11 de fevereiro de 2014

CAMBOINHAS




Por
Carlos Frederico March
(Freddy)













Quem mora em Niterói conhece o bairro e a Praia de Camboinhas na Região Oceânica da cidade, mas muitos da geração mais nova não sabem o porquê dela assim se denominar. Só sabem que ela compartilha uma grande faixa de areia com a Praia de Itaipu, separadas por um canal aberto por volta de 1979 pela Veplan Imobiliária com a conivência da prefeitura niteroiense e do governo do estado. 

Só esse fato já daria um post pelos desdobramentos ecológicos e ambientais visto que o objetivo, com a redução do volume da laguna de Itaipu pela alteração de seu ciclo natural e posterior dragagem pela Veplan, foi aumentar a quantidade de terrenos próximos à praia, de valor mais elevado. Não é, no entanto, objetivo desse post analisar desmandos que afetaram as lagunas de Piratininga e Itaipu desde 1946. 

Na década de 50 a gente sabia a sequência das praias oceânicas de Niterói de cor: Piratininga, Itaipu e Itacoatiara. De Itaipuaçu em diante já seriam as praias de Maricá. Entre Piratininga e Itaipu existia (existe) a pequena e selvagem Praia do Sossego, muito pouco frequentada até hoje pela dificuldade de acesso. Confesso que eu nem a conhecia pois não ando de barco nem iate (rs rs).   

Eis que em maio de 1958 um cargueiro de bandeira argentina chamado Camboinhas, proveniente daquele país já com graves problemas mecânicos, se vê à deriva próximo à Restinga de Marambaia e é socorrido por um rebocador brasileiro, o Falcão. Uma tempestade no dia 27 de maio arrebenta a conexão entre o rebocador e o cargueiro e ele, novamente à deriva, é jogado na arrebentação da Praia de Itaipu e encalha no dia seguinte. 

A Marinha forneceu ajuda através da corveta V20 Angostura, que agiu sozinha na tentativa de puxar o cargueiro para o alto-mar, mas o mau tempo prejudicou a manobra e ela, tendo se aproximado demais da arrebentação, também encalha. 

A essa altura, o povo em Niterói já estava em polvorosa! Apesar do acesso àquela parte da praia de Itaipu ser absolutamente precário, não podíamos deixar de realizar o passeio mais concorrido do mês de junho de 1958! Nosso Ford 41 levou-nos até a rua de terra que conduzia à Praia de Piratininga, por si só uma aventura àquela época, e dali até o local do encalhe só a pé pela tosca trilha demarcada na vegetação nativa. 

Lá chegando, testemunhamos uma verdadeira festa! Filas se formavam para visitar o Camboinhas por dentro, mas a entrada na Angostura era proibida, pois além de ser um navio da nossa marinha de guerra, estava numa situação de equilíbrio bem precário. Andar dentro dela seria garantia de acidente, pela inclinação em que se encontrava. 

Reproduzo a seguir algumas das fotos tiradas por nossos pais de mim (com 7 anos e meio) e de meu irmão Paulo, o Riva deste blog (recém fizera 6 anos), que se somam às igualmente raras imagens existentes na rede acerca desse fato que acabou se tornando uma referência histórica da cidade de Niterói. Por favor, nada de risos nem piadas acerca de meu chapéu de jornal!

Riva e Freddy, proa do Camboinhas

Povo na fila para visitar Camboinhas




Riva e Freddy, Camboinhas com Angostura encoberta por Riva.


Freddy e Riva, corveta V20 Angostura

Uma força tarefa composta por 3 rebocadores de alto-mar (Tritão, Triunfo e Tridente) e 2 corvetas (Imperial Marinheiro e Solimões) então é mandada para a Praia de Itaipu para efetuar o resgate. O rebocador Tridente chega também a encalhar durante as manobras mas foi logo retirado.  

Acrescento na oportunidade 2 fotos colhidas no banco de imagens do Google em que se pode ver do alto o Camboinhas e a Angostura encalhados, podendo-se também testemunhar parte do aparato que acabou sendo envolvido no resgate. 

Na primeira, tirada na direção sudoeste, vê-se ao fundo a Praia de Piratininga. Na segunda, direção norte, observa-se a Laguna de Itaipu antes da diminuição do espelho d’água provocada pelo canal aberto pela Veplan Imobiliária.

Foto aérea, direção sudoeste

Foto aérea, direção norte


O desfecho foi o sucesso na operação de resgate da Angostura, mas a essa altura o casco do Camboinhas já mostrava sinais de danos estruturais. Eu não testemunhei, mas há relatos de que até a chaminé desabou pela vibração provocada pelo embate de grandes ondas nos dias de tempestade. 

