16 de março de 2012

Onde está a fábrica?

Por
Jorge Carrano
http://www.tauvirtual.com.br/

Nos últimos dois séculos, vimos o surgimento e o apogeu do modelo econômico baseado na produção fabril de mercadorias. Com o tempo, indústrias enormes, que empregavam milhares de pessoas, começaram a se automatizar, incluir sistemas de informação e robôs de diversos níveis de sofisticação naquela que havia sido a linha de montagem idealizada por Ford.

Nos últimos 30 anos, aproximadamente, tivemos uma mudança importante no modelo econômico, resultado direto do processo de globalização e do avanço dos computadores em nossos espaços de trabalho e privado, turbinado pelo surgimento da internet e suas consequências diretas, como as redes sociais.

Aparentemente, podemos imaginar tratar-se de uma mera evolução tecnológica, mas há outros aspectos mais interessantes. Vamos a dois deles.

O primeiro tem a ver com a relação dos empregados com o ambiente de trabalho. No modelo tradicional de produção industrial, você precisa levar os trabalhadores até a fábrica, estabelecer horários, turnos, cartões de ponto, refeitórios e outras características ainda presentes nas fábricas de todo o mundo. Nesse modelo, a separação entre público e privado era fácil. O uniforme, por exemplo, servia para marcar esse espaço. Ao chegar à fábrica, coloque o uniforme, pois uniformes também eram as mercadorias, produzidas em massa, anunciadas por meios de comunicação de massa, para os trabalhadores em geral, também chamados de “a massa”.

Numa sociedade onde o produto principal pode ser uma ideia, software ou projeto, concebido na mente e “fabricado” no interior de uma placa de computador, turbinada por chips cada vez mais potentes, a distinção entre público e privado é a primeira a desaparecer.

Já há algum tempo, os horários de trabalho e lazer se confundem. Você pode assistir a um vídeo engraçado no You Tube enquanto está no escritório, mas também atende a ligação do chefe no smartphone quando está em casa. O espaço de trabalho e lazer estão misturados porque o motor dessa nova forma de produção é o cérebro. A fábrica, assim, está onde você estiver. Parafraseando o Cinema Novo, seria algo como “um smartphone na mão e uma ideia na cabeça”.

O outro aspecto diz respeito à conscientização quanto ao esgotamento dos recursos naturais do planeta. No modelo fabril tradicional, havia a impressão de que poderíamos seguir produzindo cada vez mais, consumindo cada vez mais água, energia e outros recursos de maneira infinita. Produzir mais, anunciar mais, vender mais, para produzir mais, anunciar mais e vender mais, numa espiral sem fim. A conta não fecha.

Na perspectiva de uma sociedade menos baseada no carbono, muitas empresas fizeram verdadeiras revoluções em seu modelo de produção. Muitas delas, hoje, sequer possuem fábricas. Terceirizam sua produção industrial para países distantes. Com isso, cuidam do que tem “valor”, ou seja, a marca, e transferem parte do problema – consumo de água, poluição e outros impactos socioambientais – para longe dos olhos de seus preocupados consumidores.

Ter a fábrica por perto, antes um atributo de logística importante, virou um grande problema para muitas corporações. Então a solução é levar tudo para a China, certo? Errado.

Na conectada sociedade do conhecimento, a tecnologia joga a favor da comunidade. Pode colocar sua fábrica no interior da China, mas alguém sempre poderá filmar com um celular um processo poluidor e jogar nas redes sociais.

O publicitário David Ogilvy escreveu que só comprava produtos que tivessem boa propaganda, pois se a propaganda, que era a face mais visível da empresa, fosse ruim, “imagina o que a empresa fazia no escurinho da sua fábrica”, alertava ele.

Esse “escurinho” está cada vez mais claro, não importa onde esteja a fábrica.


Nota do  Editor: O Jorge Carrano que assina é o filho primogênito do blogueiro.
                          O texto original está em http://www.cavernaweb.com.br/?p=2361

9 comentários:

Gusmão disse...

E os engenheiros civis, que eram responsáveis pela construção das plantas fabris? Como ficam?
Onde está o Paulo March, que frequentava o blog e era, se não me engano, engenheiro.
Abraços
Em tempo: o filho mandou bem.

Jorge Carrano disse...

Obrigado Gusmão.
Você poderá ler outros artigos em
http://www.cavernaweb.com.br/

Alguns são interessantes e dizem respeito a sua área de atuação profissional.
Abraço

Riva52 disse...

