30 de outubro de 2019

NOTRE DAME DE PARIS...





Por
Carlos Augusto Lopes Filho


(Carioca, niteroiense de coração,escritor, botafoguense, amante de Paris (quem não é?), amigo do blogueiro há sessenta anos, desde o Liceu Nilo Peçanha, em Niterói.






       NOTRE DAME DE PARIS...

                                                 Calfilho


     Em setembro do ano passado, 2018, escrevi uma matéria aqui neste blog, com o título de "Memória Nacional", onde externei minha indignação com o incêndio que praticamente destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

       Minha indignação era dirigida, principalmente, ao descaso com que nossos governantes tratam nossa memória, nossa história, nossos monumentos e tudo aquilo que se relaciona ao nosso passado. Não se importam em preservar nada, colocam abaixo tudo que é antigo, colocando em seu lugar monstrengos que dizem ser modernos, que alegam representar uma mudança para os tempos atuais. Assim fizeram com o centro do Rio de Janeiro, onde edifícios gigantescos substituíram prédios do Brasil Colônia e do Império e onde pouca coisa restou da história da cidade para conhecimento das novas gerações. Em relação aos poucos museus e monumentos que possuímos, a falta de cuidado na preservação e manutenção, com verbas escassas a eles destinadas, acabam produzindo a tragédia que consumiu o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista...        

     Aliás, este ano de 2019, mostrou bem claramente como o descaso e a negligência foram responsáveis por duas outras tragédias que marcaram profundamente o povo brasileiro: os deslizamentos de Brumadinho e o incêndio da concentração dos jogadores da base do Flamengo... Quantas vidas perdidas, quantas famílias destruídas...

        Sempre admirei e elogiei a Europa pelo cuidado que seus países têm em preservar sua história, com muitos mais séculos de vida que o nosso país. Quem anda pelas ruas de Paris, Roma, Madri ou Lisboa tropeça em ruínas da época antes de Cristo, do período medieval e dos séculos XVI, XVII, XVIII ou XIX. Isso, em pleno centro dessas cidades, em áreas super valorizadas. Vislumbra-se em qualquer caminhada pelas ruas dessas capitais, as ruínas do Coliseu, do Forum Romano, das Termas de Trajano. Ou as Termas de Cluny, em pleno Boulevard de Saint Michel, assim como a Sorbonne; ou as Arenas de Lutèce, ali perto, na rue du Monge. Em Lisboa, a Torre de Belém ou o Monumento aos Navegantes, bem como o Mosteiro de São Jerônimo e o Castelo de São Jorge. Isso sem falar nos museus do Louvre, do Vaticano, da Galeria Uffizi (em Florença), do Prado e tantos outros espalhados pelas várias cidades europeias. Todos cuidados, preservados com muito carinho e vigiados bem de perto com muito rigor para que nada lhes aconteça. E, isso, apesar de muitas dessas cidades terem sofrido a devastação de várias guerras que praticamente as arrasaram nos últimos séculos...

          A maior preocupação atual dos governos europeus é com o terrorismo. Depois de ataques sofridos principalmente por Paris e Londres, a vigilância em monumentos passou a ser extremamente rigorosa. Na entrada de quase todos eles o turista tem que passar por detectores de metal, bolsas são revistadas, casacos, cintos e até sapatos são minuciosamente examinados. Mesmo em algumas lojas comerciais (como Lafayette e Printemps, em Paris), essa revista é feita. Justifica-se: a irracionalidade e a estupidez de um atentado com bomba já matou muitos inocentes que estavam em locais apenas procurando diversão ou fazendo compras... Nada mais correto que essas revistas, apesar de incômodas e demoradas. A prevenção sempre foi melhor que o remédio, que, muitas vezes, não consegue mais a cura...

         No dia 14 deste mês, abril de 2019, eu e minha mulher passamos em frente à Catedral de Notre Dame, em Paris. Ela pretendia comprar um presente para nossa filha numa loja da rua de Rivoli, na margem direita do Sena. Como nosso hotel fica na margem esquerda do rio, fomos caminhando e revendo as paisagens já nossas conhecidas de viagens anteriores e que não nos cansamos de admirar. Atravessamos o Boulevard de Saint Germain des Près, pegamos uma pequena rua em direção à Cité, a ilha que fica no meio do rio Sena e onde está plantada a Catedral de Notre Dame desde 1.163, quando começou sua construção, sendo concluída somente dois séculos depois...

