13 de dezembro de 2016

Processo criativo

Sempre tive curiosidade de perguntar a um escritor como é o processo criativo. No campo da literatura  ficcional.

Agora que tenho um escritor por perto, vou entrevistá-lo para matar a curiosidade, esclarecer o que é lenda ou folclore, o que faz parte realmente da rotina de um autor, mesmo que, como no caso presente, de uma só obra. Por enquanto. Há outro em desenvolvimento.

Já até escrevi aqui no blog, que em minha opinião  o grande achado, o ponto de partida para uma obra de ficção, seja um livro, seja um filme, é um final surpreendente, inusitado, sem beijo apaixonado.

Meus exemplos seriam os filmes “Casablanca” e “Match point”. Já imaginaram se o Rick Blane (Humphrey Bogart) embarca naquele avião? O filme estaria mofando nas prateleiras e não teria se transformado num cult.

“Sempre teremos Paris” virou frase de efeito, recorrente na literatura, em outros filmes e em entrevistas.

Uma de minhas dúvidas, e concedo o benefício da dúvida apenas porque já ouvi ou li de mais de um escritor ou roteirista  que a partir de certo momento da história, da narrativa, os personagens ganham vida própria, saem do controle do autor/escritor. Será verdade?

Vamos a entrevista com Ricardo Campanha Carrano, professor, doutor, que se lançou na área  da ficção, distante da engenharia (que dizem ser ciência exata), que tem como ofício principal.

Ele acaba de publicar, no formato e-Book, o livro "Portal para o mar", disponível através do link a seguir.

https://www.amazon.com.br/dp/B01N9ADXRZ


GE : A história, com princípio, meio e fim já está na cabeça quando do início da redação do texto literário?

RC: Cada escritor tem o seu próprio processo criativo. Então, o que digo a seguir, vale apenas para “Portal para o Mar”. É interessante notar que métodos diferentes podem ocorrer ao mesmo autor, em livros diferentes. Acho que foi o Neil Gaiman que disse que você nunca aprende a escrever, você aprende apenas a escrever o livro que acabou de escrever.

Mas, a resposta para a sua pergunta é não. No caso específico, eu tinha apenas dois possíveis desfechos para o antagonista. Não sabia qual deles ocorreria, até bem próximo do final da escrita.

[Nota: Não que isso mude alguma coisa, mas “Portal para o Mar” é o segundo livro de ficção que escrevo, apesar de ser o primeiro a ser publicado. O outro está em processo de polimento. ]

GE: Os personagens já estão definidos e com perfis delineados, ou surgem por necessidade ou conveniência na medida em que a história avança?

RC: Normalmente, os personagens centrais são apresentados no início da história e evoluem com ela, num processo orgânico. Eles, como as pessoas reais, são transformados por suas experiências.

Existe, claro, um ponto de partida, mas, dali em diante, tudo é possível. No meu caso, os personagens têm vida própria e acabam ajudando no processo. É um tipo de esquizofrenia que me parece comum entre autores.

Ocorre, também, de você se dar conta de um traço de personalidade que estava oculto. É possível descobrir, no meio da história, que um determinado personagem é generoso ou egocêntrico, ou que tem medo de aranhas.

Outro ponto interessante a notar, é que as pessoas não são totalmente coerentes com suas ações e pensamentos. Por isso, um certo grau de incoerência deve ser encontrado nos personagens. Mas não muito, já que o leitor é menos tolerante com as inconsistências da ficção do que com aquelas da realidade.

GE: A abertura da obra, o início,  é mais importante do que o final, o desfecho?

RC: Se a abertura for ruim, o final talvez nem seja lido. Se o final for ruim, todo o trabalho de escrita pode ser comprometido. Ambos são fundamentais. Mas o desafio é o meio. Um livro interessante não pode ser apenas uma longa narrativa de como se sai de A (início) e se chega a B (desfecho). Não é a prova de um teorema.

GE: O que cativa mais o leitor? Conteúdo ou forma?

RC: Assim como existem diversos tipos de escritor, existem leitores os mais variados. Me arrisco a dizer que o conteúdo tem sido mais importante, para a maioria dos leitores modernos.

GE: O autor, ao fazer revisão, muda algum conceito do personagem, em razão de sua experiência pessoal em situação semelhante?

