Por
Carlos Frederico March
(Freddy)
Eu
não sou muito fã de Carnaval, mas devo admitir que gostava quando era criança e
ainda me mantive animado enquanto adolescente. À medida que o amadurecimento
chegou, fui perdendo o gosto, paulatinamente.
Minhas
primeiras experiências foram no antigo Hotel Quitandinha em Petrópolis.
Empreendimento fadado ao insucesso por um mero golpe de azar do seu mentor,
Joaquim Rolla, que pretendeu construir o que seria até hoje o maior cassino da
América Latina, o Quitandinha teve inviabilizada sua maior fonte de renda pela
proibição do jogo decretada pelo Marechal Eurico Gaspar Dutra em 30 de abril de
1946.
Hotel, hoje Palácio Quitandinha, em estilo normando |
Funcionou
como Hotel até 1962 e então teve suas unidades vendidas a particulares, sendo
que estes as alugavam por temporada, de
modo que ainda pudemos usufruir do local por um ou dois anos a mais.
O
fato é que começamos a frequentar o Quitandinha por volta de 1958. A gente ia
de Ford 41, quando a única estrada que ligava Rio a Petrópolis era de mão dupla
(atual pista de subida) e era frequentemente interrompida por acidentes. Minha
mãe chamava de “grude” o enorme engarrafamento que se formava, provocando
paradas frequentes para que nosso venerável Ford não fervesse o radiador.
Nosso Ford 41 (placa 4-13-57) |
Além
do “grude’, a gente sofria com o “ruço”. Até hoje esse intenso nevoeiro comum à
região torna as viagens de incautos turistas numa enorme frustração, já que é praticamente
impossível trafegar pela cidade e seus acessos sem conseguir enxergar as complicadas placas de trânsito. O ruço,
quando adentrava o lobby do Quitandinha, criava uma bizarra cena de fog
interno.
Voltando
ao carnaval, o Hotel Quitandinha fazia as matinês no salão inferior ao que chamávamos
o “Salão do Eco” - salão Mauá. Esse imenso salão, acessível apenas aos adultos,
era palco dos famosos concursos de fantasia, coqueluche dos anos 60. Época áurea de Clóvis Bornay e Evandro de
Castro Lima
Os dois salões de bailes: Mauá (Salão do Eco) em cima. |
Uma
das coisas boas de irmos vários anos seguidos ao Quitandinha (de 1958 a 1963)
foi formamos uma grande e fiel turma (um
ou outro faltando, dependendo do ano). Tínhamos uma brincadeira que era juntar
serpentina e ir formando um enorme disco. Ganhava a disputa quem conseguisse ao
longo dos diversos dias o maior deles sem que se desmontasse todo!
Foi
numa dessas matinês, em 1959, que consegui minha primeira namoradinha. O nome
dela era Regina e tinha 8 aninhos, como eu. Sua fantasia era uma havaiana azul,
jamais me esquecerei. Pulamos juntos os dois bailes desse ano.
Em
1960 a gente teve um upgrade de modo que no carnaval de 1961 já adentramos o
hotel no nosso novíssimo Simca Chambord ’60, saia e blusa em tons de azul
(escuro e claro). Lembro-me do orgulho de nosso pais, pois a maioria dos
hóspedes era gente da alta sociedade do
Rio de Janeiro e arrotavam suas posses de modo a humilhar os menos favorecidos.
Simca Chambord 59/60 |
Nós,
pobres coitados, fomos curtindo como podíamos. Fazendo as refeições em pensão e
no (hoje extinto) Restaurante Falconi, raramente nos restaurantes do próprio
hotel, que eram luxuosos e bem caros. Não raro éramos obrigados a traçar o
macarrão com salsicha que meu pai fazia às escondidas dentro do apartamento,
num pequeno fogareiro a álcool.
Restaurante principal do Quitandinha |
Com
tudo isso, éramos felizes e as atividades com a turma preenchiam o dia e a
noite. Além das matinês carnavalescas, que ocupavam uma parcela mínima do tempo
de estadia, jogávamos bola, ping-pong,
corríamos (criança adora correr, ainda mais em grupo fazendo arruaça,
não?) e passeávamos juntos pelas imensas
dependências do Hotel.
