5 de novembro de 2016

Rua do Acre, vinho e poetas populares

Normalmente eu almoçava no restaurante da empresa, que ficava do 9º andar. Vez ou outra, quando a grana dava, ia a um bom restaurante que havia na Rua do Acre, nas imediações de meu local de trabalho, que ficava na Rua Visconde de Inhaúma. E, algumas vezes, ia ao Bob’s e comia presunto com ovos ou sanduíche de atum.


Almoço na Fiat Lux, Com Mauricio Millar, da área de marketing (1971)

Neste restaurante da Rua do Acre, foi que assisti, pela vez primeira,  alguém questionar um vinho e devolver. E ainda recebeu pedidos de desculpas. O autor da façanha, com toda a segurança de quem sabia o que estava fazendo, era um estagiário da Fiat Lux, engenheiro, chamado Otávio Augusto de Paiva, que era filho de um renomado engenheiro na época, ex-diretor do BNDES, de nome Glycon de Paiva.

Ele disse para o garçom que o vinho estava oxidado. O maitre veio e confirmou pedindo desculpas. Perguntou se ele queria outro da mesma vinícola e casta.

Não lembro qual era o vinho, mas com certeza não era um Gran Cru porque nem eu e nem o outro comensal, Marcos de Castro, que acompanhávamos o Otávio poderíamos entrar no rateio da despesa.

A Rua do Acre era a rua dos grandes atacadistas, que os executivos de bancos e de empresas industriais chamavam de ceboleiros para desprestigiá-los. Mas eles tinham dinheiro e eram, por isso, muito bem recebidos pelos gerentes dos bancos próximos.

O prédio 134, da Visconde de Inhaúma, próximo ao Largo de Santa Rita, ficava defronte a um bar tradicional, que vendia cafezinho e cachaça. Foi neste bar que paguei um enorme mico do qual me envergonho até hoje.


Igreja de Santa Rita e a Rua Visc. de Inhaúma
Já contei no blog, mas vou recontar para quem está chegando aqui agora. Não eram 8 horas e fui tomar um cafezinho. Mal encosto no balcão, um mulatinho, de pouca estatura, com voz rouca e pastosa indaga: “vai pagar uma cachaça pro poeta?” A voz era naturalmente meio rouca, e com o álcool agravou.

Neguei com meneio de cabeça e comentei com o atendente que achava um absurdo alguém tão cedo já tomando cachaça. O atendente então me disse que para nós o dia estava começando, mas para ele (o que pediu a cachaça) estava terminando. E acrescentou, “era o Nelson Cavaquinho”.

E o tempo do verbo estava correto, porque a esta altura ele já havia deixado o bar, vazio naquele horário.

Metido a besta, naquela época (anos 1960) fã da música popular americana, em especial o jazz, não conhecia e nem valorizava os grandes nomes da música popular brasileira e nem suas composições.

Hoje, quando ouço “A flor e o espinho”, do Nelson Cavaquinho, ou “As rosas não falam”, do Cartola, fico espantado com tanta poesia, tanta inspiração, de homens de pouca cultura formal, mas com enorme sabedoria de vida.

Versos magníficos, que formam letras de canções que em muito superam em beleza e poesia, várias das músicas americanas que aprecio, mas cujas letras são pouco inspiradas. Valem mais pela melodia.

"O sol não pode viver perto da lua" é de uma sabedoria, no contexto da história, de arrepiar. No link a seguir ele canta com seu parceiro Guilherme Brito.

E também Cartola, ao dizer que as rosas "simplesmente exalam o perfume que roubam" da mulher exaltada na canção.
https://www.youtube.com/watch?v=VofYXCJyeTY 

Quem sabe poderiam ganhar o Nobel de Literatura? A julgar pela obra de alguns dos imortais de nossa ABL, não seria nenhum absurdo.

4 comentários:

  1. Bom dia, Carrano.

    Tenho acompanhado suas histórias e o que percebo é que existem muitos pontos de contato com a minha trajetória e provavelmente com a de outros participantes dos debates aqui.

    Aproveite o dia chuvoso para avançar nos casos.

    Bom final de semana para todos.

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  2. Em termos musicais prezo mais a melodia que a letra. Senão, seria aficionado por poemas (e não sou). Isso me leva a absurdos quando se trata de apreciar música estrangeira, quando não raro dou de cara com letras pífias em canções belíssimas.

    Hoje em dia, um pouco mais culto (fruto da idade => experiência), consigo dar o devido valor a diversas canções brasileiras e estrangeiras pelo lado do enredo, e não da melodia. Mas é raro. Diria que 95% do que ouço não me interessa o que dizem, e sim o que tocam.

    Vai daí e para dar um exemplo do recente Nobel de Literatura, não tenho um disco sequer de Bob Dylan e dele nada conheço a não ser "Blowin' in the Wind" e "Like a Rolling Stone".

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  3. Crescendo ouvindo Beatles e Stones, só nos interessava a melodia, o refrão e o ritmo da música.
    Comecei mesmo a me interessar pelas letras das músicas de fora mais ou menos com 16 para 17 anos, de volta dos EUA. Foi quando percebi que as letras dos Beatles eram quase todas um besteirol. E as mais estranhas e "profundas", eram fruto das viagens lissérgicas de John Lennon. Nem ele sabia porque escreveu aquilo.

    Dylan não .... bem como outras diversas bandas e artistas. Tinham conteúdo, e muito.

    Mas realmente por muitos anos curtimos apenas as melodias.

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