A opção que restou foi o desmonte paulatino do cargueiro, terminado apenas no meio da década de 70, apesar de que até hoje ainda há remanescentes do casco, que aparecem na maré baixa. Há placas colocadas no local por uma associação do bairro demarcando a região dos destroços, pois apresentam perigo para incautos frequentadores. 

O nome do navio foi aos poucos sendo usado pela população niteroiense para referenciar aquele setor da Praia de Itaipu, até que com a abertura do canal e divisão da praia em duas, a parte norte manteve o nome Itaipu e a sul passou a ser denominada Camboinhas. 

Como curiosidade histórica atual, uma tribo de índios guaranis denominada Tekoá-Itarypú e oriunda de Parati tentou, argumentando antecedentes históricos, se estabelecer entre os anos de 2008 e 2013 numa parte do bairro Camboinhas próxima à laguna. Houve resistência por parte da comunidade local, de modo que a tribo já tomou novo rumo, o município de Maricá , onde atualmente disputa a posse da nova área invadida.






Fotos do acervo do autor, à exceção das aéreas, obtidas no banco de dados do Google sobre o navio Camboinhas.

24 comentários:

Jorge Carrano disse...

Estive lá, como boa parte dos moradores da cidade, atraídos pela sucessão de erros. Avisos da Marinha, rebocadores e outras embarcações que foram ajudar no resgate do Camboinhas acabaram também encalhados.
E tudo em vão, pois no frigir dos ovos o Camboinhas ficou por lá mesmo até ser retalhado e tirado aos pedaços como sugeriria Jack - o Estripador.

Jorge Carrano disse...

Caro Freddy,
Para mim, na década de 1940, pior do que fazer casquete de jornal para proteger do sol, era usar suspensórios, como você aparece na foto da década seguinte. Não via a hora de poder usar os cintos, que os adolescentes usavam.
Enfim, tinha horror aos suspensórios.
Depois de velho voltei aos suspensórios, agora por opção.
Agora tenho vários, de cores e padronagens distintas, que procuro combinar com as gravatas.

Freddy disse...

Eu não escolhia roupas quando criança. Lembro que provavelmente usava suspensórios por ser gordo e as bermudas não pararem na cintura. Tem fotos minhas em turma de escola primária em que eu era o único a usá-lo, provavelmente opção de minha mãe.
8-)
Freddy

Jorge Carrano disse...

Pois é Freddy. Foi o que pretendi dizer. Eu era obrigado. Agora, idoso, nos últimos vinte anos, optei por usar os suspensórios que detestava quando criança.

Voltando a Camboinhas, quem imaginaria, na década de 1950, que aquele pedaço da praia de Itaipu, de difícil acesso, se tornaria uma das prais mais badaladas da região oceânica deste lado da baia.

Riva disse...

Belo texto .... resgata um episódio muito marcante em nossa infância, embora aos olhos da geração atual não tenha nenhum significado, infelizmente.

Talvez algum brasileiro tenha a feliz idéia de desenvolver um joguinho para smartphone sobre o "Resgate do Camboinhas". Quem sabe em video game, nesse futuro, o navio consiga ser resgatado !

Quanto ao chapéu de jornal, aos suspensórios, ao corte de cabelo com gumex, à capa de chuva de plástico com cheiro de barata que éramos obrigados a usar em dias chuvosos, ao café com leite dosado da maneira que eles queriam, à imposição do aprendizado de música clássica, aos violões quebrados furiosamente, tudo isso e "outras cositas mais" nos levaram a sermos o que somos, íntegros, com uma base cultural e de conhecimento muito forte, com estrutura para formarmos as famílias maravilhosas que formamos, e no meu caso em especial, graças a eles, a ser o rebelde feliz que sou hoje, e tricolor devido àquele jogo de Totó Vasco x Flu (rsrsrsrs).

Valeu pra cacete, Fred & Flora !

Riva disse...

Complementando ..... tinha que ter um argentino metido nessa estória ..... (rsrsrs).

Não espalhem isso. Grato !

Ricardo dos Anjos disse...

Tb lá estive. Testemunha ocular e auditiva... Boa recordação.

Freddy disse...

Não me lembre do café com leite em garrafas de plástico na merendeira, por Deus!
Adulto tomava café.
Criança tinha que tomar leite, o café entrava só para dar uma corzinha.
Resultado: assim que me vi "crescido", passei a abominar café com leite!!!
Até hoje!
<:o)
Freddy

Jorge Carrano disse...

Num dado momento, a ciência resolveu proscrever a cafeína e a lactose. Com isso a combinação considerada perfeita pela sabedoria das mães, tornou-se perigosa para saúde.
O mundo acadêmico classifica como alcaloide o composto químico que popularizou-se como cafeina e chama de glicídio a popular lactose.
O mundo era melhor quando não sabiamos estas coisas.

Riva disse...

KKKKKKkkkkk !

