Motivado pelo comentário do Paulo Bouhid, no post anterior, publico a íntegra da sentença prolatada no caso mencionado pelo amigo/internauta.
Afinal as ações positivas devem ser reafirmadas e repercutir bastante, com propósito didático.
No citado caso, o posição do juiz titular da 9ª Vara Cível de Niterói foi muito elogiada e a sentença, muito bem articulada, foi mantida em grau de recurso no Tribunal de Justiça.
Eis a íntegra da sentença:
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMARCA DE NITERÓI — 9ª NONA VARA CÍVEL
Processo n 2005.002.003424-4
S E N T E N Ç A
Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de “senhor”.
Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de “Doutor”, “senhor”, “Doutora”, “senhora”, sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.
Instruem a inicial os documentos de fls. 8/28.
O pedido de tutela antecipada foi indeferido às fls. 33. Interposto Agravo de Instrumento, foram prestadas as informações de fls.52.
Às fls. 57 requereu o autor que emanasse ordem judicial para que os réus se abstenham de fazer referência acerca do processo, sobrevindo a decisão de fls. 63 que acolheu tal pretensão.
O condomínio se manifestou às fls. 69/98, e ofertou cópia do recurso de agravo de instrumento às fls. 100, cujo acórdão encontra-se às fls.125.
Contestação do condomínio às fls. 146 e da segunda ré às fls. 247, ambos requerendo a improcedência do pedido inicial. Seguiu-se a réplica às fls. 275.
Por força de decisão proferida no incidente de exceção de incompetência, verificou-se a declinação de competência, com remessa dos autos da Comarca de São Gonçalo para esta Comarca de Niterói.
Em decorrência do despacho de fls. 303v, as partes ofertaram seus respectivos memoriais, no aguardo desta sentença.
É O RELATÓRIO.
DECIDO.
“O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter.” (Noberto Bobbio, in “A Era dos Direitos”, Editora Campus, pg. 15).
Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.
Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é homem de notada grandeza e virtude.
Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
“Doutor” não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário.
Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de “doutor”, sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa — para a honra —, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que “professor” e “mestre” são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado.
Embora a expressão “senhor” confira a desejada formalidade às comunicações — não é pronome —, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir.
O empregado que se refere ao autor por “você”, pode estar sendo cortês, posto que “você” não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação.
Fala-se segundo sua classe social.
O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe “semi-culta”, que sequer se importa com isso.
Na verdade “você” é variante — contração da alocução — do tratamento respeitoso “Vossa Mercê”.
A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas freqüências do pronome “você”, devem ser classificados como formais.
Em qualquer lugar desse país é usual as pessoas serem chamadas de “seu” ou “dona”, e isso é tratamento formal. Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados com o prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.
Na edição promovida por Jorge Amado “Crônica de Viver Baiano Seiscentista”, nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Miércio Táti anotara que “você” é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999).
Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes.
Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de “você” e “senhor” traduz-se numa questão sociolingüística, de difícil equação num país como o
Brasil de várias influências regionais.
Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema
interna corpore daquela própria comunidade.
Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I.
Niterói, 2 de maio de 2005.
ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito
17 comentários:
Pois é, meu caro Jorge, depois o Judiciário reclama (sempre!!!) que está abarrotado de causas...
Ainda sobre o post anterior, quem pode assegurar que ela se referiu ao "deus" dele? Afinal, somos ou não um país laico? (outra conversa fiada...)
Até o ministro Ricardo Lewandowski, que imagino seja eleitor do PT (rs), assim se referiu sobre o episódio, segundo a imprensa:
"O ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), disse nesta segunda-feira (10), em Florianópolis, que "nenhum magistrado é Deus, eles são homens comuns e devem respeitar a Constituição". A declaração foi dada por ele ao comentar o caso da agente de trânsito condenada no Rio de Janeiro por ter supostamente dito a um magistrado, durante uma blitz da Lei Seca, que "juiz não é Deus".
Está em:
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/11/10/nenhum-magistrado-e-deus-diz-lewandowski-sobre-acao-contra-agente-no-rio.htm
A menos que seja desembargador (rs rs)
Verdade, Freddy!
