Riva52
Todos os dias, mais ou menos às 8h da manhã, passo de motocicleta pela Estrada Fróes em direção às Charitas, para pegar o catamarã rumo à Praça XV.
É um raro momento de viagem no tempo, diária.
Naqueles curtos 1.000 metros de curvas gostosas com a moto, os cheiros da região invadem meu nariz e me transportam para minha infância e juventude.
Sim, porque quando casei em 1977 parei de viver na casa onde fui criado desde meu nascimento, no Pé Pequeno ( http://wikimapia.org/5939504/pt/P%C3%A9-Pequeno ) , e me “tranquei” em um apartamento com minha esposa, iniciando um novo ciclo em nossas vidas, pois ambos sempre moramos em casas com quintal até então.
Ali naquela casa do Pé Pequeno eu farejava diariamente o limoeiro da minha vizinha Dona Aninha (cujos espinhos caíam no meu quintal e encravavam na sola dos meus pés, quando jogava bola).
As pequenas queimadas dos morros do entorno – aquele trágico mas gostoso cheiro de mato queimado (no bom sentido, por favor).
O perfume que emanava das diversas plantas e arbustos do nosso quintal.
O cheiro do café da manhã sendo preparado.
A brisa da manhã contaminada pelo contato com o nosso flamboyant na frente da casa.
O cheiro do quintal molhado pela chuva.
O cheiro dos nossos cães .... não esqueço o cheiro do meu cachorro molhado ! Dava banho de mangueira nele 1 vez a cada 15 dias, com sabão de côco. No final, acabava encharcado junto com ele !
Na Estrada Fróes meu capacete é invadido diariamente por esses cheiros maravilhosos, que não são sentidos em Icaraí, onde vivo há quase 40 anos.
Outro dia, um desses cheiros me pegou de surpresa de forma tão forte numa das curvas, que tive a impressão que perdi os sentidos por 1 milionésimo de segundo.
Não me lembro exatamente do que era, mas com certeza era cheiro do Pé Pequeno.
Preciso dar um jeito de passear na Estrada Fróes em outros horários, porque certamente reencontrarei cheiros vespertinos e noturnos ... o almoço e o jantar sendo preparados, o cheiro do cair da tarde, e os sons também .... grilos, vira-latas latindo, periquitos mil, o vôo das andorinhas, a sinfonia dos pardais no fim do dia .... caramba !! estou quase ouvindo minha avó nos chamando pra jantar : “ Está na mesa !!!” ,,, rsrs .
Isso me lembra que uma das nossas vizinhas, mãe dos irmãos Pedro e Mauro, badalava um sino de vaca para chamá-los para o jantar. Dava pra ouvir no bairro inteiro ! rsrs.
Em Friburgo, onde temos um ap/chalé, consigo resgatar um pouco dessa química, principalmente em relação aos cheiros das comidas que minha avó fazia, maravilhosas. E lá tem realmente um lugar para almoçar que se aproxima muito mesmo dos temperos e cheiros das minhas refeições na casa do Pé Pequeno ... chama-se Dona Mariquinha (http://www.hotelmounteverest.com.br/index.php?secao=paginas/restaurante ).
Não sei porque resolvi escrever sobre isso .... seria a proximidade dos 60 ?
Vocês também têm saudade dos cheiros perdidos da infância e da juventude ?
Caro Riva52,
ResponderExcluirAlguns cheiros, da infância e da juventude ainda estão em minha memória olfativa.
Mas cheiros enebriantes mesmo, que mexem não só com o olfato, são alguns que passamos a conhecer na maturidade. Quer exemplos?
Um bom vinho da Borgogna; um café passado em coador de flanela e, acima de todos, o da mulher saindo do banho, corpo ainda com gotículas escorrendo lentamente, e o improvisado turbante de toalha na cabeça. Irresistível!
Nenhum dos odores é mais marcante do que o do Royal Briar. O próprio slogan já afirmava: "o perfume que deixa saudade" (rs)
ResponderExcluirAbraços
Com a idade, o olfato começa a diminuir, com ele o paladar. Os cheiros do passado acabam se perdendo, não porque tenhamos deles nos esquecido, mas por ser mais difícil senti-los.
ResponderExcluirVolta e meia também sou assolado por uma memória olfativa repentina. A mais forte de todas é um determinado cheiro de elevador, meio chegado a mofo, que me transporta imediatamente para o (então) Hotel Quitandinha em Petrópolis, onde passamos todos os carnavais entre 1958 e 1963.
Abraço
Carlos
Não apenas cheiros têm essa capacidade de teletransporte no tempo e no espaço, que me parece ser o tema abordado.
