24 de julho de 2014

Já falei tudo isso antes





Por
Ana Maria Carrano






Fui instada pelo meu irmão, que administra este blog, a relatar em poucas palavras, os usos e costumes vigentes na minha infância/adolescência.  Como vivemos na mesma década, na mesma cidade e na mesma casa, grande parte do que poderia citar já foi abordado no post de 20/07.

A autora do post é a menorzinha
Fazíamos parte de uma família pobre que, graças ao esforço, a capacidade de trabalho e ao talento de nosso pai, foi ao longo dos anos ascendendo na pirâmide social.

Este era o usual na minha infância. As famílias com menor poder aquisitivo não mediam sacrifícios para que sua prole tivessem melhores oportunidades. Hoje em dia, vemos um crescente número de famílias onde os pais e mães, privilegiam o prazer pessoal em detrimento da formação moral, cultural e religiosa dos filhos.

Nasci pouco antes do fim da 2ª Guerra Mundial, quando o Brasil sofria os efeitos dela. Havia desabastecimento e falta de empregos. Sofríamos a influência da cultura dos EEUU, disseminada através dos filmes hollywoodianos. Era uma novidade que substituiu a influência francesa do século 19.


Sara (sentada) e Ana Maria (autora)
Não lembro detalhes de minha primeira infância, mas guardo “flashs”, como fotografias, (na parede da memória – como disse o poeta) onde à tarde, após o banho, devidamente vestidas e enfeitadas com vestidos de babadinhos e laçarote, sentávamos na soleira da varandinha para olhar o mundo.

Fiz o curso primário (atualmente as 4 primeiras séries do fundamental), no Grupo Escolar Raul Vidal onde o uniforme - comum às escolas estaduais- , era blusa de algodão branco, com botões e gola, sobre saia azul pregueada. O tecido da saia – que não lembro o nome- era áspero ao toque.

A integração entre os alunos era boa. No recreio jogávamos queimada, brincávamos de roda, amarelinha, mamãe posso ir, pera–uva-maçã e passávamos anel. Nós, as meninas, não brincávamos na rua.  Em casa, entre irmãos, ou na escola.

Não havia TV, vídeo game, ou celular. O orçamento doméstico não comportava a compra de brinquedos. Umas panelinhas de alumínio e as bonecas que ganhávamos de nossas madrinhas, favoreciam nossas atividades lúdicas. Afinal, na época, as meninas eram criadas com o propósito de se tornarem donas de casa.

Costumávamos, também, desenhar bonecas de papel e criar vestimentas e adereços que depois de pintados e recortados, eram fixados por linguetas nas figuras.

Pelo rádio, tomávamos conhecimento da existência de brinquedos fantásticos. Alguém  ainda lembra do jingle do Bazar Francês? (Rua da Carioca numero 5. Bazar Francês. É com esse que eu brinco. Tem boneca que fala, tem revólver de bala, tem bichinho que senta...)

Por volta de 1954 papai comprou uma TV. Não existiam novelas, mas assistíamos a Teleteatros, ao "Câmera Um", "Espetáculo Tonelux" (Virgínia Lane), "Circo do Carequinha", "Programa Flávio Cavalcante", entre outros da reduzida grade.

A programação era apenas noturna, mas a TV só era ligada  após a Ave Maria, do Júlio Lousada, do "Anjo" e do "Jerônimo – o herói do sertão". (Filho de Maria-Homem nasceu. Cerro Bravo foi seu berço natal. Com Moleque Saci pra ajudar, ele faz qualquer valente tremer...)

Os comerciais eram feitos por garotas propagandas, dentre as quais se destacou a Neide Aparecida que anunciava as perucas Lady.

Passei a infância e parte da adolescência com um par de sapatos por vez, e um número extremamente reduzido de vestidos e complementos.

