19 de agosto de 2017

A ganância



Não me preocupava muito com o novo (nem tanto) acordo ortográfico, aquele que aboliu o trema e criou outras dificuldades para se escrever corretamente. Os de minha geração.

A propósito do trema, leiam a piada que ouvi: "não trema sobre linguiça".

É só isso a piada, acabou. Entenderam o duplo sentido? A malícia contida na frase? É verdade, não se usa mais o trema sobre a letra “u” em linguiça.

Voltando à língua culta, como não tinha leitores, pois os poucos que tinha eram de casa e já conheciam de sobejo minhas limitações literárias, pouco se me dava se havia erros de grafia, de concordância ou de sentido em meus escritos.

Ia escrevendo no correr da pena, como se dizia em tempos d’antanho, antes dos teclados de notebooks, tablets e assemelhados.

Até que um belo dia, um destes internautas aposentados apareceu, primeiro por e-mail e depois aqui no blog. Mandou uma mensagem eletrônica alertando para pequeno erro de grafia numa postagem.


Fiquei todo pimpão, mais feliz do que pinto no lixo. Que bom! Aparecera um leitor. Agradeci o comentário, a visita virtual e por noblesse oblige arrematei que ele deveria voltar sempre, se e quando quisesse. O espaço é também seu, menti.


Aí ele gostou e acostumou. Todos os dias tinha um reparo para fazer em meus textos. Foi perdendo a inibição e passou a reescrever parágrafos inteiros.










Insinuei que poderia ser revisor ad hoc. Alertei que não tendo patrocínio não tinha receita e, logo, não poderia pagar pelos seus serviços. 

No princípio aquiesceu, mas aos poucos a ganância fez- se presente e já pretendeu que eu pagasse in natura, com água de coco. Aos domingos, no calçadão.

Pensei com meus botões, R$ 5,00 por semana dá para bancar. Mas abri uma brecha para maiores exigências decorrentes da ganância. Da eterna insatisfação.

Pois é, a ganância tomou conta do “revisor” que passou a achar que ganhava pouco. Prometi pagar o dobro, ou seja, dois cocos por domingo. Não aceitou e abandonou o emprego (o que configura justa causa).

Nossa relação piorou a partir de março, porque ele queria um bônus em comemoração ao dia do revisor. Queria levar uma garrafinha com água de coco para casa.

Parênteses. Ronald Golias, o bom humorista falecido, em entrevista contou uma história excelente sobre isso. Vinham ele e o Carlos Alberto de Nóbrega, num táxi, pelo aterro do Flamengo, voltando de um show na Barra da Tijuca. Iam em direção ao aeroporto Santos Dumont pois precisavam chegar rápido em São Paulo, onde ainda fariam outro show no mesmo dia.

O Carlos Alberto pediu ao taxista: “você poderia andar mais rápido, por favor, porque temos um voo daqui a pouco?”

O motorista, solícito, atendeu prontamente e apertou o pedal do acelerador. Conclusão: o carro derrapou numa curva, subiu no canteiro, as portas se abriram e caiu cada um para um lado do automóvel.

Constatado que estavam apenas tontos, mas todos vivos, apenas assustados, contou o Golias na tal entrevista que o Carlos Alberto olhando para ele disse: é muita ganância!!!

Pois é, a ganância, se não é, deveria ser pecado capital. De giro ou imobilizado (atenção contadores).

Agora pensem comigo. O cara tinha o privilégio (se eu escrevesse previlégio iria passar, pois estou sem revisor) de ler em primeira mão os meus escritos. Ria a bandeiras despregadas de minhas tiradas de fino humor. Aplaudia quando eu execrava Lula, Dilma et caterva. Tinha orgasmos quando eu ressaltava derrotas do time da urubuzada. E ainda queria palpitar na forma e conteúdo de minhas matérias.

Esquece, ou não sabe, que o estilo é o homem (Lecrec, na Academia Francesa). Pouco culto, não fala e/ou escreve sânscrito, aramaico e tampouco javanês. Nada sabe sobre apicultura hindu no século XIII. Que contribuição, poderia dar para o enriquecimento cultural do blog? Não sabe, pasmem, como é o nome de batismo de Zeca Pagodinho.

Olha aqui, cara pálida, se quiser voltar a aparecer as minhas custas, tirando casquinhas do prestígio do blog, terá que ser pro bono.

Farei como sempre fiz. Darei crédito nos comentários informando quem corrigiu os equívocos. Raros por sinal.


Nota do autor: esta é uma história de ficção. Portanto qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas, ou ainda com situações reais, terá sido mera coincidência. A bem da verdade, confesso que me inspirei em situação real. Levemente.

Só falta agora o mercenário pretender direitos autorais, danos morais e psíquicos. E reparação por perdas materiais. 

Vou propor uma audiência de conciliação, para acertarmos os ponteiros. Tomando água de coco no calçadão.

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