“RIO - Os conselheiros da OAB decidiram reagir contra a decisão de desembargadores da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, que mantiveram a condenação da agente da Lei Seca Luciana Silva Tamburini. A jovem terá que pagar R$ 5 mil por danos morais ao juiz João Carlos de Souza Correa. Ele foi parado em uma blitz da Lei Seca em fevereiro de 2011 e se apresentou como juiz. Ele dirigia um Land Rover sem placa e documentação, além de não estar com a habilitação. Luciana, que trabalhava como agente da operação, retrucou, dizendo “você é juiz, mas não é Deus”, e recebeu, em seguida, ordem de prisão do juiz por entender que ela o desacatou.
Segundo os conselheiros, aquele juiz incorpora o distanciamento e encastelamento de parte do judiciário que ainda se comporta de forma arbitrária, como se vivesse na ditadura. Eles decidiram entrar com pedido de afastamento imediato do juiz ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E também pretendem fazer uma ação conjunta de entidades para uma campanha nacional para denunciar abusos de magistrados que desrespeitam a Constituição.
— Vamos elaborar uma peça com todas as denúncias para pedir ao CNJ o afastamento do juiz João Carlos — afirmou o presidente da OAB- RJ, Felipe Santa Cruz.”
Matéria completa em:http://ylena.jusbrasil.com.br/noticias/151561153/oab-quer-afastamento-imediato-de-juiz-que-deu-ordem-de-prisao-a-ex-agente-da-lei-seca?utm_campaign=newsletter-daily_20141114_322&utm_medium=email&utm_source=newsletter
(Copy and paste)
Fui ali perguntar ao Johnnie o que ele acha disso tudo .... temo pela resposta ...
Vai soprar o bafômetro ou vai se recusar? (rs)
Eu tinha lido essa notícia no Facebook mas fiquei com dúvida, mera ignorância sobre o assunto... Se a 14ª Câmara Cível e seus desembargadores decidiram por unanimidade contra a moça, que poder tem a OAB para agir em contrário?
Eis o que afirmou a presidente da Seccional da OAB:
— Vamos elaborar uma peça com todas as denúncias para pedir ao CNJ o afastamento do juiz João Carlos.
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem competência para julgar desvios de conduta de magistrados. Quem preside o CNJ é o presidente do STF, no caso, atualmente, o ministro Lewandowski.
Esse juiz vai se arrepender o resto da vida por causa de R$ 5.000,00.
Afastamento do juiz ??
Quem vai julgar isso ?
Pinocchio, Saci Pererê, Coelhinho da Páscoa, Papai Noel ... ?
BRASIL BANDIDO ... acordem e revejam seus valores. O lance agora é ensinar aos nossos filhos netos e bisnetos a roubar, matar, sacanear, mentir, dar calote .....
Essa foi a resposta do Johnnie falando, ok ?
Hoje, em Nuremberg, em partida válida pelas eliminatórias da Eurocopa 2016, a Alemanha venceu a seleção de Gibraltar, estreante na competição, pelo magro placar de 4X0.
Vergonha para o Brasil que, jogando "em casa" perdeu de 7X1.
Gibraltar, convenhamos, estaria na série "C" do campeonato brasileiro.
Já a sentença de primeiro grau, e o acórdão da 14ª Câmara Cível do TJRJ, no caso Luciana Tamburini X João Carlos de Souza Correa, podem ser vistos no website tjrj.jus.br, pesquisando pelo nº do processo que tramitou na 36ª Vara Cível da capital:
Processo No: 0176073-33.2011.8.19.0001
Há alguma esperança de justiça, então... Vamos acompanhar...
A manchete do O GLOBO de hoje (sábado 15 nov) é lamentavelmente histórica, como foi também a edição de ontem do JORNAL NACIONAL.
O pior disso tudo, pior mesmo, é que tenho amigos que não estão indignados como eu ......
Releiam este post:
http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2013/10/os-suecos-devem-nos-invejar.html
Manchete de O Globo, Jornal Nacional e vários outros veículos, caro Riva:
http://veja.abril.com.br/multimidia/video/petrolao-uma-sexta-feira-apocaliptica-2
O mesmo juiz João Carlos de Souza Correa, será investigado pelo CNJ em função de uma decisão tomada quando juiz na cidade de Búzios.
Outro imbróglio.
Leiam em:
http://extra.globo.com/noticias/rio/justica-anula-sentenca-de-juiz-da-polemica-da-lei-seca-decisao-despejava-10-mil-familias-em-buzios-14570674.html
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