Salão da Fonte |
Sala Dom Pedro, onde havia um piano (que eu tocava)
|
Varanda lateral direita |
A Gaiola
|
Lembro-me
de um fato isolado, quando eu conheci um espanhol que me ensinou a jogar
xadrez. Meus pais ficaram extremamente preocupados e me avisaram para eu ter
cuidado com esse estranho, pois que ele poderia querer “abusar” de mim. Claro,
nada aconteceu e foi graças a ele que sei “mexer as peças”, expressão comum
para classificar quem sabe as regras mas não domina a estratégia.
Tudo
se acabou por volta de 1963, quando ficou cada vez mais difícil conseguir
reserva no extinto Hotel, dependente que ficamos dos novos proprietários e seus
apartamentos alugados por temporada.
Dali
para a frente, minha experiência com Carnaval se restringiu a um ou outro baile
de matinê num clube do bairro, o Marieta de Santa Rosa (Niterói). Alguns iam ao
Central ou ao Pioneiros, mas eu fui ficando pra trás e nunca mais fui um frequentador de bailes.
Exceção
que me lembre ainda adolescente foi uma matinê no Theatro Municipal do Rio de
Janeiro, quando meus pais compraram um camarote e convidamos dois colegas da
nossa rua para irem junto. Minha lembrança desse fato não é das melhores, pois
que houve uma disputa pra ver quem “ficava” com mais garotas e eu, tímido, fui
o que menos conseguiu...
Devo,
portanto, todas as minhas lembranças de carnaval na infância ao Hotel
Quitandinha. Hoje chamado de Palácio,
tendo sido adquirido e mantido pelo Sesc-Rio, é um elefante branco, restrito a
atividades daquela instituição, muitas vezes negada ao próprio povo de
Petrópolis e aos visitantes.
Crédito de Fotos:
Palácio Quitandinha - extraída do Google
Simca Chambord 59/60 -
www.garagemdigital.blogspot.com.br
As demais são do acervo do autor.
Na foto alusiva a gaiola aparece o casal formado pelo autor e sua esposa Mary. E na referente aos dois salões de bailes aparece o autor.
ResponderExcluirAcho pouco provável que na foto apareçam o contador da história e sua namorada Regina, pois esta não está trajada com uma havaiana azul (rs).
Se estou equivocado me corrija. Freddy.
Carrano, a pessoa que está a meu lado na foto da gaiola é minha filha Renata.
ResponderExcluirTendo em vista a importância do Quitandinha em minha vida, tive a oportunidade de revisitá-lo por 3 vezes antes da ocupação pelo SESC-Rio.
Fiz questão de levar minhas 2 filhas para conhecê-lo, aproveitando para rever as partes comuns e contar-lhes como eram nossas estadias naquele imenso palácio.
Já na última das visitas tive dificuldade de entrar em certas partes por limitação imposta pelo SESC, e contaram-me que agora está cada vez mais difícil para turistas conhecer todo o seu interior.
A conferir.
Abraços
Freddy
Perdão, Renata, por confundi-la com sua mãe. Entretanto acho que contei pontos com a Mary por confundi-la com a filha um pouco mais nova.
ResponderExcluirSaudações vascaínas, Renata.
Agora uma intriga. Será a Renata a filha dileta? Por que a Flavia não aparece em nenhuma das fotos? Tratamento desigual (rs).
Os carnavais no Quitandinha eram legais. Todos rodando o salão na mesma direção ao som das marchinhas. De vez em quando me pego cantando mentalmente ÍNDIO QUER APITO ... até hoje !! Marcou até o último dos neurônios.
ResponderExcluirTambém sinto perfeitamente até hoje o cheiro dos lança-perfumes, um cheiro muito bom, no bom sentido. E como era gelado !
Tive bons momentos e boas recordações do local, muitas mesmo, mas de Carnaval não, porque nunca curti. Ia porque era obrigado por minha mãe a ir aos bailes.
Houve uma vez em que me perdi propositalmente perto da hora de me arrumar para a matinê, mas fui dedurado por um funcionário do hotel, e meu pai me achou ....
O Riva foi um "enfant terrible", num sentido mais amplo, e não rigorosamente no empregado por Thomas Jefferson.
ResponderExcluirSeria um menino "levado da breca", no dizer lusitano de minha avó Anna.
E a rebeldia parece ser uma marca registrada até hoje (rs).
