4 de janeiro de 2015

Mais sobre desapego




Por
Carlos Frederico March
(Freddy)







Desapego dá vários posts inteiros e lágrimas de esguicho (desculpe, Nelson).

No entanto, às vezes é imprescindível. Eu também acumulei muita coisa e tenho ainda algumas coleções, mas fui obrigado pelas recentes circunstâncias a praticar desapego em alto grau. Vendi uma cobertura duplex mais uma casa em Nova Friburgo e tinha tudo de caber dentro de um apartamento de 3 quartos, mais ou menos do tamanho interno da casa. 

Sobrou uma cobertura inteira de trastes...

Abro aqui parêntesis para dizer que no escritório da cobertura eu tinha um grande armário sob encomenda com profundidade de 70cm, quando o usual é de 53cm. Gavetas imensas. Pra alcançar as partes internas das prateleiras superiores, só com uma boa escada, sólida. Escondido nessas profundezas, milhares de fotos e negativos e slides guardados, mais coleções de livros e outros trastes como material e equipamento eletrônico sem uso, etc. Fecha parêntesis.

Dentre alguns dos aspectos do meu desapego, ressalto o descarte de todas as fitas VHS. Os filmes eu doei, as fitas pessoais foram destruídas antes de jogadas fora. Junto, os respectivos aparelhos. Fita cassete eu já não tinha, o gravador de 2 gavetas foi doado. Não sobrou um filme super-8, pois que estavam até melados. TVs de tubo foram vendidas ou doadas, muitos e muitos livros e coleções de revista também descartados. CDs e DVDs foram doados de lote! O que eu não ouvia se foi: inclua aí Beatles, Rolling Stones... Ainda tenho centenas, mas é metade do que tinha.

No entanto, de tudo que doei ou joguei fora o que mais doeu foram as fotos. Milhares delas, criteriosamente tiradas e muitas delas guardadas em álbuns inteiros - que eu jamais revia... Foram dias de seleção. Às vezes de um álbum de 300 fotos sobravam 10 ou 20 para relembrar... Alguns foram inteiros para o lixo, rasgados foto a foto. Sim, alguns sobreviveram também inteiros, mas poucos...

O que eu não esperava é que, junto com as fotos, fosse para o lixo o prazer de fotografar... Para que perder tempo tirando centenas, milhares de fotos, para depois jogá-las fora? Não falo apenas daquelas que nos custaram muito dinheiro (filmes, revelação, ampliação, montagem, etc), pois hoje não nos custa nada registrar a foto e guardá-la. Se estiverem enchendo o HD, ainda podemos guardar milhares num único DVD, a custo quase zero.

Mas pára e pensa... Pra que perder seu tempo mirando, enquadrando, escolhendo o programa de filtragem, efeitos, etc, para depois simplesmente mandar algumas delas no WhatsApp ou no Instagram ou no Facebook (nenhum dos quais exige qualidade de imagem) e depois jogar o resto fora? Que prazer restou em registrar uma viagem inteira? Para vê-la deletada alguns anos à frente?

Esse é o problema com o desapego. Pra mim o momento crítico foi com fotografia, mas pode usar o mesmo argumento para coleções de revistas, livros, bolachas de cerveja, chaveiros, miniaturas.... Ao mesmo tempo que o desapego abre espaço para novas experiências (disseram-me isso em cursinhos de gerência), ele destrói memórias antigas e pode levar junto prazeres, alegrias, comportamentos de anos que um dia alguém lhe diz que não servem pra nada e que você precisa jogá-los fora... 


Junto com os itens, vai para o lixo um pedaço de você... 


Notas do editor:
O mote desapego teve início com o post da Alessandra, encontrável em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2014/12/desapego.html
Teve sequência com a postagem da Ana Maria que está em http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2015/01/desapeguei-e-agora.html
E deságua neste do Freddy.

7 comentários:

  1. Posso estar meio confuso, pois levantei há pouco, tomei café, um banho, etc, e já estou aqui na frente do netbook ... e não desapego do danado ! rsrsrs. Mas não captei a mensagem do Freddy. Explico.

    O prazer de fotografar não está somente em colecionar as fotografias. Está exatamente nesse pequeno ciclo de clicar - admirar - mostrar aos outros - admirar .... acabou.

