21 de janeiro de 2018

É pau, é pedra ...

Pedindo licença ao festejado dramaturgo, cronista e jornalista Nelson Rodrigues, diria que até as pedras que compõem o calçadão de Icaraí já sabem e se acostumaram com minhas caminhadas.

Por vezes sozinho, mas geralmente acompanhado. Nesta cujo episódio vou narrar, estava acompanhado de meu filho Ricardo.

Paramos para a água de coco. Ouço o dono, mal-humorado, o de folhas e alguns pedúnculos de flores das amendoeiras sobre a cobertura do quiosque: “amendoeiras aqui são um absurdo, deveriam plantar coqueiros como no nordeste. Todo dia cai alguma coisa e tenho que limpar.”

Ora vejam só, ao invés de ser grato pela localização de seu quiosque ser debaixo da amendoeira, o que lhe garante sombra e frescor, fica maldizendo a árvore.

Árvore que já estava ali muito antes dele pensar em ter ali um ponto de venda de água de coco, o que por si já é uma privilégio, negado a muitos outros. Ademais disto as amendoeiras conferem à orla um charme especial, com o qual nós moradores nos acostumamos e valorizamos.

Ignora por completo o “quiosqueiro” que as praias do nordeste, e outras paradisíacas mundo afora, têm coqueiros por obra e graça da natureza. As correntes marítimas se encarregam do trabalho.

Contestei a opinião dele por força do hábito, mas tinha assuntos mais relevantes a conversar com meu filho e atalhei o assunto indo sentar para beber em paz a água do coco, geladinha e refrescante. Além de absolutamente saudável.

E como um assunto em geral puxa outro, por falar em natureza, uma das minhas muitas idiossincrasias é o respeito e o amor a natureza.

Ateu não praticante, se fosse o caso de escolher uma divindade para adorar, seria a natureza.

Se o Deus bíblico é onipresente, a natureza também é. Suas regras são tão ininteligíveis quanto as de Deus. Afinal se Ele escreve certo por linhas tortas, a natureza destrói com vulcões, tsunamis e outras manifestações incontroláveis, mas que também conduzem à evolução, de um modo ou outro.

Suas regras são engenhosas, com mutações e adaptações/evoluções frequentes que estão em sua essência, para não escrever em sua natureza.

E não é que um ambientalista destes xiítas faz um comentário e pede uma providência contra um ato espontâneo (perdão pela redundância) da natureza?  Escrevo ambientalista por não lembrar exatamente o que o faz na vida o inconformado com manifestações da natureza.

Seria botânico, engenheiro florestal, geólogo, ou o quê? Algo do gênero para se outorgar o direito de fazer recomendações à administração municipal. Poderia ser um mero palpiteiro, mas se bem me lembro da matéria publicada, trata-se de alguém com um canudo de papel.

Pedra de Itapuca, com Icarai ao fundo
Mas vamos aos fatos. Sabemos todos que as pedras de Itapuca e do Índio, entre Icaraí e Flexas (sic), eram referências, símbolos da cidade, antes da inauguração do MAC, na Boa Viagem.

Não é que nasceu e vem se desenvolvendo um arbusto da pedra de Itapuca.  Ora, brotar e crescer sobre uma pedra, não é coisa para qualquer espécie vegetal.

Arbusto na pedra de Itapuca, visto de frente
O mencionado “profissional” acha que são necessárias providências porque o tipo de rocha, assim ou assado, poderá sofrer fratura, comprometendo sua integridade.

Não é muita falta do que fazer não? E ainda exigir da municipalidade que deixe de lado outras intervenções,  estas sim importantes, para agir na disputa entre uma rocha (pedra) e um arbusto?

E aí chego ao seguinte ponto: cabe valorizar se a preservação da pedra é mais importante do que a vida do arbusto? Ele quer que seja cortada a pequena árvore, um ser vivo, em prol da pedra inanimada?

E por derradeiro, será que ele tem uma sugestão para evitar a erosão provocada pela ação mecânica  do movimento do mar (ondas) e do vento (eólica)? 

Este desgaste natural, a erosão provocada pelos fatores mencionados - ventos e ondas do mar - foi responsável pela descaracterização da vizinha Pedra do Índio, que hoje não nos remete à imagem do perfil de um índio, como no passado mais remoto, quando foi batizada.

  

Nota do autor: Icaraí, Flexas e Boa Viagem são praias contíguas em Niterói. E MAC é o Museu de Arte Contemporânea. 

É pau, é pedra, são as palavras iniciais da antológica "Água de março", do Tom Jobim. Apropriadas no caso colocado no texto.

Um comentário:

Jorge Carrano disse...

Dilma pensou em estocar vento.