15 de novembro de 2010

Volta ao passado

A finalidade do relógio é mesmo registrar a passagem de tempo. Mas este a que irei me referir, que encontrei na parede externa de uma das edificações que abrigam um restaurante e um toilette, no Parque das Águas, em São Lourença – MG, marcava mais do que horas.

É um relógio comum. Redondo, com uns 30cm. de diâmetro. Ele registra mais de meio século de minha vida. Explico.

O que me atraiu no dito relógio, além, claro, de verificar quantas horas, foi o que está escrito em seu mostrador: Pêndula Fluminense.

Trata-se de uma joalheria/relojoaria localizada na Rua Cel. Gomes Machado, no centro de Niterói. O dono, ou um dos, nos anos 1950, era pai de meu colega de colégio, chamado Ney Teixeira Gonçalves.

O Ney era uma figura ímpar. Sempre com cara de limpo, em qualquer circunstância, muito educado e elegante (roupas boas) e... tocava piano. Naquela época, um rapaz tocar piano, para nós outros, cafajestes, moleques, era um sinal de boiolice (não, naquele tempo era viadagem mesmo). Menino jogava bola e pulava carniça. Mulher tocava acordeom ou piano.

Então, à sorrelfa, murmurava-se que o Ney poderia ser bicha. Como eu o conhecia um pouco melhor, rechaçava a maledicência. Abro aqui um parêntesis, para dizer que na verdade o Ney era pegador. Num grupo que passei a freqüentar, levado por ele, algum tempo depois, as meninas davam mole para ele. Já que dei um pequeno pulo no tempo, dou outro adiantando que um pouco mais tarde, íamos juntos namorar, meninas diferentes, óbvio, mais que moravam em, com perdão da má palavra... São Gonçalo. Ele já tinha automóvel.

Minha namorada era a Maria Luiza Tinoco, um doce de criatura, filha do Turíbio Tinoco, que editava o jornal A Comarca, naquela cidade. Ela assinava a coluna social e promoveu minha introdução no meio social gonçalense.

Certa feita, e isto jamais esqueci, ao me despedir dela, num sábado, por volta das 21:30h, ela comentou meio triste: passo horas diante do espelho , para me enfeitar e você fica comigo uma hora e vai embora. Nosso namoro era sério e, aos sábados, era bom cair na gandaia com meninas mais, por assim dizer, liberais.

Mas, voltando ao Ney e a época em que estudávamos juntos, os sinais exteriores de riqueza, que faziam dele alguém diferenciado em relação a maioria de nós, eram: tinha piano, morava em casa térrea de bom padrão, com uma garagem onde jogávamos ping-pong e vestia-se bem. Chegou a me emprestar um blazer, certo dia, para eu poder ir a festa de debutante da irmã do Roberto Durão.

Os jogos de ping-pong terminaram quando o Senna ( José Carlos) “cantou” a prima doNey que passava uma temporada na casa dele. Criou-se um impasse diplomático e os jogos terminaram.

Vejam o que a simples visão de um relógio, em são Lourenço, no início deste ano, provocou na minha memória afetiva. Ele me fez voltar no tempo mais de meio século.

Depois conto mais, para que meu filho, e meu futuro biógrafo , tenha material de pesquisa.

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