Leiam e confiram comigo. É ou não é um belo texto?
"O tempo que temos na mão"
Autor: Leo Aversa
Fonte: O Globo – 02/05/2018
"Os filhos crescem, e a gente fica pensando: até
quando vão precisar dos pais?
O sinal da Jardim Botânico com a
Maria Angélica fechou, os carros pararam e, quando íamos atravessar, o Martín,
pela primeira vez, soltou a minha mão. Ele olhou para os lados, fez uma cara
séria e foi, sozinho e decidido, cruzando as faixas brancas, a caminho do lado
de lá.
Foi só um pequeno gesto de um filho
aos oito anos, mas, para o pai, que ficou com a mão solta no ar, foi um grande
choque. A gente tem a ilusão de que os filhos vão precisar sempre de nós para
comer direito, se vestir, se lembrar da hora e, é claro, atravessar a rua. É
uma ideia aconchegante, que dá todo um sentido para a vida. A nossa, não a
deles. Quando Martín me largou foi como se o futuro, lá na frente, desse uma
piscada para mim: esse menino daqui a pouco vai ser um adolescente, depois um
homem e, no futuro, aquele lá na frente, é ele que vai estar segurando uma
criança pela mão, preocupado se os carros vão parar no sinal.
Será que nesse dia, lá na frente, ele
ainda vai precisar de mim?
Do instante no sinal não vai ficar a
minha melancolia, mas, sim, a alegria dele por largar a mão do pai pela
primeira vez. Será um desses momentos da infância que ficam guardados no fundo
da gaveta, na caixinha das joias. Outros tantos serão esquecidos pelo caminho,
e é natural que seja assim, diz a cabeça, enquanto o coração fica apertado, com
saudade do que já foi, de atravessar — ainda ontem — essa mesma esquina com um
carrinho de bebê, mostrando para o Martín o sinal, os carros, a faixa, e
avisando do perigo de atravessar a rua sozinho.
Uma das coisas que os pais aprendem
rápido com os filhos é que o tempo passa voando.
Dias depois levei o meu pai ao
cinema. Ele tem 80 anos e está com Alzheimer. Ver um filme é uma das coisas que
ainda o diverte, mesmo esquecendo cinco minutos depois. A memória dele é como
um trem que vai embora devagar. O que ele ainda lembra hoje, já não vai lembrar
amanhã. Ainda assim, parece feliz com as poucas recordações que lhe restam. A
tristeza fica com a gente, que fica na estação vendo ele ir embora. O que eu
mais queria é que ele estivesse bem, que ele conseguisse ler esta coluna, que
me explicasse o que se faz quando o filho larga a sua mão pela primeira vez.
Eu queria ele de volta.
Escolho um filme de super-heróis,
porque coisas mais complicadas ele já não consegue acompanhar. O filme está em
terceira dimensão, então preciso explicar várias vezes por que ele está usando
óculos escuros dentro de um cinema. Ele esquece o que eu disse, olha para mim
de óculos escuros no meio da escuridão e começa a rir. Eu também acho graça, e,
nesse instante em que rimos juntos, a caixinha de joias se abre no fundo da
minha gaveta, e eu vejo o quanto a gente já foi feliz.
O filme começa e ele fica fascinado
com a terceira dimensão na tela, até que chega aquela cena clichê que tem em
todo filme 3D, quando voam pedras, balas ou mísseis para a frente, na direção
da plateia. Meu pai, que já tinha esquecido que aquilo era só uma ilusão de
ótica, é pego de surpresa e, vendo as pedras vindo em nossa direção, leva a mão
à frente.
Não na frente dele. Na minha.
E nesse pequeno gesto de um pai, aos
80 anos, me dou conta que, aconteça o que acontecer, a gente sempre vai
precisar um do outro."
Belo texto, Carrano. É a realidade da vida ...
ResponderExcluir"Quando um recém-nascido aperta com sua pequena mão o dedo do seu pai pela primeira vez, este fica preso para sempre."
ResponderExcluirGabriel García Márquez
Carlinhos,
ResponderExcluirGostei tanto que quando de sua publicação, enviei mensagem ao autor que teve a gentileza de responder como a seguir:
Leo Aversa
4 de mai
para Jorge
Caro Jorge
Obrigado pela mensagem!
Abs
Leo
É disso que o Brasil está precisando, Carrano. Boa leitura, bons textos, muita educação para o povo, principalmente para a juventude, que será o nosso futuro. Me dá tanta pena ver tanta gente debruçada no celular digitando mensagens idiotas e num péssimo português...
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ResponderExcluirNão posso tecer comentários pois as letras do teclado estão embaçadas. Percebo que os meus olhos estão lacrimejantes. Deve ter caído um cisco. Ou não.