12 de agosto de 2018

Meu pai

Invejo a verve de um Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros (Artur da Távola), que produziu uma crônica sempre recorrente, a respeito da figura do pai*.

Também invejo poetas populares como Sergio Bittencourt e João Nogueira que homenagearam seus pais com versos inesquecíveis, tendo este último "confessado que sem maldade, na inocência de criança de tão pouca idade, trocado mal com Deus por lhe levar seu pai."

Quer coisa mais expressiva, mais contundente, do que trocar de mal com Deus por ter ficado privado do pai? Pois foi assim que em "Espelho", o João Nogueira se expressou.

Já o Sergio Bittencourt, manifestou na canção de sua autoria "Naquela mesa", a falta do pai na mesa de refeição. Saudade de suas histórias, de seus conselhos.

Muitos outros escritores, cronistas e compositores louvaram seus pais pelo exemplo, pelas palavras de incentivo, pelos conselhos que lhes deram.


Não lembro de conselhos dados por meu pai. Mas nunca desviei meu olhar do espelho de suas atitudes, de seus exemplos: retidão de caráter, lealdade e disponibilidade para aprender.

Ele já era tido e havido como bom orador - e era mesmo - não teve constrangimento para me fazer sentar ao lado dele para transmitir meus conhecimentos básicos sobre uso da crase e colocação de pronomes.

Avançamos depois pelo grau superlativo, relativo ou absoluto. E os sintéticos e analíticos. Coisinhas básicas, alguns macetes que na época eu estava aprendendo.

Achou muito práticos e objetivos certos truques e regrinhas para bem empregar os pronomes nas orações. 

As partículas, os relativos (que, qual, etc.) atraem o pronome, logo provocarão a próclise. As palavras de sentido negativo (ninguém, nunca, não) existentes antes do verbo, também atraem  os pronomes exigindo a próclise.

E os macetes para a crase antes dos nomes de países ou cidades? Se pensarmos como seria falar da volta delas ficava fácil: venho de Portugal ou venho da Espanha. Vou a Portugal não tem crase, já vou à Espanha teria. Tudo por causa do venho de, ou venho da utilizados como recurso nas dúvidas.

Vou à Bahia porque seria venho da Bahia. Já vou a Pernambuco, porque seria venho de Pernambuco.

Tão simples e prático, para alguém que fugiu do colégio interno por medo do surto de febre amarela e não teve a chance de aprender o manejo de nosso idioma na época normal. As regras gramaticais, não a riqueza do vocabulário, um de seus recursos oratórios.

O desconhecimento das regras gramaticais não o impediu de fazer carreira em jornais, tendo exercido vários papeis, desde tipógrafo/linotipista, a revisor, copy desk (que tem papel diferente do revisor), redator e finalmente diretor.

E a explicação era fácil, pois tudo se resumia a uma questão de eufonia. Se soava bem aos ouvidos a construção estava correta, se ao contrário a concordância feria aos ouvidos então era preciso corrigir. Sem contar que a atividade de linotipista em muito contribuiu para aprendizado da correta grafia das palavras.

Fugir do colégio (interno) resultou no castigo de ter que ganhar a própria vida, imposto pelos pais. Tal fato o impediu (eram outros tempos) de chegar ao bacharelado. Exultou quando ingressei na faculdade de Direito, mas não teve a alegria de me ver formado.

Não cabe quantificar o quanto era honesto, não existem graus de honestidade, pois assim como na gravidez ou a mulher está grávida ou não está, o homem é honesto ou não é, simples assim. Não existem gradações para a honestidade. Inclusive a intelectual. Ele foi.

As provas de lealdade (não falo de fidelidade) que me deu, seja com a família, seja com amigos, seja com os funcionários que comandou (dirigiu por quatro anos o Diário Oficial do antigo Estado do Rio e Janeiro), de maneira natural (atávica, genética) balizam meu comportamento.

Tinha 23 anos de idade quando ele partiu para outros universos; hoje aos 78 anos sinto mais falta dele do que em 07 de junho de 1963, quando chorei muito, mas não tão racionalmente quanto choro agora. A dimensão da perda aumentou com a experiência da vida.

A vida não lhe permitiu a presença constante, mas o amor pela mulher e pelos filhos foram permanentes.

Não fez "bodas de prata" e nem conheceu os netos. Como fiz "bodas de ouro" e tenho netos criados, posso avaliar o quanto ficou privado de alegrias.

Que seu espírito continue seguindo seu caminho, com muita luz.

Notas:
1)Tive que estudar complementarmente a língua portuguesa com a professora Celeste, muito respeitada na época, para poder fazer o exame de ingresso na Escola Preparatória de Cadetes do Ar.
2) Hoje cometo os mais absurdos erros no manejo da língua. Não me conformo com a abolição do trema. O acordo ortográfico assinado em 16 de dezembro de 1990 (faz tempo, hein?!), deixou-me como na fase do galaico-português.
2) Meu pai fazia discurso até em aniversário de filho, com a presença apenas da família. E foi "orador oficial" de pelo menos dois clubes sociais quando havia alguma recepção ou comemoração de data festiva.
3) Faleceu por infarto fulminante, aos 57 anos.
4) A professora Rachel, antiga leitora do blog e que nos corrigia vez ou outra, faz muita falta aqui.
5) Na foto mais abaixo, aparece o filho, aqui blogueiro, de olhar fixo no seu pai e bebendo suas palavras no discurso que proferia.
6) O trabalho de um "copidesque" é mais abrangente do que o do revisor, porque vai além da ortografia podendo adicionar conteúdo e fazer a adequação à estratégia e ideologia do jornal. Acho que se não desapareceu nos órgãos de imprensa, está em vias de extinção. Exige boa cultura geral.
7) * http://intervox.nce.ufrj.br/~jobis/a-ser.html


5 comentários:

Jorge Carrano disse...