ResponderExcluirAo entrar no restaurante Bräun&Bräun em Mury (Nova Friburgo-RJ) eu me vejo transportado para a Alemanha, onde vivi 7 meses.
Isso também me acontecia quando a Trattoria Torna (Niterói) tinha a decoração original, infelizmente trocada. Eu me transportava para a Itália. Isso não me acontece mais, portanto não era o cheiro, dado que as iguarias continuam as mesmas.
Outro teletransporte se dá quando eu tomo um cálice de xerez Tio Pepe, pois começo imediatamente a pensar nos bons tempos vividos na Europa. Não acontece com outros vinhos nem licores.
Abraço
Carlos
Gusmão foi longe demais. Anos 1940.
ResponderExcluirMas é verdade, o Royal Briar e o pó-de-arroz da Coty, eram aromas marcantes da época.
Mas o Riva52 está completando apenas 60 anos. Um menino. Tem muito cheiro para sentir ainda.
O Quitandinha, mencionado pelo Carlos, foi um importante Cassino, quando o jogo ainda era permitido no Brasil, assim como foram o prédio onde funciona a reitoria em Icarai, Niterói. No Rio tinha o Urca e o Atlântico.
Mas o cheiro de mofo no Quitandinha se explicava pela umidade constante de Petrópolis, e porque tinha enormes salões, com pé direito de sei lá, 5 ou 6 metros e consequentemente enormes cortinas de tecido pesado. E tapetes também muito altos e felpudos que retinham cheiro forte.
Conheci, com meus pais, um pouco antes dos carnavais do Carlos.
O cheiro de mofo não é agradável, mas aquele tempo deixou saudades.
Caro Riva
ResponderExcluirVocê faz o percurso que eu fazia todos os dias ao ir para casa em Pendotiba. Quando saía da Reitoria, ou voltava do Globo ou Jb, pegava a estrava fróes que era meu momento de limpeza mental. Aprendi cada curva pelo tato e perfume. Num determinado moneto parava no Iate clube para refrescar a alma em alguma brincadeira com o wind surf que praticava.
Mas, dois perfumes e sabores jamais esquecerei: bife de fígado na manteiga servido com pure de babata baroa, no inverno de Friburgo e um um bife a cavalo com fritas em cachoeira de macacu. fazia uma viagem de jipe com meu tio agrônomo e morria de fome. Esta refeição de beira de estrada é superior a qulquer pratos especiais que já provei. E em Friburgo havia o aconchego da casa da infância.
Obrigada por despertar estas memórias
Cheiro puxa cheiro, odores de um tempo. Tempo de poesia:
ResponderExcluirAquela hora
em que se passa, em que se corre para chegar ao ninho como ave sob o peso da tarde
da tarde que move o instinto
o hábito de se recolher
Aquela hora
de infância e adolescência de antigas ânsias reprimidas
pode até explodir ao se encontrar uma pessoa querida
muito querida mesmo, que há muito não se via
e que surge de repente
como se estivesse saindo do túnel do tempo
Aquela hora
em que se ouve um som de música qualquer
um grito ao longe, uma gargalhada, uma zoeira
-- tudo isso misturado a um cheiro familiar
cheiro gostoso de comida que vem da nossa casa antiga
anunciando o fim do dia e o mistério da noite
Aquela hora é amiga.
Prolongá-la é arte da memória e do coração.
ah, ricardo! doeu!
ResponderExcluirFiquei emocionado lendo os comentários de vcs .... quanta coisa boa temos para compartilhar ...
ResponderExcluirSds TRIcolores
Ok ... me empolguei.
ResponderExcluirFLOR do MATO
E quando por mim passeia, como o vento pelo mar
Dá vontade de tocar nas suas ondas , já
É como outra frequência, nada vem pra desligar
Fica tudo num crescente espírito dormente, vindo saciar
Esse mesmo cheiro flor do mato dá uma outra dimensão
Uma transa além do olfato que aflora a pele e então
Esse som que me embriaga à noite causando alucinação
Êxtase sem hora certa, pode ir embora ou não
É como o orvalho forte, molhado pelo prazer
Beijo que engole a noite, droga os sentidos
E faz desfalecer ....
Abrs
Ah, Riva, já que vc viveu no Pé Pequeno, por acaso, ou não, conheceu Ronaldo Grandelle (colega de Liceu, já falecido), Maria Célia Pucu e o próprio Pucu? E o "terrível" Timbó? Dr. Zanone e Cenira, Tânia e suas filhas Simone e Tatiana?
ResponderExcluirAh, Esther, e a Maria Torta, no Saco, Marly e seu piano? Tem cheiro de SAUDADE maiúscula! E vc morava lá de frente pro mar...
