Por
Ana Maria Carrano
A origem do Carnaval tem inúmeras e possíveis versões. Todas se referem a uma festa popular, de caráter orgíaco.
Alguns dizem que
começou como homenagem a deuses gregos ou romanos; outros dizem que surgiu nos
rituais de fecundidade do início da primavera. Citam-se também as alegres
festas egípcias em louvor a Isis.
As divergências de opinião quanto à sua origem deixam apenas
duas certezas: estas comemorações remontam a época anterior ao Cristianismo, e
nele as pessoas entregam-se a dança, embriaguez e ao sexo.
No início da Era Cristã o Catolicismo, vendo que não
conseguiria afastar o povo dos rituais pagãos, assumiu a festa, incluindo-a em
seu calendário, como evento que antecede a Quaresma. Foi-se incutindo a ideia
de uma comemoração sem excessos e sob a benção papal.
Até que funcionou por muito tempo, pelo menos para a maioria
das pessoas. Estimularam-se os bailes de máscara e a participação das famílias
no Carnaval. Idosa que sou, posso afirmar que conheci e participei de bailes em
clubes de bairros com caráter puramente familiar.
Surgiram bailes à fantasia, cortejos, corso, carros
alegóricos até que apareceram as famosas Escolas de Samba.
Lembrem que falei que funcionou por um tempo e para muitos,
mas...
O Carnaval na verdade sempre manteve sua identidade secreta
de bacanal, liberação dos sentidos e bebedeiras.
Os barracões de Candomblé e os terreiros de Umbanda fazem,
antes do Carnaval, sessões de liberação de Exus e fechamento de corpos.
Proteção para seus seguidores (link 1).
Pois é. Existe a festa aprovada pela Igreja e a outra. Eu
quase posso dizer que conheci as duas.
Sou filha de um folião. Nas histórias correntes na família, o
meu pai (do manager também), era participante da Sociedade Carnavalesca “Tenentes do Diabo” (link 2).
Desfile da sociedade carnavalesca "Tenentes do Diabo", em 1913 |
Meu pai com outros foliões |
Creio que por este motivo éramos levados, desde pequenos para
ver a festa ou para brincar nos clubes de bairros.
Não me lembro se gostava ou não. Ia obedientemente como convinha
às crianças da época. Minha primeira e frustrante lembrança se refere a um
passeio pelas ruas da cidade, provavelmente com colares ou fantasia, quando de
repente uma briga se inicia. Cacos de vidro, sangue numa rusga de bar e papai
nos levando em retirada para casa. Talvez daí venha minha fobia a multidões (ou
talvez não).
A autora com a irmã mais velha, fantasiadas de havaianas |
Com um pai festeiro e carnavalesco não me restava alternativa.
Providenciavam fantasias baratas (havaiana era a que custava menos) e lá íamos
para o Sepetiba Futebol Clube, na rua do mesmo nome (fechado há alguns anos)
onde, nas matinês, pulávamos no salão, eu sempre perto da irmã. Não lembro onde
ficava o Jorge nessas ocasiões. Lembro apenas que durante algum tempo o meu
irmão mais velho (único menino), passava os carnavais dormindo ou fazendo sei
lá o que, dia após dia em seu quarto. De repente, passou a frequentar os bailes
com a família, mas pasmem, circulando no salão pela contramão.
Lá pelos 15 anos descobrimos o Carnaval de rua. Com a
aprovação dos genitores, saíamos vestidas de “sujo”: roupas masculinas largas e
máscaras de fronha. Eu minha irmã Sara e umas meninas da vizinhança. A cada ano
que passava o grupo aumentava e se aprimorava. Compramos roupas de palhaço (de
bolas), máscaras e íamos ao encontro dos blocos tradicionais ou desorganizados.
Por baixo da fantasia um maiô, visto que no fervor do verão, dávamos uma
paradinha no arremedo de praia ao lado da Estação das Barcas (antes da reforma)
para mergulhos refrescantes. Não comíamos nada durante a jornada que durava 6
ou 7 horas. Embrenhávamos-nos na Rua da Conceição onde era o que havia de mais
quente na folia das ruas.
Como fui instada pelo blog manager a revelar meus segredos,
confesso que aproveitávamos para ganhar uns beijos de rapazes bonitos que não
nos davam bola.
A fase passou e a
família deixou de ir aos bailes no bairro e a perseguição aos blocos de rua. Os
feriados eram aproveitados para viagens. Por isso aproveitei a adolescência no
Sport Clube Maricá pulando na matinê e a noite. Já era crescidinha ocupávamos a
praça de manhã com cantorias e paqueras regadas a cerveja e vodka.