Não lembro de meu pai me contando histórias. Mas lembro que tão logo as finanças permitiram nos comprou discos coma as histórias de "João e Maria" e da "Branca de Neve".

Neste último havia um diálogo entre a rainha má e seu espelho, mais ou menos assim: "Escravo do espelho meu, surge do espaço profundo e vem dizer se há no mundo, mulher mais bela do que eu".

E o espelho retrucava com voz cavernosa: "Sim, há! "Branca de Neve".

A perversa contratava um caçador e o resto vocês já sabem...

Calfilho disse...

Carrano: muito boa a homenagem que você presta a seu pai, no dia em que eles são comemorados. Semelhante a você, também perdi o meu, naquele fatídico ano de 1963 e, por coincidência, no mesmo dia 7, com a diferença de apenas dois meses (o meu faleceu em agosto). Eu tinha 21 anos, você 23. Já havíamos saído da adolescência, ambos cursávamos Direito. Acho que causei uma grande frustração em meu pai, que era médico e achava que eu seguiria seus passos, formando-me também em medicina. Apesar de ter cursado o científico e ter feito um preparatório para o vestibular de medicina, fiz o mesmo sem nenhuma confiança em passar, o que acabou acontecendo. Senti que meu pai ficou muito decepcionado com isso. Fiz Direito apenas para ter um diploma de curso superior, sem nenhuma convicção do que estava fazendo. Aliás, reconheço, não sabia nada vida àquela época e pensava que sabia tudo. Sua morte modificou completamente meu estilo de vida até ali e me conduziu por outros caminhos até então impensados por mim. Não sei se meu pai, caso estivesse vivo, aplaudiria o que, com muito esforço, consegui obter na vida. Sempre o admirei pela coragem de ter vindo de Fortaleza para Salvador com quinze anos de idade, sozinho, e ali ter iniciado seu curso de medicina, que concluiu no Rio de Janeiro. Admirei-o por ser um dos pioneiros no combate à mortalidade infantil no país, coisa que só vim a descobrir alguns anos depois de sua morte. Guardei dele, acho que no sangue, o gosto pela França e por Paris, em especial. Só lamento não termos tido um diálogo maior, mas os costumes daqueles anos (50 e 60 do século passado) não davam mesmo muito espaço para diálogos ou conversas mais alongadas entre pais e filhos. Hoje, quando consegui chegar aos 76 anos de idade, é que sinto como ele foi importante na minha educação e na minha formação como adulto. Como me ensinou, mesmo sem eu perceber, o valor da educação, do estudo, da sinceridade e da honestidade em tudo aquilo que você faz no dia a dia... Descanse em paz, meu pai... foi muito bom ter você como espelho de vida...

Jorge Carrano disse...

Caro Amigo Carlos Lopes (Carlinhos),

Agradeço muito a você por ter escolhido este espaço virtual para homenagear seu pai, a quem tive o prazer de conhecer e até com ele trocar algumas palavras naquela comemoração de seu aniversário "emancipativo". E também quando do primeiro passeio no automóvel que ele comprou, quando vocês já moravam em São Francisco. Era o primeiro mesmo?

Bela homenagem que poderia estar em forma de post (matéria, se preferir) em seu próprio blog, do qual sou assíduo leitor.

Algumas coincidências de fatos e entre a educação que recebemos, o que não chega a ser extraordinário, eis que era o padrão da classe média nas décadas de 1940 e 1950.

Estou seguro que seu pai aplaudiria sim o que você "com esforço conseguiu conquistar na vida".

Os pais, e julgo por mim, sempre se orgulham e aplaudem as conquistas dos filhos, a despeito de vez ou outra experimentarem um gosto de decepção ou censura. Assimilados de pronto.

Como mencionei no texto faltam-me cultura, capacidade e recursos literários para colocar em palavras o significado da importância de meu pai em minha formação. Sobram sentimentos que não sei como explicitar. E reitero que ainda hoje faz muita falta.

Meus filhos teriam muito a ganhar com a presença dele.

Riva disse...

Prezados, post maravilhoso, comentários muito emocionantes.

Pai é tudo isso mesmo, no nosso caso, felizardos : amizade, norte, educação, mestre, ética, consultor, e emoção.

A crônica do "Artur da Távola" me arrasa até hoje, me despedaça. É mega direta !

Sinto muita falta do meu pai, muita saudade mesmo. Como o queria por perto, acompanhando pelo menos grande parte da minha vida e dos meus filhos.

Mas não pôde ser assim, muito menos com vocês.

É assim, fazer o que ..... um super domingo dos Pais par todos nós.

Jorge Carrano disse...

Valeu, Riva!

Repito o que escrevi sobre o comentário do Carlinhos. Nós fomos criados sob os mesmos valores, o mesmo respeito, o mesmo afeto, a mesma liberdade vigiada.

Nossos pais eram de uma cepa especial.