24 de agosto de 2018

DESAPARECER ..... devagar







Por
RIVA






Há muito desejava escrever sobre o assunto, mas não sabia se devia, se as pessoas aceitariam ler sobre .... a maioria evita o assunto  morte por crenças, superstição, receios e desinformação ou falta de vivência no evento.

Já passei por muitos eventos de falecimentos. Nos primeiros eu era muito jovem, quando faleceram meus avós .....na minha cabeça era uma coisa normal, do envelhecimento, do cronograma natural do ser humano. Alguma exceção para minha avó materna, que foi realmente minha mãe (já expliquei o porque em outros posts), pois foi definhando após duas quedas e fraturas de fêmur.

E de repente começaram eventos mais relevantes, muito mais ... a passagem do meu pai e da minha sogra querida. Forte demais. Aquele puta sentimento de perda.

Alguns anos depois, meu querido sogro também partiu, mas não foi uma coisa súbita, mais ou menos, e minha mãe, mais do que esperado. Sei lá, estou escrevendo em cima do que hoje sinto como foi ..... exceção para a inesperada morte do meu pai e da minha sogra, os outros fatos foram mais ou menos gerenciáveis emocionalmente. Perdas tipo “sei que vai rolar”!

Então, sempre pensei o desaparecimento como uma linha natural do tempo, até vivenciar a morte do filho de um amigo do futebol do ABEL, com apenas 21 anos, em um desastre de automóvel. Uma cena devastadora no velório. A inversão da linha do tempo ... FODA !

E aí você cai na real da sua pequenez defronte ao TODO ........

Já faz tempo que isso aconteceu, mas essa avaliação, essa tentativa de entender tudo isso, passa pela minha cabeça, me amedronta. Minha pequenez.

Por que estou teclando aqui sobre tudo isso ? Porque o falecimento do Freddy, meu irmão, foi um divisor de águas em minha vida em relação à morte. Não tenho explicação para isso. Mas foi, fato.

Escrevi no Facebook sobre a minha imensa perda :
CARLOS PARTIU ....meu irmão amado partiu. E com ele levou pra si nossas lembranças de uma infância, adolescência e maturidade rica em semelhanças e diferenças.
Compartilhamos por mais de 20 anos as mesmas 4 paredes, suas marcas e cicatrizes de alegrias e tristezas, que fazem parte do nosso crescimento e formação como pessoas.
E a vida nos conduziu por mais 40 anos, muito próximos.
Eu só tenho que agradecer ao Cara Lá de Cima ter-me proporcionado nascer e me desenvolver ao lado de um cara como ele, pois nossas semelhanças e diferenças naturais foram um combustível para o nosso crescimento como crianças, como garotos e como homens.
Mas partiu, precocemente, e isso dói muito para quem fica aqui, muito mesmo.
Não sei se doeu para ele, mas acredito pelos últimos momentos e expressões dele que não doeu, que estava consciente de uma passagem normal e tranquila espiritualmente, cercado por pessoas especiais em sua vida.
É o que creio, e o que vi em seu rosto na véspera da sua passagem, especialmente com meus filhos Rodrigo e Paulinho.
Sei que o tempo vai acalmar tudo isso, por experiência própria com meus queridos pais, avós e meus amados sogros. Ficam os momentos maravilhosos que compartilhamos, fica a IMENSA saudade de tudo que fizemos, e aquela culpa pelo que não fizemos, naturalmente, é sempre assim ....
Neto, jogador da Chapecoense sobrevivente da tragédia, na 3ª feira passada, nos enviou a seguinte significativa mensagem : Não esperem o avião cair para dizer EU TE AMO.
Irmão, te amamos demais. Muita LUZ pra você nesse novo caminho. Saudades eternas.
Paulo, Isa, Rodrigo, Breno e Paulinho

Acompanhei, à distância, a vigília do Freddy diante dos fatos, um cara mega inteligente, informado, que sabia o que o esperava. Enfrentou TUDO com uma altivez impressionante, mandando fotos alegres do seu tratamento da doença, recebendo amigos e parentes em casa para os acepipes e bate-papo que foram uma marca em sua vida social, com todas as suas limitações.