Minha irmã, uma linda menina, usava os cabelos compridos penteados com inúmeros cachos que eram, dolorosamente, formados. Meu cabelo mais liso e fino não se prestava a esse arranjo. Minha mãe os cortava reto, nos ombros, com uma franja.

Vivia despenteada. No curso ginasial, a professora de inglês (Dona Astréa), proibia que as alunas se penteassem antes do fim da aula. A mim exigia que arrumasse os cabelos.

Nunca segui moda, mas na adolescência, copiava alguns modelos nos filmes americanos, que a costureira modelava a preço módico. Um problema ortopédico me obrigava ao uso de “tanque colegial”, o que prejudicava um pouco minha elegância. Fazer o que? O “todo” também não colaborava, como já citou neste blog o poeta Ricardo Augusto dos Anjos.

Frequentei, com minha mãe, os mesmos cinemas (Rio Branco e Odeon) já citados no posts do blogueiro. Na adolescência – já com amigas - estendemos nossa abrangência até o Cine Central, São Bento, Edem e, finalmente, o Alameda.

No Curso ginasial promovíamos bailinhos e frequentávamos a domingueira do Plinio Leite (colégio) ou do Fluminense Natação e Regatas. Os rapazes colocavam lenço na mão direita para não suar a mão da parceira da dança.

Dançávamos ao som das grandes orquestras e dos românticos boleros. Fora dos salões, na sala de casa ou na calçada em frente ao prédio, dançávamos o rock de Bill Halley e o twist de Chubby Checker.

Os interesses entre as adolescentes eram os filmes de Pat Boone, James Dean, Natalie Wood e Robert Wagner. Os filmes demoravam quase um ano para exibição no Brasil, após seu lançamento. Líamos as revistas "Filmelândia" e "Cinelândia", que informavam sobre as novidades que esperávamos ávidas.

Era feliz, e guardo sem saudosismo os bons momentos.

Tenho por hábito e costume viver o hoje, com os olhos no amanhã, respeitando as características de cada fase da minha vida. Curto, aproveito e saboreio cada experiência e sensação que a vida me proporciona, até que se fechem as cortinas.


Nota do editor: a foto mostra uma família pobre, da classe "C", na década de 1940, numa foto em preto e branco. Só faltou ser tirada pelo Sebastião Salgado.

10 comentários:

  1. É notória nas descrições a diferença de esquema de proteção entre meninas e meninos na sua infância. Nós, meninos, nunca ouvimos falar de termos sido preservados ou protegidos, enquanto que as meninas o eram, por vezes em demasia.
    Fazia bem parte da sociedade da época. Brincar em grupos seletos, sair com as mães, ver TV P&B e ouvir novelas em rádio.

    Garotos viviam na rua, em bandos e, não raro, fazendo saudáveis (nem tanto) arruaças.
    Para encontrar as meninas, em geral precisávamos ir na casa de uma ou outra, brincar na calçada em frente: aí pintava um coelhinho na toca, um mamãe posso ir, ou um pera-uva-maçã.

    Na adolescência já podíamos ir com elas aos bailinhos (a turma toda junta) e depois trazê-las a salvo para suas casas. A "proteção" aí era garantida pelo conjunto de jovens que se conheciam.

    No Pé Pequenos os pontos de encontro da turma eram a varanda de Rosa Maria (na R. Itaocara) e dos gêmeos (na R. Itaperuna).

    Aproveitando o gancho, assim que ganhei meu primeiro rádio de pilha, as novelas que cheguei a acompanhar um pouco foram "Cavaleiro da Noite" e "Jerônimo, o herói do sertão". Não me lembrava do Anjo.

    Com relação a Neide Aparecida, nem me lembrava das perucas Lady, e sim do seu indefectível "To-ne-Lux" com um estalo dos dedos!

    Abraços
    Freddy

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  2. O que me chama a atenção nesse relato da Ana Maria é que apesar da diferença de idade entre nós - sou de 52 - o nosso dia a dia era muito parecido, as mesmas brincadeiras, os mesmos programas de TV e rádio, os garotos como Freddy descreve, enfim, as coisas parece que tiveram uma sacudida mais forte na década de 60 ...estou enganado ?

