja ele seria o primeiro suspeito.
Liguei para o gerente da loja (na capital) eleita como a mais
indicada, com muita movimentação de entrada e saída de mercadorias, ele poderia
ser lotado no depósito. Era uma loja grande na Zona Oeste.
Precisei fazer crer ao gerente da loja que eu tinha interesse
pessoal na contratação do ajudante a fim de viabilizar a quase imposição de que
ele fosse admitido como ajudante de depósito, sem interferência da
administração da loja.
Deu tudo certo. Sem suspeitas. O coronel monitorava através
de sua equipe formal e informal** e o conceito do cara era bom no local de
trabalho. Caladão, com disposição para o trabalho, pontual a assíduo.
Que alívio! Corria tudo bem e já praticamente havia me esquecido
do caso quando um belo dia o Ezequiel (este era o nome dele) apareceu na
portaria do prédio da administração para falar comigo.
A recepcionista anunciou pelo interfone, que ele estava lá
querendo falar comigo “pessoalmente”. Quando caiu a ficha e me lembrei do episódio mandei que ele entrasse e subisse.
Que houve Ezequiel? - “Dotô”
Jorge, vim pedi demissão ao sinhô” (imaginem um sotaque ainda carregado de
nordestino). Por que, arranjou trabalho melhor?
Não era nada disso. No tom de voz mais baixo que conseguia
fazer contou que foi localizado por velho parceiro de crimes que lhe propunha
planejar um roubo lá na loja em que ele trabalhava por entender que haveria alguma
facilidade para entrar.
Em suma, a proposta era ou ele participava do golpe ou iria
se arrepender. Ele temia fosse tornado público o caso. Quando de sua admissão
recomendei muito de que ele não poderia falar com quer que fosse sobre seu passado.
Senti de um lado um grande alivio, eis que ficaria livre de
um cutelo sobre meu pescoço. Não tinha dúvida de que havendo algum envolvimento
do Ezequiel em algum delito eu seria cobrado.
Por outro lado lamentava que a chance que ele tivera de se reintegrar
na sociedade estava prejudicada.
E ele estava amargurado, porque quando indaguei se ele estava
disposto a voltar a se aliar ao antigo comparsa, me lançou um olhar de
desespero. Como se indagasse, que alternativa tenho?
A demissão dele foi formalizada, aproveitei que era um dos
frequentes períodos de redução do quadro de pessoal e pedi ao gerente da loja
(outra vez assumindo como interesse pessoal) para que ele fosse incluído na
lista dos que seriam dispensados. A ideia era ele ter acesso ao FGTS e conseguisse
uma graninha, para quem sabe voltar à terra natal.
https://www.dicionarioinformal.com.br/significado/at%C3%A9%20ai%20morreu%20o%20neves/26679/
2. As lojas de departamento e de supermercados têm (ou tinham) funcionários de vários setores, de plena confiança, que fazem papel de fiscais, denunciando fraudes, furtos e comportamento estranho de outro empregado. São fiscais informais e ganham um extra oficiosamente pelo serviço.
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