Seguiu-se a época dos bailes do Canto do Rio quando os
seguranças (chamados dragões) distribuíam comprimidos indiscriminadamente pra
garotada. Como sou careta, os que me cabiam derretiam no suor na mão fechada.
Um dia descobri que não gosto de pular, malhar, nem me
exercitar. Percebi que ia na onda, como
quando, por imitação, me deixava torrar nas areias das praias.
Nada contra quem gosta. Nada contra quem detesta.
Pessoalmente não tenho disposição para Carnaval, nem pela TV.
Aprecio os melhores momentos quando tenho tempo e os
destaques que são exibidos exaustivamente até a Páscoa.
Gosto de samba, mas os enredos de hj em dia não me empolgam;
não tenho condições físicas para dança, me restando livros gentilmente
fornecidos pela sobrinha caçula e a internet se a Oi permitir.
Aproveitei quando pude e era mito bom. Hoje são agradáveis
lembranças que me tiram sorrisos e suspiros
Notas explicativas da autora:
Foto minha com Sara (irmã), de havaiana , por volta de 1952. - Arquivo da família
Foto de
papai com amigos, provavelmente no Clube Humaitá, em Niterói - Arquivo da família
Carro alegórico dos Tenentes do Diabo - tirada da Net
Links:
O chamados Canto do Rio eram de "gaviões". Estranho. Já estou esquecendo coisas que se passaram há 55 anos atrás. rs
ResponderExcluirMuito legal a descrição do seu Carnaval. A data da foto com Sara é o ano em que nasci ! rsrsrs
ResponderExcluirImpressionante como tudo mudou em tudo,não só no Carnaval. Outro dia estava vendo na TV como eram os desfiles de Carnaval no Rio ...
Particularmente, aguardo com muita ansiosidade o Carrano para acabar com o mistério do sumiço .... onde andava, o que fazia ?
Tenentes do Diabo !! Hoje com certeza seria um bom nome de banda de Heavy Metal ! ou heavy metal gótico melódico rsrsrsrs
Sinto muito não ter mais o que contar além do que já fiz no meu texto sobre Carnaval no Quitandinha e em alguns comentários recentes. Talvez possa acrescentar a letra da música que representa o carnaval pra mim em sua essência, sendo que minha realidade teria talvez uma ou duas alterações:
ResponderExcluirBLOCO SOLIDÃO
Compositores: Edvaldo Gouveia, Jair Amorim
Angústia, solidão, um triste adeus em cada mão,
Lá vai meu bloco, vai, só desse jeito é que ele sai,
Na frente sigo eu, levo o estandarte de um amor,
O amor que se perdeu no carnaval, lá vai meu bloco,
Lá vou eu também mais uma vez sem ter ninguém,
No sábado e domingo, segunda e terça-feira,
E quarta-feira vem, o ano inteiro é todo assim,
Por isso quando eu passar, batam palmas pra mim.
Aplaudam quem sorrir trazendo lágrimas no olhar,
Merece uma homenagem quem tem forças pra cantar,
Tão grande é a minha dor, pede passagem quando sai,
Comigo só, lá vai meu bloco, vai...
(fecha o pano lentamente)
Freddy
Como ninguém é perfeito, meu pai era tenentino (aficionado pela agremiação "Tenentes do Diabo", e flamenguista. Ambos com as cores vermelho e preto (tsk, tsk, tsk)
ResponderExcluirAna Maria, sugiro procurar um geriatra, esquecer de coisas que aconteceram apenas há cinco décadas não é normal (rsrsrs).
Para quem nasceu depois da Ana Maria já se fantasiar de "havaina", informo que as Grandes Sociedades foram antecessoras das Escolas de Samba. Também desfilavam com carros alegóricos, mas num andamento diferente, ao som de marchas. E com muitas mulheres semi-despidas (vedetes e moçoilas de vida airada). E os enredos faziam critica social.
Havia competição entre elas, mas num determinado dia (?) integrantes de uma sociedade visitavam as co-irmãs em suas sedes e
eram bem recebidos.
Como já contei no blog, durante três carnavais brinquei no Democráticos (outra sociedade carnavalesca), levado pelo irmão do Daraly (este hoje residente em Vitória e pastor de igreja evangélica, quem diria). O clima era ordeiro embora as meretrizes da Dinah, do Beto e da Churrascaria (para falar só dos lupanares de Niterói) brincavam também.
Justamente, Riva, tudo mudou. Os costumes, as instituições (a família, o Estado, a Igreja), e a moral.
ResponderExcluirNão chego a ser saudosista, embora lembre com prazer os tempos idos.
