Na época em que as pessoas trocavam cartas, por ser este o meio disponível e usual de envio e recebimento de mensagens, inclusive comerciais, existiam clichês, padrões redacionais que eram obedecidos, seja porque protocolares, seja porque não exigia criatividade, esforço mental dos missivistas.
Entre namorados, as cartas eram abertas com "espero que estas mal traçadas linhas" a encontre com saúde e paz.
Os carteiros eram aguardados com ansiedade e nas pequenas cidades, onde eles eram conhecidos e conheciam a maior parte dos habitantes, informavam às donzelas que naquele dia não tinha correspondência para elas.
Minha mulher, que morava distante, em Cachoeiro de Itapemirim, relatou algumas vezes sua frustração por não receber carta minha com a regularidade que gostaria. E que o carteiro já acenava negativamente, à distância, quando não havia correspondência para ela.
Sim, havia os telegramas, mensagens de poucas palavras (como no Twitter), porque eram altamente tarifadas, e eram utilizadas em ocasiões especiais, tais como óbitos de amigos e parentes e casamentos quando não era possível comparecer.
Para quem estava casando o telegrama tinha início com a massificada frase: "desejamos aos jovens nubentes, uma união plena de alegrias e realizações".
Deixe-me explicar porque trato hoje deste tema. Sendo aniversário de uma sobrinha, que mora em Maricá, fiquei tentado a enviar um e-mail (não uso ZAP) com uma mensagem absolutamente objetiva, sintética, que exprimia todo o sentimento, e que de um tempo a esta parte é considerado cafonice, Dizia-se, simplesmente: "tudo de bom para você". Quer mais abrangente, mas condensado?
Acabei não utilizando o chavão, e fiz uma gracinha, mas quase cravei: "que esta data se reproduza por muitos e muitos anos", também clichê.
Para os parentes e familiares de amigos obituados, o telegrama clássico tinha início assim: "consternados com a dolorosa notícia, enviamos a digníssima família nossos mais profundos sentimentos". Custaria caro, para os padrões da época, porque estava longo demais o texto. Idealmente, sob o ponto de vista financeiro, seria melhor : "recebam nossos pêsames". Cada palavra a menos era uma economia boa.
As pessoas escreviam "no correr da pena", sem revisão, porque implicaria em rabiscar o papel e não era de bom tom uma mensagem com rasuras ou entrelinhas, senão quando havia muita intimidade. O sentimento e a emoção ficavam mais espontâneos, menos racionais e refletidos.
E as palavras que com o tempo caíram em desuso, e cujo significado, para os da geração atual, precisa ser esclarecido?
Querem exemplos? Amuado, que corresponde ao nosso aborrecido. E aquelas que não se usam porque correspondiam a coisas que caíram em desuso, como anágua, peça de vestuário feminino.
Querem exemplos? Amuado, que corresponde ao nosso aborrecido. E aquelas que não se usam porque correspondiam a coisas que caíram em desuso, como anágua, peça de vestuário feminino.
O plágio era descarado. Quantas moçoilas usavam versos (frases) de poesias conhecidas para enriquecer suas cartas. O poeta J. G. de Araújo Jorge, tinha muitos versos seus utilizados, sem que fosse dado o respectivo crédito. Ele era popular entre jovens estudantes apaixonados.
Até mesmo no âmbito profissional, a cópia, o plágio, eram desmedidamente usados. Advogados recém-saídos das faculdades recorriam a Yara Muller Leite, em seu "Como requerer em juízo", para peticionar. Este livro hoje está condenado à poeira de prateleiras de sebos, ao preço de R$ 5,00.
Atualmente o Google está aí mesmo com um vasto e rico repertório de modelos de petições e recursos judiciais. Utilíssimos nestes tempos de Faculdades de Direito que brotam como cogumelos em várias cidades, e admitem alunos sem qualquer critério, dispensando testes ou simulando avaliações que não serão referência, senão o carnê de pagamento das mensalidades.
Comecei com um tema e acabei, "no correr da pena", nesta crítica ao nível do ensino superior. O que tem de bacharel em Direito analfabeto atuando, a despeito do exame da OAB, é de "corar os anjos de pedra da paróquia."