ResponderExcluirDeixo essa para meu irmão. Ele é que é expert em história do Pé Pequeno. Desses, efetivamente conheci Ronaldo Grandelle (2 casas antes da nossa), mas o Ricardo e a Rosana é que eram mais de nossa idade, mas mesmo assim não de nossa turma.
ResponderExcluirAbraço
Carlos
Ricardo, de todos que vc mencionou convivi muito com o irmão do Ronaldo (soube há alguns meses que ele tinha falecido, pq minha esposa se consultou com a filha dele), Ricardo Grandelle, inclusive na faculdade de Engenharia. Mesmo assim ele era uns 2 ou 3 anos mais "velho" que eu, o que fazia uma diferença enorme na época.
ResponderExcluirAmigo, se for falar/escrever sobre o Pé Pequeno, vou ter que escrever no mínimo umas 300 páginas. Há muito o que falar, rir de rolar no chão, cheiros e sons, TUDO !!!!
O Pé Pequeno sou eu
Eu sou o Pé Pequeno
Que cresceu, ficou grande
Mas com a grandeza e a pequenez do Pé Pequeno
Muita saudade mesmo de tudo ...pessoas, animais
(sei o nome de quase todos os cães de cada casa), sons, cheiros, calçadas (descrevo até hoje como era cada uma das calçadas de cada casa - eram diferentes umas das outras), árvores da rua, incluindo a famosa Mangueira no topo das ruas Itaperuna e Itaocara, as turmas amigas e inimigas, incentivadas pela revista do Bolinha que tinha Turma da Zona Norte e da Zona Sul, as namoradas, os rachas na rua, os bailes maravilhosos ao som da Jovem Guarda, Beatles e Rolling Stones, os bailes do Central, Le Petit, Regaras, Pioneiros, ....fui ali chorar e já volto !!!!
Sds TRIcolores
Ricardo .... complementando ... há alguns anos resolvemos, eu e mais 2 da tchurma do Pé Pequeno, tentar reunir o pessoal todo.
ResponderExcluirAs dificuldades eram enormes para localizar as pessoas - mortos, sobreviventes, feridos, etc rsrsrs - e já nos dávamos por satisfeitos se reuníssemos uns 5 ou 7 num quiosque nas Charitas.
Amigo, resumo da ópera .... o ENCONTRO reuniu quase 50 pessoas num salão de festas alugado em Icaraí. Foi notável !!!!!!!
E veja a pérola que vou contar agora. Eu tinha uma bateria completa, que meu pai tinha comprado para mim.
Quando o Brasil foi campeão em 70, os loucos amigos invadiram minha casa e cada um levou uma peça da bateria pra "comemorar" na Praia de Icaraí o tetra !! Todo mundo doidão !!!
NUNCA MAIS VI UMA PEÇA DA BATERIA.
Pois acredite, nesse reencontro, 36 anos depois, um desses amigos trouxe no evento o tarol e uma das baquetas sobreviventes !!!!
A pele de couro do tarol foi devidamente assinada por todos no reencontro, e está exposta em Friburgo no meu ap/chalé ..... é de chorar ou não é ???
Sds TRIcolores
Riva,
ResponderExcluirEncontraram-se com a turma de Icaraí e certamente foram batucar no Bar Campeão, na Comendador Queiroz, junto com Afonsinho "Faquir", Carlyle, Pepete, Canela, Juca Heizer e outros...
Correção : comemorar o TRI, não o Tetra ...rs
ResponderExcluirO reencontro teve uma particularidade engraçada : todos com crachá pendurado no peito, para evitar coisas do tipo ..."quem é vc mesmo ?" kkkkk
Sds TRI ...Mengão arrebentou com a torcida ontem ! rsrsrsrs
Que maravilha de post Riva!
ResponderExcluirO cheiro e tão magnífico a ponto de definir se comemos ou não. Mais magnífico ainda pois ele n tem forma, cor. Simplesmente sentimos o que dá sentido à vida.
É tão complexo que o cheiro nos liga a imagem, seja do passado como você relata no seu post, como atuais, essa da rua, do chuva, do sabonete na hora do banho...
Tao magnífico que n tem forma, n tocamos, não vemos. Mas somos reportados as mais belas imagens e as melhores sensações que foram produzidas em frações de segundos.
O cheiro do corpo do ser amado, aquele que gruda no travesseiro e depois nos pegamos a noite abraçando o travesseiro, pelo cheiro da doce lembrança...
Entre tantos cheiros produzidos pela sua doce lembrança como chuva, café, cachorro, o melhor cheiro mesmo e a junção de sentimento que voce colocou aqui. O cheiro preservado e vivo em sua memória. E essa dividida conosco. Muito obrigada por tamanha sensibilidade!