Minha
mãe, assim como muitas outras daquela geração, tinha uma tarefa importante,
além de cuidar da casa, da roupa e da alimentação da família. Era a educação
dos filhos.
Eram coisas básicas, nada que
se aproximasse ao protocolo diplomático ou ritual monárquico, mas o suficiente
para que não a deixássemos envergonhada ou que virássemos um empecilho para que
a família pudesse se relacionar socialmente, ou mesmo fossemos criticados por
vizinhos por comportamento inadequado.
Sentados à mesa de refeição,
ainda crianças, eu e minhas irmãs não podíamos apoiar os cotovelos sobre a mesa,
mastigar de boca aberta e muito menos
- pecado imperdoável - falar com a boca
cheia.
Sabíamos que o pão se parte com as mãos e que não se deve soprar nem tampouco sorver a sopa fazendo barulho. E que a colher é levada à boca pela lateral.
Como disse não havia exagero
ritualístico, até pela relativa pobreza
em que vivíamos. Por isso a mesa era arrumada com simplicidade, um
prato, um copo, e garfo, faca e colher para cada um, sobre uma toalha alvejada
que assim deveria permanecer, pois era exigido cuidado para não derramar
bebida, ou deixar cair comida sobre ela.
Essa coisa de mesa arrumada comme il faut, para refeições de
cerimônia, que exige maior traquejo, como identificar os copos e suas
destinações, espumante, água, vinho branco,vinho tinto, cognac e licor e os
talheres para salada, peixe, etc., tudo arrumado ordenadamente só viemos a
aprender mais tarde. Mas o básico já trazíamos da primeira infância.
Tanto foi assim que, nos anos
1950, hospedados no Quitandinha, então um hotel de alguma classe, que acabara
de perder a condição de Cassino, meu pai arriscou nos deixar com eles na mesa do restaurante principal, com
serviço à francesa, declinando do oferecimento do Maitre de que fossemos para o
anexo restaurante das crianças.
Nós sabíamos a utilidade da
lavanda (pequena tijela com água perfumada, colocada à esquerda sobre uma toalinha)
para lavar as pontas dos dedos, e sabíamos tomar o consumé ou o suco de tomate
servido como ante-pasto. E comportávamo-nos bem. Ao final da refeição não havia
comida caída no chão em torno da mesa, não havia bebida derramada na toalha.
E falávamos baixo, sem
algazarra. Ah! Você deve estar pensando com seus botões, “coitados, não foram
crianças, não tiveram infância”. Ledo engano, fomos crianças normais,
praticando toda sorte de brincadeiras infantis com outras crianças da
vizinhança. Moravamos em casa de vila e
eram muitas as crianças que residiam nas redondesas. Além dos colegas de escola.
Hoje, lamentavelmente, o que
mais vemos são crianças violentando algumas regras elementares, como por
exemplo interromper um adulto enquanto
este está falando com outra pessoa. Intrometer-se em conversa de adulto sem ser
chamado ao assunto era proibido no passado.
Hoje as crianças, como regra
geral, não têm limites e nem responsabilidades.
Comportam-se com total liberdade de ação, gestos e palavras. Palavras? Palavrões e gírias, pontuam as conversas das crianças. Quando eu tinha meus 10,
12 anos, falar sacanagem , refiro-me a própria palavra “sacanagem”, era
inconcebível diante de meus pais ou pessoas mais velhas.
Obscenidades custavam pimenta
na boca ou um tabefe bem aplicado.
As coisas mudaram muito nos
últimos anos. No outro dia fiquei envergonhado, provavelmente ruborizei,
ouvindo, inevitavelmente, como outros passageiros, a conversa de duas
menininhas, que não teriam mais do que 13, 14 anos, dentro do ônibus. P#@§*#;%orra era virgula e c#*%;$§aralho era
exclamação.
Não faz muito tempo atendi no
escritório um cliente que apareceu com três filhos pequenos. Para que nós
pudessemos conversar, pois o assunto era sério (ele queria ser exonerado de
pagar pensão a um filho do primeiro leito, já emancipado), ofereci as crianças
uns biscoitos que a Wanda mantém num pote para que eu engane o estomago quando necessário.
P’ra quê! Se arrependimento
matasse, eu já seria pó. As crianças fizeram uma lambança geral, espalhando
migalhas no carpete (na época eu tinha, hoje não mais), que pisavam sem nenhum
cuidado, pois não paravam quietas. Queriam olhar pela janela, queriam abrir
gavetas, um horror.
E o pai ali, sereno e
impassível.
Toda esta digressão foi para
chegar aos adultos que temos agora. Marmanjos com suas enormes mochilas, em
alguns casos seria mais adequado chamar de cangalhas (carregada por jumentos),
entram nos elevadores e ônibus esbarrando nas pessoas sem qualquer cuidado.
Motoqueiros aproveitam as
rampas feitas nas calçadas, rebaixando o meio-fio para facilitar o acesso de
cadeirantes, são usadas como por alguns destes adultos, sem princípios e respeito
pelo próximo, que sobem montados em suas motos, com motor em funcionamento,
obrigando a que ao transeuntes se afastem mesmo estando na calçada sob pena de
atropelamento.
Custa, antes de subir para a
calçada (onde estacionar já seria um erro), desligar a moto, apear da moto e
empurra-la vagarosamente até o local onde será estacionada? Sem se transformar
numa ameaça a integridade das demais pessoas?
