5 de dezembro de 2017

Confissões na decrepitude

Por vergonha, e para não dar mau exemplo aos filhos, guardei comigo, à sete chaves e durante anos, algumas ignomínias, malfeitos, vexames e atos pouco nobres, alguns dos quais me arrependo.

A despeito deste passado normal, para um humano, também cometi alguns erros (rsrsrs).

Exemplos? Adolescente, durante o curso secundário, matei aula para ir a praia. Para namorar.  Para jogar bola na quadra do colégio, e outras razões nada nobres que esqueci.

Deixar de ir a aula para ir para a praia da Boa Viagem, custou-me cair num boeiro destampado, o suficiente para ralar meu peito. Os colegas da irresponsável aventura riram muito. 

Principalmente o José Carlos Senna, que confessadamente poderia ter evitado alertando sobre o risco adiante.

Conversávamos, e enquanto olhava para ele me distraí o suficiente para enfiar um pé no vazio e cair estabacado.

Faltar à aula para namorar com a Doroty, minha primeira namorada, levou-me e mentir para minha mãe. Muito inocentemente (Doroty nem tanto), à falta de um lugar para namoramos, propus que  pegássemos a barca e fizéssemos a travessia da baia.

Tomaríamos um sorvete na Praça XV e voltaríamos na barca seguinte. Teriam transcorrido duas horas praticamente.

Naqueles anos iniciais da década de 1950, todo mundo tinha que ir ao Rio de Janeiro: para trabalhar, para fazer compras, para passear, visitar parentes e várias outras finalidades.

Deu-se o inevitável, uma amiga da família viu-me com a namoradinha. Como a tinha avistado, evitei ao máximo me aproximar desde a entrada na estação até o embarque na barca da Cantareira, na vã esperança que ela não me tivesse visto.


Mas ela viu e, vizinha nossa, comentou com minha mãe que tinha me visto indo para o Rio de Janeiro. Não acredito que o fez por maldade, mas por falta de assunto melhor.

Eram os tempos de "Mariquinha e Maricota", quando vizinhas, de uma janela para outra, ou diante da casa de uma delas, ficavam falando da vida alheia. Os humoristas apelidaram estas personagens de piadas, crônicas e contos, como "Mariquinha e Maricota".

Nelson Rodrigues criou a figura da "vizinha gorda e patusca", quem não se lembra?

Pois muito bem, tive que negar, como Pedro o fez três vezes, e como Lula faz todo dia em relação ao triplex no Guarujá e ao sítio em Atibaia.

Minha mãe, por alguma das inúmeras razões que levam-nas a proteger a prole, aceitou minha negativa. E morreu ali o assunto que não foi parar nos ouvidos de meu pai.

Menino, entre praticar as incontáveis recomendações sobre educação e maneiras diante de pessoas mais velhas ou com as quais não tínhamos intimidade, e a enorme vontade de provar uma iguaria que estava sendo feita diante de meus olhos, paguei um vexame.

Vou contar o que sucedeu. Dona Heloísa e seu Alberto moravam na última casa da vila onde também morávamos, no número 21 da Rua São Diogo. 

Para a época era uma família de classe média alta, porque comerciantes. Tinham uma loja que vendia, consertava e alugava bicicletas. Eram concorrentes do "Cicle São Bento", que eventuais leitores mais velhos e residentes na cidade hão de lembrar.

Não tinham filhos, mas hospedavam parentes vindos de Minas Gerais. Os irmãos Fausto e Djalma, por exemplo, seus sobrinhos, vieram e foram trabalhar no cicle.

Certa tarde de domingo, D. Heloisa assava no forno à lenha que mandara fazer em seu quintal, algumas  apetitosas cavacas. E como cheiravam bem.


Entrei, por alguma razão,  em seu quintal. Abro um perêntesis para explicar duas coisas. Uma é que o meu melhor amiguinho era o Tãozinho, um dos sobrinhos do casal, que sempre passava as férias em Niterói. Era uma amizade intermitente, durava os períodos de férias.

A segunda coisa é que a casa deles, por ser a última da vila, era uma das duas únicas que tinham entrada de serviço na lateral da casa. A outra era a primeira, logo na entrada da vila, porque ocupava a esquina.

Entrei por este portão lateral e lá estava parte da família degustando cavacas. Assim que a dona da casa tirou outra fornada, ofereceu-me uma, ainda quente. Balbuciando "não obrigado" e balançando a cabeça no movimento negativo, estendi a mão para pegar a cavaca.

Dona Heloísa não perdoou, e eu jamais a perdoei. Não deixou passar em branco o episódio e fez questão de comentar acentuando: "ele balançou a cabeça que não queria mas estendeu a mão para alcançar o biscoito".

Não me dera conta do ato, mas o comentário dela envergonhou-me. Não na hora, mas passado o irresistível desejo de comer a iguaria. E até hoje não perdoo a maldade que ela fez.

