11 de novembro de 2013

Carro dispensa motorista


Estou quase certo que já contei, até mais de uma vez, que me asilei voluntariamente em São Paulo, no início da década de 1970.

O mercado de trabalho no Rio de Janeiro estava  um pouco esvaziado e porque meu histórico profissional, o chamado curriculum vitae, não combinava com minhas ambições.

Eu tinha minhas limitações pessoais, mas possuia um pequeno trunfo. A partir da segunda metade dos anos 1960, começaram a chegar ao Brasil teses, doutrinas, estudos, sobre a necessidade de dar embasamento técnico/científico à gestão de pessoal.

Matrizes de multinacionais mandavam para suas filiais, controladas e subsidiárias, aqui no Brasil,  seus enormes  e complexos manuais de “administração de recursos humanos”. Eram organogramas departamentalizando o que aqui era chamado de seção de pessoal, dando a cada um dos novos órgãos atribuições especiais embora fossem interligados e complementares suas atividades.

Por exemplo o setor de "recrutamento e seleção" trabalhava com descrições de cargos (job despriptions) que eram elaboradas pelo setor de "cargos e salários" a partir de entrevistas individuais com todo o quadro de pessoal. Este mesmo instrumento, a descrição de cargos, que já servira de base para criar a curva salarial (e a política salarial), era utilizado no “setor de treinamento e desenvolvimento”, que capacitava, especializava e  aprimorava os ocupantes de cargos e funções, simplesmente comparando a avaliação de desempenho (outra ferramenta criada), com as exigências do cargo ou função, conforme descrito (na job description).

Cada setor deste passava o constituir um retângulo no organograma do Departamento, que agora se chamaria não mais de “Pessoal”, para virar Relações Industriais ou Recursos Humanos. Na maioria das vezes estava a nível de gerência de primeira linha, reportando diretamente à diretoria.

A motivação passou a ser um elemento importante na gestão de pessoal. As teorias,  sempre a partir de livros ou manuais vindos do exterior, onde ficavam as sedes mundiais das empresas, foram se disseminando. Cientistas sociais, sociólogos e PHDs em administração, começavam a ficar conhecidos no Brasil. Nomes como os de Chris Argyris, Douglas McGregor, Abraham Maslow (e sua famosa pirâmide), e outros mais que já não me recordo, eram repetidos, citados a cada trabalho, e seus modelos utilizados na implantação do novo desenho e atribuições do órgão gerencial responsável pelo maior patrimônio da empresa: seus empregados.

Com efeito a ideia a ser vendida era de que o pessoal (os empregados) era o maior patrimônio da empresa, superando os outros fatores, como capital, máquinas e equipamentos.

Lembro que no curso de integração que criamos numa empresa metalúrgica,  a tarefa inicial do recém-admitido era fazer um desenho de sua primeira impressão da empresa, quando entrou.

No mais das vezes  o novato desenhava o prédio (sem nenhuma figura humana). Isso servia de gancho para  psicóloga que ministrava este curso de integração. Ela pegava o desenho, cumprimentava, mas fazia a ressalva de que ele esquecera do elemento mais importante,  que era o ser humano, os empregados.
 Ele esquecera do vigia da portaria, da recepcionista, enfim, desenhou o prédio,  as instalações mas não o pessoal; e cada um, e todos, eram peças importantes na enorme engrenagem. E emendava mostrando o papel que o novo empregado desempenharia, mostrando o que aconteceu, na linha de produção antes e o que aconteceria depois da intervenção dele ou da máquina que iria operar. E mostrava o vestiário, o refeitório, os sanitários, etc. E havia um empregado designado em cada seção, encarregado de recepcionar o novo colega, agindo como elemento de facilitação da integração no quadro funcional. 

Se havia esta preocupação com os que estavam chegando, não era menor a preocupação com os que já estavam há anos na organização, em especial diretores e gerentes, para os quais estavam voltados os programas de desenvolvimento a partir de participação em seminários, congressos nacionais e internacionais, imersão com jogos (role playing) e outras atividades.

