Carlos Frederico M B March
(engenheiro de telecomunicações, fotógrafo diletante e astrônomo amador)
Sob ponto de vista de astrônomo amador, nesse segundo texto de "Reflexões sobre o Universo" (o primeiro foi "70 Voltas", publicado neste blog em 23.06.2011 ) abordarei um aspecto do desenvolvimento das estrelas e sistemas planetários que acho que pode gerar analogias com o nosso comportamento como seres humanos.
Caso geral as estrelas se formam em ambientes ricos em hidrogênio. Em muito menor quantidade, os demais elementos podem fazer parte do processo, na forma molecular ou em forma da chamada poeira interestelar. Através de atração gravitacional, os átomos ou moléculas desses materiais vão se aglutinando e, atingida uma certa massa crítica, formando as estrelas. Em seu entorno permanece na maioria das vezes um disco de matéria que acabará formando (ou não) sistemas planetários.
PILLARS OF CREATION - berçário estelar (HST - NASA) |
Dependendo da configuração na nuvem primordial, de sua concentração de hidrogênio e/ou de elementos mais pesados ou poeira, formam-se estrelas maiores ou menores. Estima-se que, inclusive, vez por outra se formam astros que nem chegam a irradiar no espectro visível, as chamadas anãs marrons. Até recentemente, quando a maior parte da observação era visual, não as conhecíamos. Instrumentos de pesquisa em outras faixas de radiação, como a infravermelha, estão mais aptos a detetar os mais próximos de nós.
Primeiro caso - as maiores
Segundo a física estelar, está comprovado que estrelas gigantes, hiper brilhantes e quentes, irradiam sua energia em voluptuosas quantidades, iluminando (em várias faixas de radiação, desde infravermelho até ultravioleta passando pelo visível) tudo a seu redor e por vezes prejudicando as redondezas com sua impetuosidade. Por conta desse descalabro no consumo de suas reservas de energia, duram muito pouco tempo: 1 milhão de anos, 2, 10... Então morrem em titânica explosão (supernovas), numa reação nuclear quase instantânea que produz uma grande quantidade de elementos químicos de maior peso atômico que hidrogênio. Essa explosão produz belas nuvens de matéria que se expandem pelas redondezas, deixando no lugar da estrela original um objeto que pode ser uma estrela de neutrons, um pulsar ou mesmo um buraco negro.
M1 - Nebulosa do Caranguejo (HST - NASA) |
Por outro lado, estrelas comedidas, pequenas e econômicas, duram bilhões de anos, sem afetar em nada a vizinhança. Nada perturbam em torno, não emitem radiação destrutiva... Se eventualmente formadas num cenário como mencionado mais acima, ponto central de um disco de matéria, podem até ganhar à sua volta uma prole: planetas. Serenas, calmas, têm a capacidade de mantê-los ali, quietos e aconchegados.
Claro que tudo isso é uma simplificação, entre grandes e pequenas temos estrelas de tamanho intermediário, e as nuvens de matéria que formam todos esses tipos podem conter ou não matéria remanescente de explosões anteriores de supernovas nas redondezas. Este, em particular, é um fator relevante em nossa argumentação.
Segue que nosso Sistema Solar tem em seu centro uma estrela relativamente sossegada, pequena mas nem tanto - expectativa de vida de uns 10 bilhões de anos, quase metade dos quais já se passou. Sabemos também que é um sistema de 2ª geração. Certamente a nuvem primordial que o formou continha elementos pesados remanescentes de explosões anteriores de supernovas, ou não teríamos planetas rochosos como Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.
Fato: estrelas enormes, energéticas, hiper luminosas, morreram para que nós existíssemos.
Um resumo:
- Estrelas (pessoas?) grandes, fulgurantes, enquanto existem iluminam o mundo à sua volta com seu glamour e exuberância. Não raro esse ímpeto desmedido espalha o terror nas redondezas, estar próximo delas é extremamente arriscado, quando não destrutivo . Morrem cedo mas deixam como legado uma grande quantidade de elementos químicos variados (criações, insumos) que tornarão as gerações futuras de estrelas bem mais interessantes.
- Estrelas (pessoas?) pequenas e econômicas duram muito, muito! Conseguem manter a si e à sua prole (os eventuais sistemas planetários) numa existência sossegada e estável por éons. Em nada afetam a vizinhança, morrem de velhas em relativa paz e obscuridade.
- Analisemos o caso de estrelas pequenas e econômicas, contudo criadas a partir dos resíduos de estrelas fulgurantes e impetuosas - chamadas estrelas de 2ª geração. Usufruem do subproduto das que levaram uma existência exuberante, criativa mas autodestrutiva, só que sem correr riscos. É o caso do nosso Sistema Solar, Terra incluída. Paradoxalmente, é por conta dessa existência calma e duradoura em cima dos frutos herdados que ocorrem as condições ideais para o aparecimento da VIDA, talvez a maior das criações.
Onde eu gostaria de chegar?
Há várias analogias, algumas talvez polêmicas. Destaco essas a seguir:
- Sem guerra não há progresso (apesar de que nem sempre o progresso é algo benéfico). A guerra - aguda, feroz, destrutiva - estimula a pesquisa frenética por novas soluções em busca da vitória, das quais mais tarde usufruímos nos tempos de paz.
- Sem que desbravadores tenham se arriscado para alargar nossos horizontes, reais ou virtuais, estaríamos ainda no contexto da Idade Média. Incluo aí, por exemplo, os grandes navegadores dos séc. XV e XVI, alguns destaques na ciência, nas artes, na política...
- Muitas atitudes polêmicas, sejam de pessoas ou de sociedades inteiras, bem sucedidas ou não, foram necessárias para que gerações futuras vivessem com mais liberdade, dignidade e conforto, físico ou espiritual. Posso incluir Jesus Cristo?
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Imagens obtidas no site Astronomy Picture of the Day
http://apod.nasa.gov/
Pillars of Creation é uma das mais famosas foto-montagens realizadas a partir de originais tiradas pelo telescópio espacial Hubble, sendo que a parte escura da foto é uma porção do céu não capturada pelas lentes. Mostra um imenso berçário estelar dentro da Nebulosa da Águia, uma região onde estão sendo criadas estrelas e sistemas planetários.
M1 - Nebulosa do Caranguejo apresenta a visão atual da nuvem de destroços (elementos pesados) gerada pela explosão da Supernova do ano de 1054. Ao centro se encontra um pulsar, ou seja, uma estrela de neutrons em vertiginosa rotação, que é o que sobrou da estrela original.