    O surgimento da Jovem Guarda, o golpe militar, o surgimento de Beatles, a TV GLOBO, enfim, acho que esse conjunto de coisas contribuiu muito para novos comportamentos entre nós.

    O que acham ?

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  3. Não saberia indicar um único fator desencadeador de mudanças comportamentais mais significativas.
    É um pouco diferente do passado quando a tomada de Constantinopla pelos turcos marcava o fim de um império, ou o Renascimento marcava o início de outra era.
    Hoje, de uns tempos a esta parte, os acontecimentos (e as notícias correspondentes) chegam muito velozmente, são mercuriais, vivas.
    Só para dar um exemplo, quer fato mais importante do que a derrubada das torres gêmeas para introdução de novos hábitos de comportamento? No mundo todo?
    E quando as mulheres queimaram os sutians?

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  4. Creio que devemos à tecnologia da informação a aceleração das mudanças. Foi a chamada "globalização". O advento da Net,colocou uma pá de cal sobre o conservadorismo. Passamos a acompanhar em tempo real os acontecimentos e a nos defrontar com outras culturas e costumes.
    Citei no meu post que os filmes demoravam um ano para serem exibidos no Brasil. Hoje, o lançamento é simultâneo. E por aí vai...

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  5. A internet e a popularização do acesso, no mundo todo e em várias midias (tablets, smartphones, etc) sem dúvida alguma foi um enorme fator de mudanças comportamentais.
    Meu neto senta-se à mesa com o celular ao lado.
    E as pessoas nas conduções estão de olhos fixos nas telinhas e os polegares em ação.

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  6. Ok, concordo com tudo que escreveram, mas eu estava me referindo às mudanças nas décadas de 50 e 60.

    Na minha leitura, houve uma mudança mais forte em comportamentos na década de 60, bem mais do que na de 50, que vocês vivenciaram. E aí coloquei que pode ter sido a Jovem Guarda, a ditadura militar, o início da TV GLOBO, etc.

    Vcs concordam ? Sentiram assim também ?

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  7. Mais importantes do que os fatos por você enumerados, Riva, na minha míope opinião, foram o movimento de maio de 1968, na França (Sorbonne) e o festival de Woodstock, também na década de 1960.

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  8. Ninguém notou as calças curtas com suspensórios citados em
    http://jorgecarrano.blogspot.com.br/2014/07/que-tempo-bom-nao-volta-mais-saudade.html

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  9. Acho que as décadas de 60/70 libertaram sexualmente as pessoas, o comportamento deixou de ser contido e passou a ser totalmente liberal.

    A história haverá também de registrar uma mudança radical no cenário musical. Olhando para trás, é quando o rock tomou conta da cena e foi um coadjuvante nas alterações sociais citadas.

    No entanto, também olhando para trás daqui a algum tempo, constataremos que o advento do microcomputador pessoal, do celular e da Internet interligando tudo e todos pôs o mundo de ponta cabeça! Tomados em conjunto foram os fatos mais importantes da história da humanidade, do ponto de vista social.

    =8-) Freddy

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  10. Sim Riva, desculpe. Viajei nas mudanças ocorridas de 60 para cá. As décadas de 50 e 60 foram bastante estudadas por sociólogos, por essas mudanças de comportamento.
    Foi chamada de pós guerra justamente por representar o esforço mundial para recuperação de seus padrões. Só que as coisas haviam mudado. As mulheres haviam sido incorporadas ao mercado de trabalho e todos voltaram seus olhos para os EEUU e seu "American way of life". Mesmo assim, na minha opinião, as alterações foram lentas e setoriais. Pequenos grupos se rebelaram e abriram caminho para mudanças. Diferente da revolução tecnológica que dominou o mundo rapidamente.

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