A equipe de recursos humanos passou a ser integrada por psicólogos que atuavam nas área de recrutamento/seleção e  treinamento, engenheiros industriais que trabalhavam com tempos, métodos e movimentos, aperfeiçoados a partir das descrições de cargos.

Os planos de salários a partir de critérios objetivos, impessoais, tomaram o lugar dos aumentos dados pela simpatia pessoal do chefe, e o desempenho passou a ser medido também objetivamente, levando em consideração a qualificação para o cargo e não outras aptidões que o empregado pudesse ter,  mas sem relevância para aquela função. Por exemplo: a arquivista falava japonês, mas isto não tinha importância para a função: atenção, escolaridade, praticidade, eram fatores que pesavam, não o domínio de outros idiomas ou execução de instrumentos musicais.

Minha intenção ao fazer esta digressão, era dar-lhes (eventuais leitores) a exata medida do trunfo que eu disse possuir para tentar voos mais altos (e melhor remunerados) em São Paulo.

A empresa onde trabalhava na época, aqui no Rio, lotado no departamento jurídico, ofereceu-me a oportunidade de migrar para área administrativa. Na nova gerência que seria criada, com base em proposta da consultoria internacional contratada (Deloitte Consulting).

E pagou para mim cursos especializados (existiam ainda poucos) no Instituto de Administração e Gerência da PUC, e na Fundação Getúlio Vargas. E outros cursos de pequena duração. E participação em congressos.

No Rio de Janeiro estava bem encaminhado, mas eu queria $ão Paulo.

Um amigo que já tinha afeito este percurso, e por razões idênticas, saindo do Rio para São Paulo, estando lá radicado (na área de marketing)  há mais de dois anos, abriu uma porta mim, num grande banco, nesta nova área de recursos humanos.

Fui contratado e para lá mudaria. E lá ficaria por 9 longos anos, daquela vez. Sim, porque tive duas outras recaídas. Nas 3 temporadas paulistas somo 18 anos de trabalhos forçados.

Só que era tudo muito instável ainda, tudo experimental, naquela primeira vez,  por isso não levei a família. Fiquei morando em hotel durante 13 meses.

E assim chego ao ponto que precisava chegar para abordar o assunto que me chamou a atenção na imprensa.

A Volvo desenvolveu um carro que não precisa de motorista. Ele dispõe de um sistema de radar e laser, que permite acompanhar um caminhão sem nenhuma necessidade de manobra.

Devem estar se perguntando, ou não, porque tem o distraído que não está atento e só está lendo por alto pois o assunto inicial estava muito chato, o que o novo carro da Volvo tem a ver com morar e trabalhar em São Paulo?

Tem tudo ver pois durante os treze meses em lá residi, naquela oportunidade, eu voltava para Niterói todo final de semana. Todos os finais de semana. E naquela época pela Dutra, dirigindo meu fusquinha.

Ocorria, muitas vezes, que as condições climáticas me obrigavam a colar na traseira de um Cometa para ter alguma visibilidade. Este novo veículo da Volvo me permitiria tirar um cochilo nas noites de sexta-feira, depois de uma semana desagradável na capital paulista.

5 comentários:

Freddy disse...

Os ônibus da Cometa iam na Dutra a cerca de 110km/h. Meu caro, se você conseguia ir atrás de um deles em plena chuva com um Fusquinha, deveria ser realmente um ás no volante!
=8-)
Freddy

Jorge Carrano disse...