No hospital, na última estada, pouco falava...sentia, escutava tudo, e lembro das suas palavras ao olhar o entorno da sua cama : “amigos !”, falou pra mim.  Revivo seu olhar quando viu meu filho Paulinho adentrar o quarto do hospital para visitá-lo ... que alegria em seu olhar. Nunca vou apagar da minha memória essa imagem ....

Enfrentou a situação, por ele mais que conhecida, com coragem, força, naturalidade do inevitável .... sim, naturalidade. E isso mexeu demais comigo, me modificou em relação a tudo isso, me fortaleceu, me confortou frente ao inevitável, em qualquer forma que venha.

Desaparecer .... o livro mais vendido no Brasil hoje é algo tipo a A SUTIL ARTE DO FODA-SE.

Sim, que se foda preocupação com o sol, a chuva, a SKY, o Congresso, o Lula, o IPTU, o trânsito, o dólar, o Trump, etc, etc ......

Vivam a VIDA, com naturalidade, muita mesmo, devagar ......

Segue uma foto da nossa última jam session na casa dele.


  

11 comentários:

Jorge Carrano disse...

Conheci primeiro o Riva, autor do post, através do Salvatore Noce, na administradora de condomínios deste último.
Depois, num dado dia, o Riva (Paulo March), apareceu no escritório onde eu atendia (fundos da sala 521, do Ed. Center IV, na Gavião Peixoto), por cortesia do Salvatore, acompanho do irmão – Carlos Frederico.
Apresentados uma das primeiras coisas que o Carlos Frederico (Freddy) perguntou foi quanto custaria uma assistência jurídica permanente. Ele achava chic nas hipóteses de quaisquer controvérsias ou entreveros, o sujeito pegar um cartão-de-visitas de seu advogado e dizer para a parte adversa se entender com ele.
Isso valeria para acidentes no trânsito, discórdia com vizinhos, enfim qualquer conflito de interesses que exigisse a presença de um advogado para assumir os transtornos e solucioná-los.
Claro que era uma pergunta que exigiria maiores indagações para ser respondida. Logo, por conta da natureza da visita, ficou sem resposta.
Assim era o Freddy. Prevenido, cauteloso, prudente, queria antever e prevenir eventuais problemas trabalhistas com as cuidadoras de sua mãe, que acabara de falecer. Esse era o tema da conversa que teríamos no dia, por isso ele acompanhou o Riva – seu irmão - na consulta.
Elegante e sofisticado. Apreciador da boa mesa e de bons vinhos. Viajado. Pai e esposo dedicado. Preocupado com família.
Nossa relação cliente/advogado sempre foi pautada pelo respeito e lealdade. O mesmo não se diga em relação a nossa convivência social, que se seguiu depois daquele primeiro contato profissional. Tivemos conflitos de opinião, de visão do mundo, divergências políticas. Mas tudo dentro dos limites do aceitável, da urbanidade.
Tínhamos, outrossim, muitos pontos de contato harmonioso. Torcida pelo Vasco, gosto pelo bom vinho (nos limites de nossas posses), e a música.
Quando fui visita-lo no hospital, pareceu-me em plena recuperação. Disposto e falante como de hábito. Nâo estava preso ao leito.
Nem me preocupei em voltar a visita-lo no hospital, seguro de que sua alta era questão de minutos.
A notícia de seu óbito pegou-me desprevenido. Foi um processo muito rápido. Levei um susto com a notícia. Não fui ao velório e sepultamento. Raramente vou.
Mas a perda de seu contato, ultimamente mais virtual, ainda é doida. RIP.

Riva disse...

Amigo Carrano, grato pelas palavras sobre o Freddy.

Era exatamente assim, e essas diferenças entre eu e ele (eram muitas mesmo) nos mais de 60 anos de convívio nos construíram como irmãos, como pessoas.

Saudade. Muita.

Jorge Carrano disse...

Alguns dos melhores posts deste blog, bem assim alguns dos mais oportunos, inteligente e curiosos comentários são da lavra do Carlos Frederico Marques Barroso March (Freddy).

