Por
Ana Maria Carrano
Acho que nunca comentei que gosto muito de poesia. Outro ponto em que, eu e o blog Manager, discordamos. Outro dentre muitos.
Atualmente a maturidade me leva a aceitar com maior tranquilidade as diferenças, salvaguardados meus direitos.
Cada um pode fazer e pensar o que quiser, desde que suas ideias e ações não venham a me causar dor ou prejuízo.
Acontece que esse meu estado de aceitação vem sendo minado pelo excesso de informação. Os meios de comunicação instantâneos graças a internet, nos colocam por demais atualizados sobre ideias contrárias.
Absurdos são divulgados por conta do crescimento das redes sociais . O que podia ser excelente, se tornou péssimo pelo mal uso que fazemos dele.
Dizem que Santos Dumont não suportou assistir sua invenção, idealizada para o bem, ter sido utilizada na guerra para causar destruição e morte.
O ser humano conspurca tudo que toca.
É claro que o cerceamento da liberdade, nossa responsabilidade para com o outro, nossa preocupação com nossas vidas, quando aliados a esse bombardeio de informações e desinformações nos deprimem, nos desanimam.
Creio que é o que tem acontecido comigo e com muitos amigos e contatos. Por isso entendo o Riva nessa lassidão e por isso estou aqui escrevendo um monte de palavrinhas meio sem conexão.
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Fernando Pessoa |
Resumindo. O comentário do Riva sobre precisar de um dia de folga, me recordou um poema de Fernando Pessoa que trata magistralmente do tema.
Falar em poesia me fez pensar que meu irmão não é chegado a esse estilo literário, o que me fez refletir sobre as muitas diferenças de pontos de vista, o que me levou à situação atual, estresse e pandemia.
Entenderam?
Ótimo, porque agora, eu mesma fiquei meio confusa.
Pra disfarçar, colo abaixo o poema Adiamento, do Pessoa, através de Álvaro de Campos, um de seus heterônimos.
FERNANDO PESSOA
Poesias de Álvaro de Campos
"Adiamento"
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
Álvaro de Campos