Alô Gusmão ..... estou aqui ! hehehe

As construções continuam a pleno vapor, e como !! Grandes condomínios industriais estão sendo construídos no Brasil. Teremos muito em breve o lançamento em Jundiaí de um com apenas 208.000 m2 !! E a empresa que constrói também oferece o gerenciamento dos espaços, serviços e até realização de assembléias. Full Service rsrs.
Mas eu atualmente estou na construção de apartamentos mesmo.

Mas realmente tivemos um boom de locações em outros países, por conta dos baixos custos de mão de obra, além claro de empurrar para o vizinho todos os problemas de atendimento à legislação local.

Quanto ao post do JC filho (rs), o último parágrafo é instigante :

"O publicitário David Ogilvy escreveu que só comprava produtos que tivessem boa propaganda, pois se a propaganda, que era a face mais visível da empresa, fosse ruim, imagina o que a empresa fazia no escurinho da sua fábrica”, alertava ele."

O que seria uma "boa propaganda" ?

Abrs

Jorge Carrano disse...

Paulo,
Pedirei socorro ao Ricardo dos Anjos, se ele estiver na linha (rs)
Além de jornalista e poeta (et pour cause), trabalhou com publicidade.
Certamente terá uma definição sobre boa propaganda.
Abraço

Freddy disse...

Propaganda realmente é a alma do negócio. Que o digam as galinhas, que ao pôr o ovo cacarejam. Tive um chefe que dizia que "não basta a uma mulher ser honesta, ela tem de APARENTAR ser honesta".

Contudo, a meu ver, propaganda e realidade são duas entidades totalmente desconexas. A qualidade de uma não está necessariamente atrelada à da outra. Você pode fazer uma belíssima propaganda de uma fraude (p.ex.: Hitler).

Assunto pesado, esse...
Abraços
Carlos

Jorge Carrano disse...

Caro Carlos,
Seu chefe deve ter lido sobre a suspeição que existiu quanto a fidelidade da mulher de Cesar, imperador romano. O próprio teria dito, sobre ela: "não basta que a mulher de César seja honrada; é preciso que nem sequer seja suspeitada". (ou coisa parecida)
Abraço

Freddy disse...

Pulando a parte da propaganda e voltando ao cerne do texto, acho que parágrafo a parágrafo ele tem assunto para horas de debate.

A realidade do horário de trabalho e lazer se confundindo embaralha e joga por terra conquistas trabalhistas obtidas com suor e sangue. Mas como encaixar conquistas trabalhistas no mundo atual, onde cargos e funções são de volatilidade tal que não se pode garantir um emprego, ou mesmo a existência de uma profissão, durante 30, 35 anos?

Fábricas de países desenvolvidos instaladas em recantos carentes do mundo, sem leis de proteção ao cidadão, para obter lucro maior e benesses (que sejam créditos em carbono) é de uma imoralidade absoluta. Parece-me subproduto da tal economia de mercado, ou capitalismo.

Abraços
Carlos

Ricardo dos Anjos disse...

A boa propaganda é aquela que vende. Depende e independe do que possamos considerar "boa", ética ou esteticamente em nosso julgamento subjetivo como na apreciação de uma obra de arte, um poema, um aidovisual. O consumidor tem razões que a própria razão desconhece e o publicitário que "saca" as necessidades de consumo consegue atingir em cheio o público alvo, seja de que classe for. Tem gosto pra tudo e mecanismos de pesquisa para satisfazer o consumidor. Por vezes uma propaganda é marcante pelo virtuosismo, todo mundo aprecia esteticamente, na forma, lembra, acha bonita, bem realizada, canta os jingles mas por incrível que pareça não se lembra do produto embalado no envólucro criativo. Publicitários são vaidosos. Muitas vezes competem na criatividade criando pra si mesmos, a fim de ganhar prêmios em Cannes, em Gramado etc.
Quantas vezes você gosta de uma musiquinha, de uma cena, e depois esquece ou lembra vagamente e continua sem saber o nome do produto anunciado. Enfim, pra não me alongar, a boa publicidade é aquela que vende. Aquela que atende às necessidades de consumo e que também cria necessidades, fazendo você comprar o que não precisa. Exaltação do supérfluo. Esse é o poder sutil (subliminar) da propaganda, que faz com que nos confundamos entre o que é necessidade e o que é supérfluo.
Enfim, o consumidor é consumido pela propaganda, pela mentira milionária. Não discerne. Deixa-se seduzir e passa a inadimplir.

Riva52 disse...

Ricardo, seu preciso comentário me lembra o espetacular livro do PACO UNDERHILL, A MAGIA dos SHOPPINGS ...tem no Brasil. Imperdível pra quem gosta do assunto.
Sds TRIcolores