Músico amador; astrônomo diletante, estava sempre antenado nas coisas do Cosmos; amante da arte fotográfica, aqui publicou várias de seus registros.

Os drones ainda eram desconhecidos do grande público e o Freddy já escrevia sobre eles aqui neste espaço.

Foi o melhor "relações públicas" que a cidade de Gramado já teve.

Era um dos mais assíduos frequentadores do blog. Pela moda antiga todo final de ano receberia calendário (folhinha), ou agenda, canetinha, chaveirinho ou coisas do gênero, que era como as empresas, no passado, presenteavam seus clientes mais fieis (rsrsrs).

Riva disse...

Vc mencionou "todo final de ano" .... que era justamente o aniversário dele, em 1º de janeiro, sempre muito comemorado com comes e bebes.

Freddy adorava receber as pessoas em casa. Chegou a construir uma "boate" na cobertura do seu apartamento para fazer suas festas. As de Halloween eram fantásticas !

Muitas recordações desses encontros.

A título de curiosidade, certa vez Freddy fez uma degustação de cervejas, com muito critério, para ao final vermos a cerveja vencedora. Tinha um grupo grande de mulheres e homens, as cervejas vinham sem sabermos a marca e íamos marcando as notas numa cartela.

Incrivelmente a marca vencedora ao gosto dos presentes foi uma cerveja que todo mundo sacaneava no mercado, por ser fraca e ruim, com baixas vendas (vou ocultar o nome).

Não satisfeito, algum tempo depois repetiu a degustação .... a mesma cerveja venceu !

A conclusão a que chegamos na época foi como o marketing é poderoso, força o gosto das pessoas e as vendas ...impressionante.


Jorge Carrano disse...

Quer exemplo melhor do que Coca-Cola?

Cáustica, corrosiva, insuportável sem muito gelo e sem o gás.

Vende horrores, mundo afora. Tudo graças ao "Beba Coca-Cola" que nos massacrava.

Andando pelas ruas, em cada bar ou botequim, a indefectível placa vermelha, arredondada, colocada na transversal: BEBA COCA-COLA.

Tendo sede e entrando no bar era imperioso pedir Coca-Cola.

Jorge Carrano disse...

Mencionei o Freddy como apaixonado por Gramado, mas não que era um gourmet e gourmand de primeira linha.


No link a seguir (que você deverá selecionar a colar na barra do navegador) encontrará as duas referências: o relações públicas da cidade e o amante da boa mesa.

https://jorgecarrano.blogspot.com/2014/06/impressoes-de-viajante-gramado-5.html

Riva disse...

Carrano, amigo, como eu previa, as pessoas não gostam do assunto. Obrigado pela força.
Pra finalizar, parte de um texto muito bom do Jabor de 22 Janeiro 2013 ...

Gilberto Gil fez uma música genial sobre a morte, onde ele canta, numa toada fúnebre:

"A morte já é depois/ já não haverá ninguém/ como eu aqui agora/ pensando sobre o além. / Já não haverá o além/ o além já será então/ não terei pé nem cabeça/ nem fígado, nem pulmão/ como poderei ter medo/ se não terei coração?" É isso. Só se pode falar da morte pela ausência. Nós apenas saímos do ar. Desaparecemos.

A morte só tem "antes", não tem "depois" - no Ivan Ilitch, do Tolstoi, quando ela chega, acaba o conto. Ele diz no instante final: "A morte acabou". Dizem que o Muhammad Atta, o terrorista que comandou o ataque às torres de NY, era ateu, mas queria conhecer aquele instante que separava o avião da torre erguida. A morte não está nem aí para nós; ela tem "vida própria". A gente vai para um lado, o corpo para o outro. Ela nos ignora, nossos méritos, nossas obras. Mais um lugarzinho comum: "Só nos resta viver da melhor maneira possível até o fim. Tem mais é que curtir, gente boa..." Pois é; há muitos anos, pegou fogo no edifício Joelma em São Paulo, torrando dezenas de infelizes. Do prédio em frente, as teleobjetivas fotografaram todas as agonias. Até hoje, lembro-me da foto em cores de um homem de terno, pastinha 007, agachado numa janela do 20.º andar, com o fogo às costas. Seu rosto mostrava a dúvida: "O que é melhor para mim? Morrer queimado ou me jogar?" Ele curtiu até o fim - e se jogou.