Sobre ouvir as mesmas marchinhas de carnaval, experimente morar em Jardim Icaraí, na região do carnaval oficial de rua de Niterói. Tem palanque armado e ativo de 10 às 22 todo dia! Como Mary observou, desde tempos imemoriais a gente ouve sempre as mesmas músicas. Nada mais se criou!
ResponderExcluir=8-)
Freddy
Minha querida avó Carolina, que na verdade me criou em função da cegueira de mamãe, dizia que eu tinha "bicho carpinteiro" .... rsrs
ResponderExcluirCaros, a título apenas de informação ... ontem, aqui em Friburgo, comecei a escrever um texto para o blog intitulado INDICADORES DE VELHICE.
ResponderExcluirSe me perguntarem por que ? A resposta seria que tenho me sentido velho nesses períodos de carnaval, porque aquela batida constante de marchinhas e das escolas de samba me irritam profundamente, como nunca irritaram antes. Irritam tanto ou mais que ouvir a voz do Faustão, da Xuxa ou do Silvio Santos.
Você está ficando velho !!! ... diriam alguns.
Então resolvi escrever sobre alguns indicadores (meus) que sinalizam a proximidade da velhice ... rsrsrs
Mas, não sei porque, parei de escrever e deletei o texto .... achei meio deprê.
Abraços e bom Carnaval !!
Riva,
ResponderExcluirTer "bicho carpinteiro no corpo", como dizia sua avó Carolina, tinha o mesmo significado de ser "arteiro", ou "traquinas" ou "levado da breca", como diria minha vó Anna.
Escrevi diria, e não dizia, porque eu não era travesso (rs).
Se eu escrever sobre indicadores de velhice o número de suicídios dobrará no país e ira superar o da Suécia (rs).
ResponderExcluirVocê consumirá todo o estoque do Red Label (rs).
Recebi hoje, via Facebook, trecho de reportagem do jornal Tribuna de Petrópolis (edição de 11/03/2014) sobre desmandos do SESC na administração do condomínio do Palácio Quitandinha:
ResponderExcluir"Descontentes com a administração do prédio, moradores do Quitandinha já têm assinaturas suficientes em documento que convoca Assembleia Geral Extraordinária do condomínio, para destituir o síndico, o Sesc Rio de Janeiro. Na assembleia, os moradores pretendem instalar outra administração no prédio e tomar providências com relação às contas. A empresa a que o Sesc entregou a administração do Quitandinha recebeu o condomínio com R$ 450 mil de saldo em caixa. Agora, o condomínio registra dívida de R$ 500 mil. Uma das razões é que o Sesc, que ocupa toda a área térrea do Quitandinha, não paga a taxa de condomínio. Este é o assunto da manchete de hoje."
Abraços
Freddy
O SESC, até onde pude saber, fez um trabalho lindo de restauração no Palácio QUitandinha. Espero que não tenham problemas em dar continuidade a este maravilhoso trabalho. EU fiquei encantada em retornar ao QUitandinha, depois de muitos anos, e ver novamente aquela beleza toda. Acho que qualquer um que tenha um mínimo de amor por Petrópolis , ou mesmo qualquer um que ame a arte , a cultura , a arquitetura, a beleza, só pode estar feliz de ver um lugar que estava fadado à decadência e à destruição , completamente recuperado e bem cuidado. Eu adoro a cidade de Petrópolis, amo a arte, não vivo sem poder admirar o que é belo, respeito profundamente tudo que diz respeito à cultura, não só do meu país, mas do mundo. Espero que o Quitandinha ainda seja motivo de admiração e alegria para muitas outras gerações e que todos respeitem e concordem com isso.
ResponderExcluirBia,
ResponderExcluirObrigado pela visita virtual.
Lamentavelmente o autor o post- Carlos March (nosso Freddy) - deixou a vida terrena. Por certo gostaria de seu comentário.
Ficaram, entretanto, muitos textos, ricos em informação, emoção e cultura, como amante da astronomia, da fotografia e da gastronomia, entre outros assuntos sobre os quais gostava de dissertar.
Sim, o Quitandinha é motivo de admiração por seu passado como hotel/cassino de alto nível.
Ainda é, por sua arquitetura e a beleza do entorno. Espero que realmente o SESC faça um bom trabalho de restauração e manutenção deste que é um patrimônio fluminense e nacional.