Alguém ainda escreve cartas? Acho que nestes tempos de
WhatsApp, e-mails, SMS via celulares, torpedos e tudo o mais que deve existir e
eu desconheço, ninguém mais escreve cartas.
Aguardar ansioso a chegada do carteiro porque já faz mais de
duas semanas que não recebo carta da namorada.
Não mais.
Pois eu e Wanda, minha mulher, quando nos casamos acabamos
por reunir as 425 cartas que trocamos durante o período de namoro, ela em Cachoeiro
de Itapemirim – ES, e eu em Niterói –
RJ.
Hoje lamentamos muito termos desapegado, quando de uma das
muitas mudanças de residência ao longo dos 53 anos de casados.
Ainda nos lembramos de uma ou outra, mas não podemos documentar
quando nas reuniões de família nos referimos a elas. Os filhos acreditam e riem,
mas seria bom se as tivéssemos conservado.
1961 |
Numa, por exemplo, fiz uma brincadeira que ela muito depois confessou
tê-la abalado. Namorado e bobo, com perdão pela redundância, nas raras vezes em
que pude ir até Cachoeiro para namorar, costumava cantar o bolero “Besame Mucho”
ou alguma canção do repertório de Frank Sinatra. Sim, tinha a cara de pau de cantar
em inglês. Passeávamos na Praça Jerônimo Monteiro, no centro da cidade capixaba,
de mãos dadas.
Pois bem, certa feita, resolvi fazer uma brincadeira e comecei
a carta pedindo desculpas por não ter tido a coragem de confessar a ela no
último encontro pessoal, que estava muito chateado por estar enganando a ela
por tanto tempo e que era chegado o momento de assumir e contar a verdade.
Aqui simplifiquei, mas na dita carta me alonguei nas
considerações ambíguas até que ao final da missiva (outro nome que se dava à
carta), acabava por confessar: acredite que não sou o Frank Sinatra.
1961 |
Na viagem que fiz a seguir ela não admitiu, nem comentou
sobre a carta, mas Solange, sua irmã caçula, entregou que ela em meio a leitura,
pressupondo tratar-se de um rompimento, caiu em prantos, manchando a carta
manuscrita. Quando nos casamos e juntamos os nossos trapinhos e cartas, lá
estava ela manchada por lágrimas vertidas durante a leitura, antes de chegar ao
final.
Depois, recomposta, retomou a leitura e foi até o final
quando aliviada verificou se tratar de uma pegadinha. Hoje admite que se
assustou.
Quando de outra feita ela escreveu lamentando ficar tanto
tempo sem receber uma carta, e quando finalmente chegava eu terminava enviando
um beijo e pronto.
Se ela achava pouco um beijo que fiz? Na máquina Remington de meu pai, e utilizando
aquele tipo de papel cópia, que era fino e sedoso, tive a paciência de
datilografar uma centena de vezes a palavra beijo e recortei uma a uma.
Coloquei num envelope aquele montinho de pequenos pedaços de
papel recortados, envelopei e postei para a Rua 25 de março, 65, em Cachoeiro,
que era o endereço dela na cidade.
Quando ela abriu o envelope caíram muitos beijos, escritos em
minúsculos pedacinhos de papel fino. Não poderia se queixar de receber apenas
um ao final de cada carta.
Não há problema em divulgar este endereço porque atualmente a
casa não mais existe e em seu lugar construíram uma praça, que fica na
cabeceira de uma das pontes sobre o rio que dá nome a cidade.
Em muitas outras fazíamos planos ou trocávamos palavras
amorosas. Havia um poeta, que era muito conhecido na época por seus versos
melosos, por sua obra lírica, sempre impregnada de romantismo, chamado J. G. de
Araújo Jorge.
Sua poesia era muito apreciada pelos jovens, em especial os
mais românticos. Pois bem, minha namorada, hoje esposa e mãe de meus filhos,
vez ou outra inseria um poema do J.G de Araújo Jorge, reputado pela elite
cultural do Liceu Nilo Peçanha como cafona.
