Por
Carlos Frederico March
(Freddy)
Quando
olhamos o céu noturno no interior do país, longe das luzes das cidades e
vilarejos, somos tomados por uma sensação de pequenez do ser humano, uma noção
da grandeza infinita do universo sobre nós. Mesmo eu, que tenho certo
conhecimento amador de astronomia, às vezes vejo-me incapaz de identificar
alguns asterismos antes bem conhecidos, por conta da quantidade absurda de
novas estrelas que misturam totalmente os padrões antes tidos como familiares.
Muitos
não se apercebem do movimento aparente do céu sobre suas cabeças, no máximo notam
que a Lua e o Sol nascem e depois se põem. No entanto, todo o céu parece girar
para quem o observa atentamente à noite. Esse movimento aparente se dá em torno
de pontos bem determinados a que chamamos pólos celestes.
No
hemisfério norte o povo tem sorte, a estrela Polaris marca quase que exatamente
sua posição no céu. No hemisfério sul, não há nenhum bom ponto de referência
visível e identificável a olho nu, como se vê na foto de longa duração a seguir,
tirada na região de San Pedro de Atacama (norte do Chile) vendo-se em primeiro
plano a Laguna Miscanti (a 4.350m de altitude) e ao fundo Cerro Muñiques
(5.910m)
Pólo sul celeste visto de San Pedro de
Atacama - Chile
|
Os
povos antigos descobriram o período a que chamamos de ano justo por conta da
repetição regular de asterismos. De 365 dias em 365 dias (mais ¼ para ser mais
preciso) a posição dos astros no céu noturno era a mesma, coincidindo ainda com
mudanças climáticas. Perceberam que havia momentos bons para plantio e colheita
e que a natureza seguia esse estranho e repetitivo padrão.
A astrologia,
que mais tarde deu nascimento à astronomia, chegou a ser uma das atividades
mais importantes do passado da humanidade.
Astrólogos eram figuras permanentes ao lado de reis e imperadores, dado
que saber interpretar os céus foi fundamental para o desenvolvimento da sociedade
humana. Sim, claro, erros tinham consequências funestas para os pobres
coitados...
Resolvi
então fazer uma abordagem curiosa nesse post. Resolvi refletir sobre o que
seria da humanidade se a Terra circulasse seu sol num local do Universo que
possuísse uma densidade de estrelas vizinhas muito maior.
Nosso
belíssimo céu noturno não deixa de ser de uma negritude quase completa, apesar
da enorme quantidade de estrelas visíveis, principalmente quando não há Lua. O
Sistema Solar está situado num ramo externo de nossa galáxia, a Via Láctea. É
como se estivéssemos numa área rural, pouco populosa.
Contudo,
presos à gravidade dos bilhões de galáxias do universo encontramos os chamados
aglomerados estelares globulares, verdadeiras bolas coalhadas de estrelas em
cujo centro elas estão simplesmente apinhadas. Centenas ou até milhares desses aglomerados
são encontrados enxameando cada uma de suas galáxias mãe e Omega Centauri é um
dos que orbitam a Via Láctea.
Aglomerado estelar globular Omega
Centauri
|
Devido
à sua posição na Via Láctea, apesar de estar a 18.000 anos-luz de distância de
nós, Omega Centauri com seus 150 anos-luz de diâmetro é o aglomerado estelar globular
mais brilhante do céu terrestre e, por sorte nossa, plenamente visível a olho
nu no hemisfério sul. Situa-se visualmente próximo à constelação do Cruzeiro do
Sul (Crux). Junto com as “3 Marias”
(Cinturão de Órion), o Cruzeiro do Sul com suas duas estrelas-guia, Alfa e Beta
da constelação do Centauro, deve ser o objeto celeste mais conhecido dos
leigos, portanto nosso aglomerado não é difícil de localizar.