Gosto também de algumas facilidades e novidades de hoje.
O que seria de mim sem delivery, celular (com WhatsApp) e ar condicionado automotivo? Mude também. Estou mal acostumada com a tecnologia que nós permite maior conforto.
Replicando o soneto de Natal de Machado de Assis, mudou o Carnaval e mudei eu.
http://www.releituras.com/machadodeassis_soneto.asp
Como uma sexagenária desmemoriada poderia ser saudosista? (KKKKKKK)
ResponderExcluirAna Maria e Sara (falecida) foram fotografadas diante da casa em que morávamos, a de nº 7, da vila cujo acesso se dava pelo nº 21 do Rua São Diogo, na Ponta D'Areia.
ResponderExcluirA porta em arco levava a uma pequena varanda, onde tínhamos duas cadeiras (uma de cada lado) confortáveis, feitas de corda. Observem que havia um portãozinho, baixo (circunscrito a parte retilínea), que só limitava a entrada de cachorros vadios.
Bons tempos!
Há dois anos publiquei um post sobre carnaval e futebol paixões dos cariocas. Está em:
ResponderExcluirhttp://jorgecarrano.blogspot.com.br/2013/02/carnaval-e-futebol-paixoes-dos-cariocas.html
Carrano, mas e o sumiço, trancado no quarto ? kkkkkkkk ...
ResponderExcluirEssa letra de BLOCO SOLIDÃO é muito bonita e muito triste. Sei que milhares perderam seu amor no Carnaval .... é chifre pra todo lado !
Alguns se recuperam, outros carregam o chifre pela vida inteira ...
Eu, particularmente, nunca tive essa experiência de perder um amor no Carnaval ...ufa !
Já que insiste, Riva, informo que passava o carnaval em retiro espiritual.
ResponderExcluirE o mencionado carnaval com a família, em clube, foi apenas uma vez, numa matinê. E fui para que não pensassem que eu era um eremita, ou pior... viado.
Como sambei e paquerei as meninas (ambiente estritamente familiar, nos anos 1950), todos sorriram e comentaram a minha performance. Tanto que a Ana Maria lembrou e mencionou no post, não obstante a proximidade com aquele alemão conhecido por Alzeimer.
Isso não, Jorge. Como diz a piada, se tiver que arrumar um estrangeiro, eu fico com o Parkinson.
ResponderExcluirPrefiro entornar o vinho do que esquecer onde guardei a garrafa. rs
Mais uma pérola sensacional do blog !
ResponderExcluirPrefiro entornar o vinho do que esquecer onde guardei a garrafa ....
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk notável !!
Eu ia dizer que estava com a Ana, mas a Internet me traiu. No exato momento em que postei o comentário, ela estava instável e fiquei sem saber se o comentário entrou ou não. Fiquei no aguardo e hoje percebo que não, não entrou. E Riva se adiantou a mim. OK, não importa, também estou com a Ana.
ResponderExcluirApenas como complemento a comentário que postei, minha atração pelo "Bloco Solidão" não se deve a ter perdido amor no Carnaval, isso nunca me aconteceu, e sim pelo clima de solidão que a letra destila.
Ana Maria,
ResponderExcluirO Sepetiba também é vermelho e preto. E as cores do Carioca F. C., de São Gonçalo, que papai também presidiu. Você lembra as cores?
Não faço a menor ideia. Procurei no Google e encontrei uma única citação entre clubes de São Gonçalo.
ResponderExcluirblogdojornalistaassueres.blogspot.com/
Sem mencionar nomes, coloquei a pérola da Ana Maria sobre Parkinson x Alzheimer no Facebook, e vejam um dos comentários :
ResponderExcluir" Há controvérsias, alguns preferem não derramar o vinho e esquecer de pagar a conta."
kkkkkkkkkkkkkkk
(pano rápido)
Ana Maria, acabou com a Beija-Flo campeã de 2015.
ResponderExcluirNo Twitter muita gente revoltada com o "Carnaval do Ditador" sair vitorioso. Estão dizendo que eles vêm em 2016 homenageando o Estado Islâmico.
Homenagens à parte, a escola estava linda e eficiente, segundo quem viu. E a Viradouro caiu ......
FELIZ ANO NOVO para todos !
Sobre a pergunta do Jorge Carrano, de quais eram as cores do Carioca de São Gonçalo... Eram vermelho e preto.
ResponderExcluirTenho o escudo do Carioca e também do Sepetiba.
Um grande abraço.
Muito grato, Sergio, pela visita virtual e pela informação.
ResponderExcluirVolte sempre.