Mal comparando era tido e havido como um poeta menor, por seu
estilo, assim como Paulo Coelho é reputado um escritor menor, pelo conteúdo de
seus textos.
Terei que retomar (é uma ameaça) o tema cartas, porque
divaguei e nem tangenciei o que pretendia escrever sobre as cartas enviadas às
redações de jornais e revistas. Sou leitor assíduo e hoje um pouco menos, mas
no passado um compulsivo remetente de cartas para as redações.
Imagens: carteiro e mail box obtidas na WEB. O casal de namorados, na praça e na ilha (onde existia a fábrica de pios de pássaros), em meio ao namoro, iniciado em 1959.
Imagens: carteiro e mail box obtidas na WEB. O casal de namorados, na praça e na ilha (onde existia a fábrica de pios de pássaros), em meio ao namoro, iniciado em 1959.
17 comentários:
Malgrado criticas preconceituosas tanto o poeta J.G. de Araújo Jorge, quanto o mago Paulo Coelho foram e são sucesso popular e venderam muito livros.
Será que uma adolescente romântica - especie em extinção - resolvesse comprar papel de carta perfumado, encontraria em alguma papelaria?
E encontrando enviaria a carta para o namoradinho? Que diria na carta? Seria com 42 caracteres? Usaria Emojis?
E o destinatário, o que faria?
Wanda pediu para retificar o texto. Foram 353 cartas em 4 anos de namoro e noivado.
Reunidas após nosso casamento ocupavam uma grande caixa de papelão. Por isso resolvemos incinerar quando mudamos, a primeira vez, para São Paulo.
Muito bom texto, Carrano, que nos remete à uma época dourada, que, infelizmente, não existe mais. Nunca fui fã de poesia, por isso não tenho opinião formada sobre o J.G.de Araújo Jorge, apesar dele ter sido muito conhecido nos anos 50/60.
As meninas do "Clube de Francês" , no Liceu, preferiam - ou pelo menos assim diziam - Baudelaire, Verlaine, Mallarmé, Musset, Rimbaud e outros do mesmo naipe.
Bacana, muito legal o post.
Fui também muito ligado à escrita de cartas.
Quando garoto, tinha o endereço de várias empresas de aviação e de fabricantes de avião no exterior (óbvio), e mandava cartas esperando receber fotografias das máquinas voadoras ... e recebia. Lembro como ficava no muro da minha casa esperando a passagem do carteiro, ansioso por respostas.
Tenho ainda todas as cartas enviadas/recebidas de meus pais e amigos quando fui para os EUA em 1969, num intercâmbio cultural chamado Partners of Alliance.
Mas não posso deixar passar em branco - não sei se já comentei por aqui - que jogava partidas de XADREZ com um primo da minha esposa, de Brasília !! Cada movimento, uma carta !!!!! rsrsrsrs
Bons tempos, inacreditável conversar hoje sobre isso com a nova geração ...
PS : que venham os belgas !
Não sei, Carrano. Naquele tempo me preocupava muito mais com o Grêmio do que o "Clube de Francês". Pena, pois a França tornou-se meu país favorito quando adulto.
E tem o seguinte, Riva, os selos alimentavam nossas incipientes coleções.
Trocar correspondência com amigos e parentes no exterior tinha também esta vantegem.
Eu também curtia escrever cartas. Asuashuashua. Era moda arranjar correspondentes em outros países. As revistas publicavam endereços de jovens de vários lugares. Era uma rede social. Ashuashuashua.
Esse poeta era o preferido de minha mãe. Eu nessa época ainda estava no poleiro dos anjos (como disse João Ubaldo). Ashuadhuashua
Mandou bem, Kayla, citando João Ubaldo Ribeiro, um de meus autores nacionais preferidos.
Eu escrevi centenas de cartas na minha vida. Era a maneira mais eficaz de comunicação visto que nem todos possuiam telefones.