Apresento
a seguir um pequeno mapa estelar com sua localização precisa, a partir de foto
tirada no Brasil. Como o olho humano enxerga até a magnitude 5 ou 6 (essa
apenas pessoas privilegiadas), mesmo em subúrbios ele pode eventualmente ser observado
sem ajuda óptica como uma estrela difusa de quase 4ª magnitude (matematicamente 3,9). Um pequeno
binóculo ou telescópio já mostra claramente sua estrutura nebulosa, uma mancha
arredondada contra o fundo negro. Apenas em fotos de grandes telescópios ou do
Hubble é que ele se resolve em estrelas como na foto mostrada acima.
Mapa celeste com Omega Centauri e Crux (Cruzeiro do Sul) - Brasil |
Omega
Centauri tem, segundo cálculos astronômicos, mais de 1 milhão de estrelas. Alguém
faz ideia de como seria o céu num planeta que orbitasse um sol lá bem no meio
dessa muvuca? O Hubble Space Telescope, da NASA, fez uma foto de longa
exposição de uma pequena região nas proximidades de seu centro que dá uma ideia
de como seria parte do céu visto por um habitante desse hipotético planeta.
Pequena região dentro de Omega Centauri
|
A
foto mostra só um pedacinho dele. Imagina isso no céu inteiro, envolvendo o
nosso hipotético planeta. Lindo, não? A quantidade de estrelas seria tão grande
que se estima que lá não haveria noite (no sentido que conhecemos na Terra).
Quando seu sol se pusesse, permaneceria uma luminosidade residual similar a dezenas
de luas cheias.
Pergunto
eu, voltando à reflexão sobre o passado da humanidade na Terra: como um
habitante perceberia claramente o transcorrer de um ano com um céu desse sobre
sua cabeça? Seria virtualmente impossível perceber a repetição de padrões
celestes em tal caos visual! Isso talvez significasse que nossos amigos astrólogos
extraterrestres, se existissem (não haveria constelações identificáveis), teriam
uma dificuldade absoluta em se criar por ali.
Eventualmente,
essa raça alienígena se desenvolveria e de alguma maneira haveria de perceber
um certo padrão repetitivo, o tal que chamamos de ano. Quem sabe pelo movimento
de seu sol? Talvez a natureza os ajudasse, apresentando-lhes épocas periódicas
bem precisas para plantio e colheita, sequência de estações mais quentes e mais
frias, coisas assim. Olhando o céu noturno? Difícil...
Vou
além. Imagine que essa civilização já estivesse evoluída tecnologicamente,
apesar de que a necessidade de iluminação artificial nas residências seria,
vamos dizer, quase nula. Inventar a
lâmpada elétrica? Pra quê? Bom, um dia acabariam sabendo, como nós, que aquilo
tudo sobre suas cabeças eram sóis como o deles, que eles habitavam um planeta
esférico, e que havia um... universo!
Qual
o tamanho desse universo? Existiria o quê, além daquela barreira quase intransponível
de estrelas? Nós, terráqueos instruídos, temos a tal da consciência de nossa
absoluta pequenez por aos poucos termos juntado conhecimento de detalhes físicos
do universo que nos cerca - mas isso levou milênios. Astrônomos (“filhos
desnaturados” dos astrólogos) nos contaram que vivemos numa galáxia, que se
situa num super-grupo de galáxias, num determinado canto do universo que tem
bilhões de anos luz de diâmetro, que evolui de uma maneira ainda em estudo, e
por aí vai.
Contudo,
os habitantes desse planeta no meio de Omega Centauri seriam míopes em relação
ao universo como um todo. Teriam uma visão extremamente limitada sobre
cosmologia. É bem verdade que nós e também nossos hipotéticos alienígenas podemos,
sem nos alongarmos sobre a natureza do universo em seu todo, tecer teorias
sobre como e porquê os planetas se formaram e depois apareceu vida. Já é um
grande passo.
