13 de abril de 2016

Aniversário de meu pai

Ele deve ter sido muito arteiro. Da pá virada, como diziam no início do século XX, quando ele nasceu. Ou “pintava o sete”.

Por conta disto foi internado no Salesianos Santa Rosa, que na época tinha este regime. Consta, na tradição oral da família, que ele fugiu do colégio no surto de febre amarela no país. Ele teria dito, anos depois, que teve medo de morrer.

Foi para a casa de um parente, onde se abrigou, para não mais voltar à casa paterna, senão alguns anos depois.

Cresceu. Foi soldado da polícia militar, na cavalaria, na época da I Guerra Mundial e estava,  juntamente com os demais policiais militares, na reserva para embarque para o chamado teatro de guerra na Europa.

A guerra acabou, ele deixou a polícia militar e ingressou no serviço público federal como linotipista no quadro da Imprensa Oficial (Diário Oficial da União). O salário era curto e ele para aumentar a renda, foi trabalhar concomitantemente em outros órgãos de imprensa.

Culminou obtendo o registro de jornalista, com averbação na carteira profissional, eis que naquela época não existiam faculdades de comunicação social e o exercício da profissão era regulamentado e controlado com rigor pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), pois eram tempos do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas. Assim, o Ministério do Trabalho promovia o registro na carteira profissional dos que haviam sido aprovados pelo DIP.

Sobre esta fase já me estendi um pouco em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2012/01/fernando-da-motta-carrano.html

Nestes jornais em que atuou, xereta e observador, fora da linotipia foi aprendendo segredos da profissão de jornalista. Nesta  área, ao cabo de alguns anos e em diferentes veículo, fez de tudo, ou quase tudo, desde linotipista.

Foi revisor, copydesk e redator, até que no Estado do Rio de Janeiro, antes da fusão, dirigiu por seis anos o Diário Oficial. Aquele prédio da Rua Marques de Olinda, em Niterói, foi construído na gestão dele, sendo governador o Miguel Couto Filho. Antes o veículo oficial do Estado funcionava numa velha e precária construção de madeira, na Av. Jansem de Melo.

Ainda no campo de jornalismo, foi co-produtor e apresentador de programa na rádio Mauá, com noticiário voltado para as coisas do Estado do Rio, que tinha Niterói como capital.

Teve na sua vida privada, desde a juventude, uma gama bem diversificada de atividades: frequentou umbanda, faleceu como membro da maçonaria, dançou em gafieira (com medalha conquistada), foi baterista num conjunto que se apresentava nesta mesma gafieira, desfilava no carnaval  na Sociedade Carnavalesca Tenentes do Diabo, enfim uma miscelânea de afazeres, obrigações e diversões.

No campo esportivo, presidiu dois clubes em Niterói e São Gonçalo. No município vizinho presidiu o Carioca F.C. que disputava o campeonato municipal. E em Niterói presidiu o Sepetiba F.C.


Clubes rubro-negros (os dois) como o Flamengo seu time de infância e com as mesmas cores da Tenentes do Diabo. Nunca me impôs, ou mesmo insinuou que eu deveria seguir suas opções futebolísticas.

Quando faleceu, em 1963, era o presidente do Tribunal de Justiça Desportiva, tendo sido auditor durante anos. Falo, claro, do Estado do Rio antes da fusão com o estado da Guanabara.

Mais do que suas palavras foram suas atitudes, seus exemplos de dignidade que moldaram meu caráter. Ou deram os contornos.

Leal aos seus princípios e aos amigos, foi um ser político com consistentes princípios morais e éticos.

Hoje, dia 13 de abril, completaria 110 anos se estivesse entre nós.

Rest in peace, meu pai.  Sua benção! 


Nota do autor: sobre a febre amarela, que tem o mosquito aedes aegypti como vetor, ler em:
http://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345081434_ARQUIVO_SurtodefebeamarelanoRiodeJaneiro.pdf

Agora ele transmite mais dengue, chikungunya e zica, mas é o mesmo mosquito.

10 comentários:

Jorge Carrano disse...

Excesso de fumo (duas carteiras por dia) de cigarros fortes, sem filtro, o gosto pelas gordurinha dos contra-filés e até pela pele de frango bem assadinha (um veneno), combinada com vida sedentária e estressante, culminou com infarto fulminante aos 57 anos de idade.
Eu que atingi 75 anos, ou seja, os mesmos algarismos invertidos, sei o quanto de diferença fazem os 18 anos que vivo a mais.

Maria Helena disse...

Parabéns pelo pai que teve, e pelo que o senhor é. Eu o admiro muito. Acordei agora preocupada com a vida e me dei com esta postagem linda.abraços

Jorge Carrano disse...

Maria Helena, bom dia!
Muito grato pelo carinho e generosidade de suas palavras.
Uma das coisas que mais lamento em minha vida, foi não ter dado o devido valor ao meu pai, enquanto era possível abraça-lo e agradecer.
Minha ignorância, total falta de cultura no assunto, não me permite afirmar que onde ele estiver ou esteve sabe que eu o amava e continuo amando por tudo que ele representou para a nossa família.
Abraço.

Jorge Carrano disse...

Seja bem-vindo ao grupo de seguidores, Rodher.
Obrigado.

Ana Maria disse...

Segundo informações de fontes fidedignas, a pandemia que provocou a fuga de nosso pai do internato foi a gripe espanhola, que matou mais de 35 mil brasileiros.

Riva disse...

Pais ... Base de tudo

Jorge Carrano disse...

Verdade, Ana Maria.
Troquei a febre, mas as consequências foram as relatadas.
Obrigado pela correção.
Bj.

Jorge Carrano disse...

O virus da espanhola é o nosso conhecido influenza, esse mesmo agora na forma "A" H1N1.

A vacinação começará este mês de abril e acho que todos devem ir aos postos de saúde.

Alessandra Tappes disse...

Se eu fosse cineasta, certamente faria um filme.

Se eu fosse escritora, certamente seria " o livro".

De tudo que li e pude observar, dentre mtas facetas de "seu Carrano" o caráter é a marca registrada de um homem que circulava em ambientes corruptores.

Onde quer que esteja, orgulhoso pelos filhos que aqui se encontram e continuam sua jornada seguindo seus passos, deve estar.

Jorge Carrano disse...

Foi um ser humano com virtudes e defeitos, como somos todos.

Muito me orgulho de ser seu filho e espero não ter decepcionado.

Obrigado pelas generosas palavras, Alessandra.