Nunca esquecerei um "mico" que passei por causa desse café com leite na merendeira.

O ônibus da Escola Marília Mattoso passava no Largo do Marrão, e parava em frente ao cinema MANDARO (êita recordação boa), onde entrávamos nele.

Um dia, eu dentro do ônibus já sentado, o motorista engatando a 1ª marcha, e surge meu querido pai Fred mandando o ônibus parar, para ..... me entregar a tal garrafinha de plástico com café com leite, que ele esqueceu de colocar na minha merendeira ....

Daria um bom comercial de TV hoje em dia, para o leite ou para o café ! kkkkkkkkkkkkkk

Essa carrego comigo até hoje .... ainda bem que não me lembro quem estava no ônibus nesse dia !

Jorge Carrano disse...

Caro Riva,
Esta historinha daria uma boa mensagem para o Dia dos Pais, mesmo que com cunho comercial.

Riva disse...

Não páro de rever as fotos ....

Por que Freddy está de mangas curtas, e eu de mangas compridas e com um suéter ?????

Estranhíssimo ....

Riva disse...

.... é, fiquei sem saber mesmo ....

Jorge Carrano disse...

Porque quem está de camisa com mangas compridas presumivelmente está mais agasalhado do quem está de mangas curtas e, por isso, um suéter ajuda aquecer.
À beira mar corre sempre uma brisa marítima quem nem sempre é só uma brisa. As vezes faz friozinho mesmo e o caçula precisa ser protegido. (rsrsrs)

disse...

Obrigado por compartilhar, pude conhecer um pouco mais desta bela praia.

Jorge Carrano disse...

Obrigado em nome do blog. O Autor irá se pronunciar, se o caso.
Volte sempre, Uó!

Acessei:
http://www.financasforever.com.br/uorrem-bife-uma-historia-de-erros-e-acertos-no-mercado-de-renda-variavel/

Freddy disse...

Valeu a visita, Uó.
Volte sempre ao blog.
Abraço
Freddy

Palazzo disse...

Obrigado Carlos/Jorge
valeu pelas informações desse delicioso post.
Visitei a corveta Solimões em Belém e nem sabia que ela tinha participado dessa operação.
abraço

Jorge Carrano disse...

Nós agradecemos a visita virtual e, em nome do autor do post, o elogio generoso.
Abraço.

Unknown disse...

De vez em quando dou uma passada em algumas postagens do blog. Ele é muito bom. Creio que temos um amigo comum, Carlos Augusto, o CALF, que na época do Liceu era chamado de Carlinhos. Eu já conhecia o blog e certa vez ele me indicou uma postagem do blog que falava de um certo bar em Icaraí, salvo engano na Lemos Cunha.
Parabéns pelo blog.

Jorge Carrano disse...

Carlos Benites,
Bota AMIGO nisso. Gosto demais do Carlinhos, embora fiquemos por (para mim) longos períodos sem contato. A última vez que nos encontramos, juntamente com outros ex-liceistas, num restaurante/bar em São Francisco, já faz três anos.

O bar da Lemos Cunha era o Manel's, assim batizado pelo Carlinhos e pelo Irapuam, amigos inseparáveis.

Vou enviar o link de seu comentário para ele, que melhor do que eu descreverá o bar e o destino dado ao ponto.

No respeitante ao seu generoso comentário sobre o blog, resta-me agradecer mas dando um desconto no muito bom. Se for bom já está muito bom (rsrsrs).

A propósito visite o blog do CALF, selecoinando e colando na barra do navegador o endereço abaixo:
http://calfilho.blogspot.com.br/2015/03/a-magia-de-paris-9.html

No blog são encontráveis várias postagens sobre a França e especialmente Paris.

Obrigado e volte sempre.

Jorge Carrano disse...

Matéria do Globo - Niterói, de domingo dia 3 de set. informa que em virtude das ressacas ocorridas nos últimos dias e a maré baixa que se seguiu, parte dos destroços do cargueiro Camboinhas ficou à mostra, coisa que não acontecia a muitos anos.

O encalhe do navio e o afundamento, ocorreu em 1958.

O esqueleto que lá ficou representa um risco para banhistas, embora existam placas alertando para o perigo.

Unknown disse...

Boa tarde, senhor.
Eu estou querendo fotografias físicas (não virtuais) do cargueiro Camboinhas encalhado em 1958.
O senhor teria alguma? Ou alguma idéia de onde eu as posso conseguir?
Desculpe o incômodo, senhor. Fique sempre com Deus, paz no seu lar e aguardo resposta, se lhe for possível, tá bem?

Jorge Carrano disse...

Hermes,

O autor do post, para tristeza de quantos participam deste blog, deixou a vida terrena.

Não tenho a fato desejada por você.

A família do Freddy está muito abalada, ainda sob o impacto da perda.

Assim, ficaremos devendo.