    Essa forma de refletir o desapego citada no post do Freddy não tem sentido para mim, ou seja, no exemplo dele : para que fotografar se vou ter que me desfazer das fotos ?

    Para que crescer, se vamos ter que jogar fora a juventude um dia ?
    Para que viajar se vamos apagar tudo da memória quando morrermos ?
    Para que ter filhos se vamos nos separar eternamente deles um dia ?
    Para que comer tanto e gastar tanta grana num restaurante ou num barzinho, se o nosso organismo aproveita pouco do que você ingeriu, e o resto vai literalmente para o vaso ?
    Para que estudar e estudar se vamos abandonar todo esse conhecimento quando desaparecermos ?

    De que adianta minha motocicleta, meus DVDs, minha grana, minha família, o sol e o mar, as estrelas, as montanhas, os aviões, as cores ... Para que viver então ?

    Por isso não desapego. Estou por aqui para viver, vivenciar mesmo a vida, recordar e recordar tudo que já fiz e tentar o que ainda não fiz.

    Não desapego de jeito nenhum !

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  2. Gostaria de justificar a demora. Eu li e reli os posts da Alessandra e da Ana, mais os comentários dos amigos. Então, comecei a fazer as minhas considerações com a intenção de publicá-las como comentário ao post da Ana, o mais recente sobre desapego. No entanto ficou tão grande deixei a cargo do Carrano publicá-lo separadamente ou inseri-lo como comentário. Ele optou por post separado, por isso veio um pouquinho defasado no tempo.
    Abraços
    Freddy

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  3. Que coincidência !

    Olhem matéria na FOLHA de hoje, domingo ...

    http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1570286-medo-de-arrastao-cria-visual-do-desapego-em-guaruja.shtml

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  4. Na verdade acho o tema muito amplo.
    A gente sempre aborda desapego de um ponto de vista material, mas eu percebo um pouco de espiritual na coisa, como tentei abordar no meu caso com fotografia.

    É verdade que mortos não levamos nada para o túmulo a não ser as lembranças, mas são justo algumas delas que são objeto do desapego, certo? Se cada bolachinha de cerveja lhe relembrar um momento especial e você joga tudo fora, o que resta?
    O objeto físico dispara a lembrança.
    Sem o objeto, poderá não haver mais a lembrança.

    Posso estender um pouco mais. Você inicia uma determinada coleção e nela se empenha anos, décadas. Adora aquela coleção. Eis que chega uma hora em que lhe impingem a ideia de desapego e que aquilo tudo não vale nada. E você "desapega". Pois bem: junto com as tralhas, vai toda a lembrança de um modo de vida, de um comportamento que lhe dava intenso prazer... Bancaste o idiota gastando seu tempo e dinheiro amealhando aquelas inutilidades todas?

    Ah, sim, dirão: com o desapego você abre espaço (mental e físico) para experiências renovadas, tanta coisa ainda a descobrir!

    Sim, de fato... No entanto, garanto que no mínimo você terá perdido o ímpeto de outrora. Pensará duas vezes antes de recolher uma lembrancinha, recomeçar alguma coleção nem que seja um álbum de fotos, já que você agora tem certeza de que um dia tudo será considerado lixo.

    =8-/ Freddy

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  5. Concordo com você, Carlos Frederico.
    Desapegar deixa vazios. Seja qual for o objeto desapegado.
    Infelizmente é um ato necessário. Com o desapego ganhamos espaço para o novo, seja material ou sentimental.

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  6. Carlos Frederico.

    Faz parte do desapego a dor da separação, mas a sensação que invade ao sermos remetidos aquela situação, isso não tem preço que apague da nossa memória, por mais lixo que se torne o apego que um dia foi extensão da nossa vida.

    Caminhando e cantando e seguindo a canção... Nossa bagagem fica reduzida as boas lembranças e não existe nada que impeça de levarmos.

    O melhor de tudo que é não pagamos excesso de bagagem por lembranças. Recordar faz parte do viver.


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  7. Não sei se foi porque tive uma infância que curti demais, mesmo com os problemas de saúde da minha mãe, tive uma adolescência para mim sensacional, tive a sorte de vivenciar plenamente os anos 60, do qual tenho recordações maravilhosas, e o início dos anos 70 ....

    Ditadura Militar ? O que era isso ? .... não me impediu de viver plenamente.

    Sou uma RELEMBRANÇA AMBULANTE , quase parafraseando Raul ....

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