No
entanto apenas por conseguimos enxergar além do nosso sistema solar e
redondezas, usando poderosos telescópios ópticos e radiotelescópios, no solo e
no espaço, temos uma maior consciência do todo, do inacreditável universo que
nos cerca, muito além da Via Láctea.
Fazendo
um paralelo fantasioso, é como se a natureza “plantasse” uma tribo num local
isolado, numa região com uma belíssima paisagem nativa mas envolta em nevoeiro
eterno, que limitaria drasticamente a visibilidade do horizonte. Com o passar dos
milênios, provavelmente a tribo evoluiria social e tecnologicamente para uma
bela civilização, mas o habitante comum jamais conheceria sua posição geográfica
dentro do planeta, mesmo que alguns andarilhos se aventurassem e retornassem
com notícias de terras distantes.
Nunca
saberiam que eram parte de um imenso mundo, que tinha mares, montanhas, céu
azul de dia, céu estrelado à noite... Talvez viessem a conhecer o Sol, já que sua
imensa potência luminosa traspassaria o referido nevoeiro, mas com certeza não
conheceriam a Lua. Ela talvez fosse apenas uma claridade difusa que
periodicamente percorria a bruma acima nas noites sombrias.
Créditos das fotos:
Polo
sul celeste: site TWAN (The World at Night), Stephane Guisard -
Astrosurf.com/sguisard
Omega
Centauri, image credit & copyright: Joaquin Polleri &
Ezequiel Etcheverry (Observatorio Panameño en San Pedro de Atacama)
Mapa
celeste, figura recortada de original em:
http://www.myconfinedspace.com/2009/05/10/a-starry-night-in-brazil/starrynight-of-brazil_linestafreshijpg/
Centro
do Omega Centauri (foto do Hubble Space Telescope, NASA):
http://zuserver2.star.ucl.ac.uk/~apod/apod/image/0909/omegacencenter_hst_big.jpg
Observação complementar:
Devo esclarecer que a revista americana
Astronomy publicou artigo similar na sua edição de julho/2014, mera
coincidência. Ou telepatia, já que meu post vinha sendo rascunhado faz tempo.
Juro! Tanto assim que eles usaram como parâmetro o aglomerado globular 47
Tucanae, ao invés do que eu usei em meu texto, Omega Centauri.
Caro Freddy,
ResponderExcluirNão só para evitar o pneu, tão preocupante para você, mas também por questão de justiça, devo dizer que está didático o seu trabalho.
Do alto de minha ignorância no tema, diria que entendi alguma coisa.
Persiste, entretanto, minha curiosidade: como tudo isso se formou? A partir de que ponto, situação ou circunstância?
Bom, de zero não perde mais .... rs
ResponderExcluirAté gosto do tema, mas ainda estou completamente nocauteado pelo jogo contra a Alemanha.
Não consigo - ainda - nem abrir uma página dos meus livros, estou muito desanimado mesmo, principalmente porque sei que nada vai acontecer para uma reversão do cenário.
Isso ficou claro na arrogante e patética entrevista da Comissão Técnica, e na carta da DONA LUCIA.
Vai ser duro assistir o Brasileirão depois disso ...
Lembro de uma visita que fiz há anos, ao Planetário em São Paulo. Fiquei impressionada.
ResponderExcluirParabéns.
Helga
Agradeço o interesse despertado. Para muitos estudar astronomia, mesmo que de uma maneira leiga, decorre da busca pelas origens da vida, da natureza, do universo. Quisera eu, Carrano, e milhares de aficionados por cosmologia (um dos ramos da astronomia), ter resposta à sua pergunta!
ResponderExcluirO máximo que posso dizer é que existem teorias de astrofísica que procuram, através de simulações matemáticas usando supercomputadores por longas e exaustivas horas, demonstrar a formação das galáxias e seus aglomerados, estrelas e planetas. Se o resultado das simulações corresponde à verdade? Muito cedo pra dizer e creio que as gerações atuais ainda não terão essa resposta. Mas vale continuar buscando.
