8 de abril de 2020

A Covid-19 associada à literatura e à filosofia







Nos últimos dias muitas citações e analogias com o livro “Ensaio sobre a cegueira”, do José Saramago. Eu mesmo o fiz aqui neste espaço.

Na internet circula trecho do livro “O amor em tempos de cólera”, do Gabriel Garcia Marquez”, porque tem tudo a ver com isolamento, quarentena.

Agora, por causa de citação do Dr. Mandetta, ministro da saúde,  a vez é de Platão e sua obra mais difundida “O Mito da Caverna”.

Bem, Platão, Sócrates e Aristóteles, devem ser lidos e na medida do possível interpretados. Estão na moda, aqui no Brasil, Pondé, Cortella e Karnal. Cada povo tem os filósofos que merecem. 

Aliás, não confio em quem se intitula filósofo. Desses que têm cartão de visita. 

Pincei na própria rede mundial um trecho de Platão, mantendo a narrativa da autora da matéria (Maria Fernanda Rodrigues), porque é seguramente dos três citados o menos lido nos dias que correm.

“O Mito da Caverna”, de Platão, alegoria que pode ser lida em  A República mostra o diálogo entre Sócrates e Glauco sobre ignorância e conhecimento - sobretudo sobre a importância de se ter acesso a conhecimento para sairmos da caverna (e para queremos ficar fora dela).

O mito começa com Sócrates pedindo para Glauco imaginar um grupo de pessoas vivendo acorrentadas numa caverna desde a infância, amarradas pelos pés e pescoço e impossibilitadas de mudar de lugar e até mesmo de olhar para o lado.

A luz que chega vem de um fogo que queima por trás deles, ao longe, e tudo o que veem é a sombra de objetos sendo carregados projetada na parede na frente deles - e essa sombra seria a única coisa verdadeira para esses prisioneiros.

Sócrates sugere, então, imaginar esses prisioneiros sendo libertados e "curados de sua desrazão". "Se um desses homens fosse solto, forçado subitamente a levantar-se, a virar a cabeça, a andar, a olhar para o lado da luz, todos esses movimentos o fariam sofrer; ele ficaria ofuscado e não poderia distinguir os objetos, dos quais via apenas as sombras anteriormente." Ele continua: "O que ele poderia responder se lhe dissessem que, antes, ele só via coisas sem consistência, que agora ele está mais perto da realidade, voltado para objetos mais reais, e que está vendo melhor? O que ele responderia se lhe designassem cada um dos objetos que desfilam, obrigando-o com perguntas, a dizer o que são? Não acha que ele ficaria embaraçado e que as sombras que ele via antes lhe pareceriam mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?".

Sócrates questiona ainda: "E se o forçassem a olhar para a própria luz, não achas que os olhos lhe doeriam, que ele viraria as costas e voltaria para as coisas que pode olhar e que as consideraria verdadeiramente mais nítidas do que as coisas que lhe mostram?".

No caso de tirarem a pessoa à força da caverna e a obrigarem a subir, a sair, ele sofreria e se irritaria. "E, chegando à luz, com os olhos ofuscados pelo brilho, não seria capaz de ver nenhum desses objetos, que nós afirmamos agora serem verdadeiros."

É preciso que ele se habitue, para que possa ver as coisas do alto, explica Sócrates. Primeiro, ele distinguirá mais facilmente as sombras, depois, as imagens dos objetos refletidas na água e em seguida os próprios objetos. À noite, poderá contemplar as constelações e o próprio céu e, de dia, a luz do sol. "Depois disso, poderá raciocinar a respeito do sol, concluir que é ele que produz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível, e que é, de algum modo, a causa de tudo o que ele e seus companheiros viam na caverna."

Sócrates continua seu raciocínio. "Nesse momento, se ele se lembrar de sua primeira morada, da ciência que ali se possuía e de seus antigos companheiros, não acha que ficaria feliz com a mudança e teria pena deles?"

Imaginando que esse homem liberto volte à caverna, agora com a visão ofuscada pelas trevas, e não mais pela luz, e tente emitir um juízo sobre as sombras, ele poderia entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados. "Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?"

Platão conclui dizendo que é preciso assimilar o mundo que apreendemos pela vista à estada na prisão, à luz do fogo que ilumina a caverna à ação do sol. Quanto à subida e à contemplação do que há no alto, ele escreve, considera que se trata da ascensão da alma até o lugar inteligível. "Nos últimos limites do mundo inteligível aparece-me a ideia do Bem, que se percebe com dificuldade, mas que não se pode ver sem concluir que ela é a causa de tudo o que há de reto e de belo. No mundo visível, ela gera a luz e o senhor da luz, no mundo inteligível ela própria é a soberana que dispensa a verdade e a inteligência." E finaliza: "Acrescento que é preciso vê-la se quer comportar-se com sabedoria, seja na vida privada, seja na vida pública".

Se você chegou até aqui lendo sem pular parágrafo, está tão de parabéns quanto o ministro Mandetta, leitor seletivo que, se não blefou (já foi deputado federal, né?), foi capaz de digerir Platão, e não satisfeito releu a obra. Toda, suponho, e não apenas um excerto.

6 comentários:


  1. Os seguidores do blog, frequentadores do Pub da Barê não precisam de bula.

    Mas como vez ou outra aparece um penetra, esclareço que o trecho citado é uma parábola.

    A escuridão representa a ignorância.

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  2. Antes que eu esqueça, penetra:

    "Metáfora é uma figura de linguagem que produz sentidos figurados por meio de comparações". Wikipédia

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  3. O que houve ?
    Penetra esperto ? rsrsrsrs
    Anônimo ?

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  4. Lendo essa analogia, não sei porque, lembrei-me de Brasília.

    Imagina um cidadão que nasceu e vive até hoje em Brasília, se elegeu por lá deputado federal ou senador, e vive somente aquela realidade do seu dia a dia.

    Melhor assistência médica, auxílios Correio, paletó, aluguel, supermercado, farmácia, escolas, 65 funcionários à sua disposição, carro, gasolina, salário altíssimo, bônus e mais bônus ......

    Como seria a sua percepção de vida, ao se mudar por digamos uns 6 meses, para uma favela ou uma palafita às margens do alto Amazonas ?

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  5. Sobre o ângulo que você colocou a questão terei que refletir, caro Riva.

    Não pensei em condições físico-ambientais porque nós seres humanos somos adaptáveis.

    O difícil é superar a ignorância.

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  6. Eu suponho que esse perfil que descrevi é o de um ignorante dentro da caverna, segundo Sócrates ...

    PS: e o Penetra ? rs

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