Não me levou a fazer análise, mas a nunca mais ir até sua casa. Claro que por vergonha.

Por último confesso um malfeito de data mais recente, embora já lá se tenham passadas  pelo menos quatro décadas.

Não tenho um foto sequer, mas durante cerca de três anos fumei cachimbo. Tinha a parafernália necessária, inclusive o isqueiro próprio para acender. Comprei uns três de tamanho e formato diferentes e acabei ganhando uns dois de amigos que os trouxeram de viagens ao exterior.

Isso foi vergonhoso? Não, nem de longe. Mas ficou associado a um malfeito.

Recém alçado ao nível gerencial (daí o cachimbo e as gravatas de ceda), passei a comprar uns dólares,  no câmbio negro, não como investimento, mas como reserva segura.


Precisava, entretanto, guarda-los em casa e bem guardados. Que fazia então, achando que assim manteria as verdinhas fora dos alhares e alcance de quem quer que fosse?

Colocava os dólares numa lata de fumo Half&Half, que ficava bem a vista na estante, ao lado dos cachimbos. Sempre na esperança que eventuais ladrões não fumassem e nem reparassem na lata; e tampouco nossa doméstica.


Para camuflar ainda mais, sobre as cédulas de dólares dobradas colocava um pouco de fumo, de sorte a parecer que a lata continha somente este produto.

Manter dólares sem declarar origem era (ainda é?) proibido. 

Será que este crime prescreveu? Alô Receita Federal, estava brincando viu? Isso narrado aí acima é pura ficção.

Por fim, cometi um pecado: desejei a mulher do próximo. Era muito criança, ainda na fase masturbatória. Nunca tinha ido aos finalmente como diria Odorico.

Nossa vizinha da esquerda, casada mas sem filhos, era uma mulher aparentemente recatada. Vestia-se com sobriedade, roupas cumpridas, fechadas quase na altura do pescoço, mas era uma morena alta, nem magricela e nem gordona, cintura pronunciada.

Para mim um tesão. Meus olhares eram de cobiça mas não passei das homenagens de estilo. Como diria o Martinho, "me possuindo".

8 comentários:

Jorge Carrano disse...

Toda as vezes em que pratiquei atos fora dos padrões fui punido.

É como se houvesse um pacto não escrito: "Se você quer minha proteção trata de andar na linha", teria dito São Jorge.

Jorge Carrano disse...

Matar aula é o mesmo que cabular, viram capixabas?

Ana Maria disse...




Também transgredi algumas regras e não me arrependo da maioria delas. Matar aula foi uma delas. Talvez das mais danosas visto que interferia no rendimentos escolar.

Não compartilho do "mea culpa" do meu irmão, mas também acumulo histórias de fofoqueiros. Certa vez a turma toda resolveu trocar a escola pela sessão do Cine Rio Branco que ficava a cerca de 60 metros do Colegio Plínio Leite onde estudávamos. Toda turma menos a Rosa Maria. Pois esta coleguinha foi de porta em porta, informando as mães das infratoras sobre o fato. Levei uma grande bronca.

Tão grande quanto a que recebi ao ser vista na esquina da Rua Fróes da Cruz, quarteirão antes da minha casa, coversando com o namoradinho, e tendo entre uma distância de mais de 1 metro. Quem informou a minha mãe e pediu providências contra aquela pouca vergonha?

O meu irmão mais velho e administrador deste blog. 

Como diz o Riva, "pano rápido".




Jorge Carrano disse...

Ahhhh! Era namoradinho?

A um metro de distância?

Não daria acerto mesmo (rs).

Kayla disse...

Ai,Jorge. Vc acha que essa bobagem ia servir de mau exemplo? Melhor nem perguntar as artes que eles fizeram. Ashuashuashua
Um dia vou contar pra vocês as bobagens que ja fiz. Mas só depois de uns chopps aí no Berê. Ashuashuashua

Jorge Carrano disse...

Aquelas travessuras, no idos tempos do pós-guerra eram censuráveis.

Hoje, causam tédio nas crianças se ousamos contar uma ou outra traquinagem.

Riva disse...

Kayla tem razão !! rsrsrsrsrs Melhor nem perguntar ....

Estou lendo a autobiografia do Pete Townshend (guitarrista do The Who). Estou exatamente na fase das "traquinagens" dele na infância, nas décadas de 40-50.

Mas estou mesmo querendo saber as "traquinagens" dele da fase adulta !! kkkkkkkkkkkkkk

Jorge Carrano disse...

Perdão, caros visitantes eventuais, mas aqui no Pub também temos frequentadores pudicos, tímidos, envergonhados, sérios, decentes, inocentes, virtuosos, recatados, imaculados, castos, santos, encabulados, acanhados.

Kayla e Riva são os rebeldes, moderninhos, avançados, prafrentex, mas são inofensivos se tratados com jeitinho.