Efetivamente em alguns poucos trechos da estrada era muito difícil acompanhar.
Com uma agravante. Os motoristas detestavam este procedimento e aceleravam ainda mais para livrar-se do caronista. Por causa dos riscos de acidentes.
Eu conhecia as regras do jogo, depois de algumas conversas durante o cafezinho em Roseira. Manter uma regular distância, jamais utilizar o farol alto. Aprendi toda a sinalização mimica gestual (chuva adiante, fiscalização, acidente na estrada) e as sinalizações e cumprimentos de farol e lanterna. Isto para quem trafegava em sentido contrário.
Aquela carona era importante sobretudo nos dias de chuva. E, devo admitir, o fusquinha a que me referi é força de expressão. Um genérico para carros de pobre.
No período, se bem me lembro, tive uma Brasilia (roubada no estacionamento do Paes Mendonça, na Marginal Pinheiros) o que me levou a adquirir um Passat.
Minha evolução foi esta: Fusquinha, outro fusquinha, uma Brasilia e um Passat.
Conhecia, de verdade, cada palmo daquele chão, como diz o poeta popular na conhecida canção. E cada curva, principalmente as traiçoeiras na altura de Barra Mansa.
Tenho horas de voo (no asfalto) mais do que muito motorista da Cometa (rs). Ou do Expresso Brasileiro ou, mais recentemente, da 1001. Porque depois morei mais de um no em São José dos Campos e também vinha com muita frequência para Niterói, mas aí é outro post.
Tenho testemunhas que acompanham este blog e conhecem minhas aventuras não me deixando mentir sozinho.

Jorge Carrano disse...

Você sabe, Freddy, que assim como o Itamar, também eu era apaixonado pelo fusquinha? O primeiro modelo, com motor 1200, que era macho , não enguiçava, as peças eram encontradas até em feiras-livres e nas mais remotas cidadezinhas do país.
Você não precisava fazer "revisão" para viagem. Era decidir, ir até a garagem, dar partida e cair na estrada.
A única vez em toda minha vida que enguicei na estrada e tive que recorrer ao "road service" da GM, foi quando estava com um Monza zero quilômetros. MESMO! Sai da autorizada para a estrada, somente abastecendo. A bomba d'água pifou e o carro ferveu. A bateria furou e passou a esguichar todo o ácido, como se fosse um maçarico. Inutilizou vários componentes com o ácido.
Mas só descobriram que o problema era a bomba d´água, depois que aconteceu uma segunda vez, a mesma coisa, mas ai não mais na Dutra e sim na cidade mesmo.

Freddy disse...

Já eu jurei a mim mesmo que, a menos que o destino me impusesse tal degradação, eu jamais teria um Fusca de novo. Ganhara em 1970 de meu pai um 1200 (modelo 64) que, depois de poucos anos, devolvi. Eu preferia andar a pé a usá-lo novamente. Confesso que foi uma atitude da qual me envergonho hoje, pois foi um presente dado de coração, mas era muito ruim mesmo!
No entanto, o carro que mais dor de cabeça me deu em minha vida foi o único carro a álcool que tive: um Fiat Prêmio 85. Esse eu deveria ter jogado fora, mas aturei-o por 4 longos anos.
O trauma me persegue. Voltei a comprar carros a gasolina e agora que todos são flex, jamais os abasteci com etanol.
=8-)
Freddy

Riva dando um overview disse...

Como vim parar aqui nesse post de 2 anos atrás ?

Simples, fui pesquisar posts escritos na data de amanhã, 11 de novembro, e fui direto em 2013, e acertei, porque tinha esse do Carrano, sobre o projeto da VOLVO de carros dirigíveis sem motorista. O que vem a calhar hoje em dia, pelo menos no quesito segurança.

O que tenho visto de pessoas, de ambos os sexos, dirigindo irresponsavelmente, olhando para um celular, é uma grandeza ! E esse projeto da VOLVO viria resolver essa atitude humana, que costuma terminar em tragédia.

Em muitos estados americanos não é proibido dirigir mexendo no celular, porque TODOS sabem que não devem fazer isso. E no caso de um acidente, se ficar provado que estava usando o celular ( e isso é super fácil de provar, junto à operadora), a multa é astronômica, e se não me engano, tem a carteira de motorista cassada !

Enquanto isso, por aqui, a desordem urbana e social cresce em progressão geométrica. É o que temos para o Brasil do Amanhã.