O que me chateia é ficar desatualizado. As notícias vão rolar e eu nada saberei. Haverá crises mundiais, filmes que estreiam, músicas novas, e eu ficarei lá embaixo, sem saber das novidades. É insuportável a desinformação dos falecidos.

Não terei saudades de grandes amores, de megashows da vida de hoje, excessiva e incessante. Não. Debaixo da terra, terei saudades de irrelevâncias essenciais, terei saudades de algumas tardes nubladas de domingo que só o carioca percebe, tudo parado, com os urubus dormindo na perna do vento, como dizia o sempre presente Tom, do radinho do porteiro ouvindo o jogo, terei saudades do cafezinho nas beiras dos botequins, de certos tons de roxo e rosa em Ipanema antes da noite cair, saudades do cafajestismo poético dos cariocas, saudades dos raros instantes sem medo ou culpa, de alguns momentos de felicidade profunda, sem motivo, apenas pela gratidão de respirar. Não terei saudades dos fatos e notícias, nada do mundo febril; só a quietude, o silêncio entre amigos na paz de um bar, papos de cinéfilo, risos proletários e camaradagem de subúrbio, do samba que nos envolve nas rodas pobres com a alegre sabedoria da desesperança, da Lapa, da Av. Paulista de noite, do jazz, pernas cruzadas de mulheres inatingíveis, terrenos baldios de minha infância, saudades da literatura, do prazer da arte, Fellini, Shakespeare, de Cantando na Chuva - o maior hino da alegria americana, saudades de Fred Astaire dançando Begin the Beguine com Eleanor Powell, felizes para sempre dentro do universo estrelado.

Há várias mortes. Há brutas tragédias, fomes e bombas, horrendos desastres, mas, na morte óbvia, comum, caseira, só temos duas escolhas: súbita ou lenta.

Você, frágil leitor, qual delas prefere? O rápido apagar do "abajur lilás" de um ataque cardíaco ou o lento esvair da vida, sumindo com morfina? Se eu pudesse escolher, queria morrer como o velho Zorba, o grego, em pé, na janela, olhando a paisagem iluminada pelo sol da manhã. E, como ele, dando um berro de despedida.

Jorge Carrano disse...




✌✌✌✌✌








Flávia March disse...

Texto bonito. Continuo processando a perda do meu pai dia a dia. Com certeza foi um divisor de águas para mim...
Eu não sei dizer qual era a minha relação com a morte antes de tudo. Mas sinto que agora sou um pouco mais "pedra". Já não me assusta mais tanto, pois acredito que nada será tão forte em minha vida qto tudo que aconteceu, da forma que aconteceu. Assim espero. E a gente continua tendo gratidão à nossa existência aqui nesse plano, elaborando os acontecimentos, evoluindo como seres humanos, tentando transformar dor em amor. No final das contas, o amor é o que importa nessa jornada. Que a gente não se esqueça disso! Que a gente não se perca em nossa imensa pequenez. Beijos!

Leonard disse...




Caro Sr. Paulo. Seu texto é de uma sensibilidade e clareza encantadoras.Lamento não ter lido as postagens de seu irmão, que, pelo louvor, deve ter sido um homem de bem.
Entendo as angústias que a morte traz, embora não as sinta.

Cheguei num estágio em que o futuro em vida não me estimula.

Deixo fluir, como o senhor sempre diz. Aproveito o que de bom o presente me permite e acalento uma imensa curiosidade sobre o outro lado.

Quem terá razão? Qual teoria filosófica ou religiosa se aproxima da verdade. Existe vida? Existe o nada?

Minha ansiedade é grande e, se

me for permitido mandarei notícias.

Riva disse...

Leonard, grato pelas palavras.

Já me é imensamente complicado admitir o infinito.
Sim, eu também, uma imensa curiosidade.

Saudações !