28 de abril de 2011

Outras histórias de meu sogro

João Campagna era homem difícil de ser avaliado e rotulado. Aparentemente contraditório, alternava sagacidade, boa percepção dos fatos, com incredulidade, ceticismo e a inocência dos puros.

Rude e de pouca instrução formal, de trabalhador agrícola, saído da lida da piaçaba, em Leopoldina, MG, migrou para Cachoeiro de Itapemirim, ES, onde exerceu múltiplas atividades sem relação entre si. Foi dono de bar/restaurante, de serraria e de pequena fábrica de calçados rústicos, como sandálias e botinas.

Valorizando o estudo, conseguiu formar os filhos até o limite do nível escolar existente na cidade naquela época. Assim é que todas as filhas concluíam o curso normal, formando-se professoras; mais tarde as outras 4, tirante minha mulher Wanda, lecionaram nas escolas locais, públicas e particulares. Wanda casou e mudou da cidade.

Os filhos - exceto um deles que foi acometido de tuberculose e teve tratamento demorado - concluiram o curso técnico de contabilidade, máximo possível em Cachoeiro na época. Não havia curso de nível superior, senão em Vitória.

Quem imaginava que o tumor na medula o prenderia definitivamente numa cama ou cadeira de rodas, após a cirurgia inevitável, se surpreendeu com o fato dele voltar a andar, trôpego, amparado certamente por bengala, mas ainda assim com autonomia de locomoção. Sem fisioterapia. Na base da força de vontade, orgulho e determinação.

Mas não pretendo, pelo menos aqui e agora, fazer uma biografia de meu sogro. Pretendo, apenas, mostrar algumas facetas de seu caráter, de sua filosofia de vida, de seus hábitos e crenças, complementando as histórias já narradas neste blog. Avaliem só.

Eu viajava cerca de 500 quilometros para namorar uma de suas filhas, com a qual me casei há 46 anos. Não ficava na cidade mais do que 3 dia consecutivos, em geral finais de semana e não podia, obviamente, perder um só minuto de convivência com minha namorada. Entretanto vejam o que acontecia. À noite, após o jantar, refeição que fazia numa pensão próxima a casa deles, eu ia namorar na varanda, onde ficávamos sentados num banco de madeira daqueles clássicos de 3 lugares.

Invariavelmente às 22 horas, acreditem, às 22 horas, ele aparecia numa das janelas da casa, de onde era possível ver a varanda, e anunciava: “Jorge, a Wanda vai dormir, mas você pode ficar aí se quiser. Boa noite”. E fechava a janela. Tempo apenas para um fortuito beijo e Wanda se recolhia.

Mas João Campagna era um homem bem humorado e espirituoso. Certa feita  queixou-se dos filhos homens (eram 3), e, brincando, contou uma invencionice. Disse que quando os meninos ainda eram pequenos, cansou de dar banho, pentear os cabelos, colocar sapatos e roupas limpas e coloca-los sentados na varanda pra ver se alguém os levava. Mas qual o quê, ninguém nunca se interessou em sequestra-los, mesmo limpinhos e arrumados.

Outra história que contava, provavelmente fruto de seu espírito gozador, era a de que tinha um amigo, de nome Victor, que por sua vez tinha um irmão surdo-mudo. O tal Victor ia sempre à pequena fábrica de calçados acompanhado do irmão deficiente.

Isto irritava um pouco meu sogro, porque o tal ficava no caminho atrapalhando a passagem. E contava: - “eu resolvi fazer aquele mudo falar. Na primeira oportunidade, estando o mudo no caminho, dei-lhe um pisão intencional no pé. O mudo gritou: Aaáiii!”

E, contada a façanha de ter feito o mudo falar, sorria discretamente como era de seu feitio. É bom que se diga que meu sogro era um homem corpulento. Deve ter doído mesmo o pé do mudinho, com perdão da incorreção política.

Mas a história que a Wanda conta a respeito dele que mais me agrada, é a de que quando faziam refresco em casa, por exemplo uma laranjada, depois de beber dois copos, ele comentava que estava muito forte e que deviam botar mais água. Eram 10 pessoas na família (casal e 8 filhos), fora os agregados.

Jamais acreditou que o homem tivesse pisado o solo da lua. Para ele era truque de americano, feito num deserto qualquer. Nunca retruquei, ouvindo calado, menos por respeito ou receio de contrariá-lo, mas por decepção. Não conseguia entender como um homem que gostava de ler, era razoavelmente bem informado e ia ao cinema duas vezes por semana, podia descrer do fato do homem ter, finalmente, alcançado a lua. Para a geração dele era mera ficção, era um sonho.

Para ele uma imagem não valia mais do que mil palavras, ao contrário do que diz o velho provérbio, repetido à exaustão mundo a fora.

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