E os marmanjos que entram nos
coletivos tomando refresco em copo plástico que com o sacolejo acabam por entornar, molhando o passageiro próximo?
E comem biscoitos deixando
migalhas no piso do veículo, e as embalagens abandonadas embaixo dos bancos ou,
como vi no outro dia, colocadas atrás da cortina da janela.
Será que é necessário mesmo
sair da lanchonete ainda comendo o sanduiche e bebendo o refrigerante pelo
caminho? Que urgência é esta? Que falta de educação é esta?
Mas o que me levou a escrever
este post foi a cena hoje presenciada, defronte ao restaurante que tem no
térreo do prédio onde trabalho. Duas senhoras, presumivelmente entre 50 e 60
anos, conversavam, recém saídas e ainda segurando seus copinhos plásticos com o
chá servido no estabelecimento. Uma delas está se despedindo e se aproxima do
meio-fio onde solta o copinho no chão.
Diga-se que há espaço
interno, axatamente onde fica a mesinha com os diferentes tipos de chá pra que
se possa ali mesmo toma-lo (conheço o restaurante onde eventualmente almoço).
Gente,
uma senhora de cerca de 50 anos, cabelos grisalhos, atira ao chão, na rua, o
copinho que trazia desde o interior do restaurante.
Definitivamente
a mãe dela não se chamava Edith.
Imagens obtidas no Google.
É isso, Carrano. Hoje em dia os pais estão criando tiranos, crianças que não conhecem limites e têm o mundo literalmente na palma da mão.
ResponderExcluirComo é procedimento generalizado, receio em minha velhice ter de viver num ambiente social distorcido, populado por gente dessa nova laia.
Falando de coisas boas, chamou-me de volta lembrança do Quitandinha, que frequentei anualmente de 1959 a 1963. Passávamos de 15 a 30 dias na época do Carnaval, fez parte de minha vida. Estive lá recentemente para revê-lo e mostrá-lo a minhas filhas, servindo de cicerone (rs rs). Parece que hoje em dia a visita está meio restrita...
Abraço
Freddy
"É de cedo que se torce o pepino", dizia minha sábia avó de Trás-os-montes.
ResponderExcluirSe não, teremos adultos incivilizados. Liberdade não é ilimitada, porque tangencia a do próximo.
O episódio relatado, no Quitandinha, data de 1952, quando lá estivemos hospedados alguns poucos dias. Eu tinha 12 e minhas irmãs, 9 e 7 anos respectivamente.
Abraço
não é só com as crianças ...
ResponderExcluirÉ parte do procedimento/educação dos passageiros, na era dos "fingers" em aeroportos, quando o avião pára, as pessoas vão saindo aos poucos, os das primeiras poltronas primeiro, até o último assento.
Ontem me aborreci com um cidadão grisalho, de terno, que devia estar na poltrona 22, atrás da minha.
O cara insistiu em tentar passar a minha frente, empurrando, sem pedir licença, sem nada, com uma dessas malas com rodinhas que mal cabem no corredor do avião.
Perguntem se ele passou ? Não só não passou, como ouviu poucas e boas da minha parte ; terminei com um sonoro : da próxima vez compra poltrona na fileira 1 , C........ !!!!
Lá fora ficou me encarando com uma cara estranha .... perguntei a ele se estava com fome, se não comeu o cachorro quente (ótimo por sinal) distribuído no voo ?
Não respondeu .....
FLUi .... está realmente difícil o convívio, cada vez mais.
Boas notícias do SEXagenário .... já posso entrar na barca por uma entrada lateral, para idosos. Não sou mais tratado como gado !! hehehe
Bem-vindo sexagenário. Você agora está protegido pelo Estatuto do Idoso. Compre nas bancas de jornais o seu exemplar.
ResponderExcluirA propósito, em princípio a gratuidade nos transportes coletivos seria a partir do 65 anos, pois prevalece a norma municipal.
O que você já garantiu foi a fila dos idosos nos bancos (rs).
Abraço
Srs do Blog, as apreciações sobre a educação são corretas e oportunas. Mas existem pessoas grosseiras de todas as idades, inclusive algumas bem provectas. Não as desculpo, mesmo que aleguem estar num tempo de permissividade e que acompanham essa distorcida modernidade de seus sobrinhos e netos. Nem pobreza, nem riqueza justificam tal comportamento. Mas a "vara da correção" quando criança está hoje vedada aos pais, acho que por lei.
ResponderExcluirQuando da minha infância, determinados corretivos que recebi de meu avô, avó, pai e mãe tiveram resultados eficazes e nem por isso fiquei - e meus irmãos também - traumatizado. Tomamos, sim, bom rumo na vida. Graças a Deus!
Outro dia entrei na área de idosos do estacionamento do Aeroporto Santos Dumont. É para maiores de 60, fica bem perto do portão de entrada - bom.
ResponderExcluirTambém em Friburgo faço isso.
Ainda não sei o que pode e o que não pode, acho que tenho mesmo de comprar o estatuto - rs rs.
Abraços
Freddy
Tudo isso é faca de dois legumes, pois o autoritarismo, a repressão imposta pela educação formal, tradicional, faz com que a criança tenha "duas caras". Uma dentro de casa, bem-educada, no lar, e outra destrambelhada, desabrida, "lá fora"... E o perigo é se mostrar, se comportar assim, amoral, na idade adulta.
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