           Passamos em frente a ela e a costumeira fila de turistas já se estendia por sobre toda a praça à sua frente, o Parvis da Notre Dame... A revista à entrada da catedral fazia o acesso ser mais demorado que há 20 anos atrás, quando as ameaças terroristas ainda não aconteciam... Pedimos licença, passamos pelo meio da fila e seguimos caminho até o Hotel de Ville, depois a rua de Rivoli...

          Na segunda-feira seguinte, dia 15 de abril, voltávamos ao hotel por volta das dezoito horas e quarenta minutos. Tínhamos que arrumar as malas, pois no dia seguinte iríamos pegar o trem para Annecy, cidade situada junto aos Alpes franceses.

        Minha mulher, enquanto colocava as roupas nas malas, olhando pela janela, chamou minha atenção:

             -- Olha, tem alguma coisa pegando fogo aqui perto, olha quanta fumaça.

             Levantei da cama e vi os grossos rolos de fumaça bem à frente. Por parecerem estar muito perto, pensei que fosse em algum prédio do Boulevard de Saint Germain, que fica a um quarteirão do hotel.

            Como já nos adaptamos à modernidade do século XXI, pegamos nossos celulares e batemos algumas fotos do início do incêndio.






Fotos tiradas da janela do hotel Home Latin, às 18 hs. e 45 minutos do dia 15/04/2019.

       A televisão francesa só anunciou o fato uns dez minutos depois. No início, também não sabiam ao certo onde era localizado, informando, apenas, que era "nas proximidades da Notre Dame'.


       Só passado mais algum tempo é que constataram que o incêndio, de gravíssimas proporções, era realmente na histórica catedral...


        As reportagens ao vivo se sucederam, mostrando para o mundo inteiro o estrago que o fogo causava a um dos maiores ícones da França...


            A catedral que serviu de inspiração ao famoso romance de Victor Hugo, local onde Napoleão I foi coroado imperador dos franceses, ardia em chamas...







Fotos tiradas da tela da TV, durante o incêndio, em reportagens da TV francesa, canal 15

          Acontecimento que parecia impossível de acontecer, por ser ela um dos principais símbolos da França, com quase novecentos anos de história... Local super vigiado, onde todas (ou quase todas) medidas de segurança preventivas foram tomadas...


         A França inteira chorou. E, acredito, o mundo inteiro também a acompanhou nesse lamento...  A Notre Dame de Paris não é um monumento apenas da França... Há muito tempo pertence à toda humanidade...


        Às vezes, nem todas as cautelas possíveis que foram tomadas conseguem impedir o desastre, a tragédia... Parece que algo superior a nós, à nossa insignificante existência terrena, mexe os cordões lá de cima e, mesmo aquilo que nos parece evitável, transforma-se em inevitável...



Notre Dame, uma semana após o incêndio.


4 comentários:



  1. Em matéria veiculada em sua coluna dominical, Ascânio Seleme, faz uma análise comparativa entre os atrasos das obras de recuperação do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, e a Catedral de Notre-Dame, em Paris, dois patrimônios históricos, artísticos e culturais destruídos pelas chamas.
    Lá o atraso é provocado por conflitos de interesses, que minha condição de advogado me permitiria rotular de conflito positivo de competência.
    O conflito se dá entre o governo francês, a prefeitura de Paris e a Igreja Católica, todos com interesse e autoridade sobre o templo.
    A Diocese de Paris sustenta prioridade, posto que o local destina-se ao culto religioso. O ministério da Cultura francês entende que a igreja é um bem cultural da humanidade e que por isso tem precedência nas decisões, e finalmente e prefeitura parisiense acha que a responsabilidade é também sua, pois final a construção está erguida em seu território, na Île de la Cité.
    Dinheiro não deve faltar, porque só em doações arrecadaram 350 milhões de euros.
    Já nosso Museu não dispõe de tanto dinheiro e, como acentuou o Ascânio, seria arriscado deixar mais de um bilhão de reais nas mãos de quem mesmo?


    ResponderExcluir

  2. Obrigado, Carlinho, por autorizar a republicação de seu post, veiculado originariamente em seu blog.

    E que testemunho ocular da tragédia, hein?!

    ResponderExcluir

  3. Depois de um puxão de orelhas, via e-mail, corrigi um equívoco no perfil do autor da postagem.

    Ele é carioca de nascimento e niteroiense de coração.

    Valeu, Carlinhos.

    ResponderExcluir
  4. Realmente o autor do post é igual ao Repórter Esso, como constava em seu slogan : "testemunha ocular da história".

    ResponderExcluir