Abraços
Freddy
..... de qualquer forma, os dois últimos parágrafos do post me lembram o maravilhoso livro ALÉM DO FIM DO MUNDO, de Laurence Bergreen.
ResponderExcluirNele, o autor relata os escritos de Pigafetta, escrivão do navegador português Fernão de Magalhães, em sua incrível 1ª viagem de circum-navegação pelo Pólo Sul do planeta Terra (1519 a 1522),pois acreditava que ali tinha uma "passagem para o outro lado", e que retornaria à origem da viagem.
E ele tinha razão. Alguns navios voltaram, mas ele não, pois foi trucidado por selvagens durante a viagem.
Acho que já li esse livro 3 vezes, cada vez mais impressionado com a coragem desses caras em enfrentar o desconhecido, sem prova alguma do que existe do outro lado, a não ser sua própria convicção.
Os últimos parágrafos do Freddy também me levam à época Medieval, quando o cara deixava sua família em casa para conhecer alguns morros mais longe de onde vivia. E muitas vezes não voltava ....
Lembro também a 1ª vez que entrei numa cápsula GEMINI na NASA, nos EUA. Não dava para acreditar que algum maluco sentou ali, foi para o espaço,acreditando que toda aquela teoria ia dar certo, e ele ia voltar.
Então eu acho que, diferente do que o Freddy descreveu, mesmo com todas aquelas dificuldades, a tal tribo que ele exemplifica, encontraria sim seus caminhos, encontraria sim o entendimento da sua posição geográfica, enfim, haveria evolução da espécie e da sua tecnologia, exatamente como nós estamos conseguindo.
Toda vez que reflito em que estágio estávamos há 700 anos, e o que temos hoje, dá um nó na cabeça, quase uma distensão cerebral .... quanta evolução tivemos. E quanta besteira fizemos também.
E hoje é sexta-feira, logo...
ResponderExcluirQuando eu escrevi os parágrafos da analogia entre uma civilização quase cega pela quantidade de estrelas no céu e uma tribo numa região envolta em névoa eterna, também eu, lá dentro de mim, duvidei que elas (ambas) permanecessem ignorantes do mundo além...
ResponderExcluirA perseverança dos cientistas e destemor dos aventureiros sempre hão de arranjar uma maneira de perscrutar o desconhecido, assim como em pequenas caravelas alguns grupos se lançaram no tenebroso oceano para descobrir terras do além-mar.
Abraço
Freddy
Para musicar este post, nada melhor que o clipe "Stardust" (Poeira Estelar) da banda de heavy melódico holandesa DELAIN, link:
ResponderExcluirhttps://www.youtube.com/watch?v=Ubi1m5pR3hM
Não precisam sair correndo, nada de muito pesado. Charlotte Wessels em si já seria motivo suficiente para ver o clipe, mas a partir de 2:20 as imagens astronômicas começam a ser usadas, e na repetição do refrão, a partir de 3:00, temos uma verdadeira explosão de galáxias, aglomerados e nebulosas ao fundo.
Bonito.
=8-)
Freddy
De quem é a belíssima foto do Polo Sul tendo um canavial no primeiro plano?
ResponderExcluirVerifique, por favor, os créditos das imagens, colocados ao final do post.
ResponderExcluirObrigado pela visita virtual.
v-ewton,
ResponderExcluirAcabo de visita-lo em
https://plus.google.com/118181825203210457344/posts
Prezado Daltro, na página indicada nos créditos deste post pode ver a foto inteira. A que postei é um corte dela, pois minha intenção é dar ao leitor as condições de localizar Omega Centauri, foco do artigo. Parece-me que o autor seria Barak Tafreshi, ao menos é o que se vislumbra no canto inferior esquerdo do original.
ResponderExcluirObrigado pelo interesse mostrado.
Universos paralelos:
ResponderExcluirhttps://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Espaco/noticia/2018/03/confira-o-ultimo-artigo-que-stephen-hawking-escreveu-antes-de-falecer.html