Durante pelo menos um ano, a pedido de um amigo de meu pai e com sua aquiecência, me correspondi com um subtenente do exército que estava servindo em Suez. O militar não tinha parentes e as minhas cartas eram uma ligação com o Brasil.
Quanto ao JG de Araújo Jorge, deve confessar que ainda sou fã de suas poesias. Maior que a minha era a admiração de minha irmã Sara pelo poeta. Tinha vários de seus livros e os relia com prazer.
Lembro deste fato, Ana Maria. E lembro do tapete que ele trouxe para mamãe, e que ela mandou emoldurar.
Numa Copa sem Alemanha, Argentina, Espanha, além das que nem lá chegaram, como Itália e Holanda, tudo pode acontecer. Inclusive a Russia conquista-la.
Mas a meu juízo os dois jogos de hoje, às 11 e às 15 horas, definirão a seleção campeã. Destes confrontos deverá emergir a campeã.
A outra chave, com Russia, Inglaterra, Suécia e Croácia é mais fraca.
Vamos aguardar. Falta pouco.
Engraçado eu ser um devorador de livros, já compus quase 100 músicas (melodia e letra) e nunca comprei um livro de poesias. Na verdade, nunca li um sequer, inteiro. No máximo abrir aqui e ali e ler alguma delas.
Não tenho explicação pra isso, apenas não gosto de ler poesias, embora, gosto de muitas letras de músicas, que são poesias.
Quanto à Copa, já dei meu palpite para as semi : Brasil x França e Inglaterra x Russia. Mas .... mata mata é cruel, favorece times ruins.
O Uruguai hoje foi uma piada de time, e a França não jogou bem, mas fez o suficiente para ganhar, com muita facilidade.
Oi Jorge!
Esse tema tanto me toca... Cresci escrevendo cartas. Éramos cobrados de nossos pais a escrever cartas para tios, avós, primos....Na escola, também fomos incentivados pelas professoras de línguas a fazer intercâmbios, com estudantes de outros países. A cobrança dos pais nada mais era que um convite a cultura, pois tínhamos que descrever novidades da terra nova como morada, um convite ao estudo da geografia, um passeio pelas regras gramaticais.
Então, pra mim foi fácil trocar correspondências por mais de 10 anos com amigos e parentes.
Mas respondendo a sua pergunta no começo de seu texto. Não acredito que hoje se faça um ato comum e normal as cartas. Tirando cobranças... Infelizmente não leio, não mando. Em meio a essa era tecnológica informatizada, rara a pessoa que ainda escreve e recebe. Rara e abençoada.
Uma vez deixei um texto aqui sobre as cartas... Elas me fizeram tão bem na vida, que ainda sinto meu coração palpitar quando vem a lembrança do "meu" carteiro Seu Rocha...mesmo passado mais de 25 anos...
Que tempo bom. Agradeço a Deus por todos os instantes vividos de outrora. Eu tive essa experiência. E guardo até hoje uma parte das cartas.
Quem sabe vira livro?
Adoro sua sensibilidade.
Bjs na Wanda. Bjs em vc!
Li certa vez um poema de J.G. de Araújo Jorge que me encantou por seu romantismo. Era mais ou menos assim.
"Vês aquele lago, água fria, parada e sem encanto, que lindo parece ao refletir os céus?
É por isso que gostas dos meus olhos. Não percebes que ao fitá-los neles vês sem querer o reflexo dos teus."
😂😂😂😂👏👏👏👏
Carrano, creio que escrevi poucas cartas em toda minha vida, salvo algumas que enviei de algumas viagens ao exterior para minha mãe. No que diz respeito ao poeta J. G. de Araújo Jorge, apesar de seu prestígio entre os jovens na época, nunca li um só de seus poemas. O meu poeta preferido era, já na décadade 70, Michel Quoist, especialmente o seu "Poemas para rezar".
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