RC: Tudo pode mudar durante a revisão. A maioria das mudanças ocorre para manter a consistência interna da história, ou para chamar atenção para alguns pontos que você acha que não estão devidamente sublinhados. Mas, claro que a experiência pessoal do autor é a principal influência sobre a obra, tanto na escrita, quanto na reescrita. Alguém disse: escrever é reescrever.

GE: O autor tem preferência por alguma personagem?

RC: Você pode gostar mais de um personagem por afinidade pessoal ou por sua força dentro daquele universo da história. É pelo segundo motivo que muitas pessoas gostam de vilões. Gosto de muitos dos personagens de “Portal para o Mar”, por um motivo ou outro, mas prefiro não me apegar muito a eles, e nem os detestar demais. 

GE: O autor fica ansioso para ter retorno dos leitores?

RC: Sim! Uma das partes mais interessantes do processo é ver o que cada um enxerga na história. Geralmente, é algo que te surpreende. E cada um destaca algo diferente do outro. Mas, se pararmos para pensar, é natural que seja assim. As pessoas têm experiências distintas e, por isso, se relacionam com partes distintas da narrativa.

GE: Obrigado, sucesso para seu livro de estreia.


6 comentários:

  1. Fiquei surpreso com a afirmativa de que o sucesso de um livro ou filme pode depender de um final surpreendente, fora do esquema beijo apaixonado.
    Mesmo sendo adepto do final feliz concordo que Casablanca estaria mofando não fosse a maneira com a qual terminou.

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  2. Esta é uma opinião pessoal do blogueiro e não do entrevistado.

    Quando feita a pergunta relacionada a importância do início ou do final, o entrevistado opinou no sentido de que o miolo tem grande importância. Relembremos:

    GE: A abertura da obra, o início, é mais importante do que o final, o desfecho?

    RC: Se a abertura for ruim, o final talvez nem seja lido. Se o final for ruim, todo o trabalho de escrita pode ser comprometido. Ambos são fundamentais. Mas o desafio é o meio. Um livro interessante não pode ser apenas uma longa narrativa de como se sai de A (início) e se chega a B (desfecho). Não é a prova de um teorema.

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  3. Tem razão o autor.

    Fazendo uma analogia com o futebol, mais precisamente com uma decisão através de cobrança de penalidades, muitas vezes o técnico opta por deixar o melhor jogador para fazer a última cobrança, sob considerar que poderá ser decisiva e alguém mais habilidoso ou confiante terá mais chance de acerto.

    Só que pode acontecer, e já aconteceu algumas vezes, que se os primeiros cobradores erram, pode ocorrer do melhor deixado para o final nem cobrar a penalidade porque o resultado já estaria definido. Ou seja, o melhor nem aparece.

    Assim deve ser com o livro, o final pode ser bem bolado, criativo, mas se o leitor desistiu da leitura no meio do caminho porque estava boring, nem saberá como era interessante o final.

    Em tempo: Tentei comprar o livro mas a Amazon não trabalha com o cartão American Express. Terei que pedir ao meu filho que compre para mim, com o Visa.

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  4. Ao fazer a entrevista, veio a minha memória comentário de uma personalidade pública e famosa, que afirmou não existirem respostas inteligentes. O que pode haver são perguntas inteligentes.

    Imagino que ele se referia ao fato de algumas entrevistas serem vazias de conteúdo, pobres, desinteressantes, porque o entrevistador não sabia formular perguntas inteligentes.

    O João Ubaldo se queixava de que alguns entrevistadores sequer se davam ao trabalho e se informar sobre a obra dele. Perguntavam sobre "Memórias de um sargento de milícias!, quando o livro de autoria dele se chama "Sargento Getúlio".

    Peço perdão ao autor se fui apanhado na armadilha de não saber perguntar.

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  5. Eu gostei das perguntas. Espero que as tenha respondido satisfatoriamente.

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  6. Muito interessante o tema. Como devorador de livros, posso dizer que tudo é importante - início, meio e fim.

    Não existe nada pior do que não terminar um livro .... e já me aconteceu duas vezes. Fiquei mal, confesso.

    O livro E A BÍBLIA TINHA RAZÃO eu levei 8 anos para terminar.

    Não compro livros com a fonte pequena, porque atrapalha minha leitura dinâmica ou não.

    Minhas escolhas incluem critérios diversos, tais como, tamanho da fonte, leio alguns trechos para ver se está agradável, procuro perceber se existem muitas(os) personagens (odeio estórias com muitos personagens), quantidade de páginas, cor das páginas, uma bela capa, uma orelha com boas informações, até o cheiro do livro para mim é considerado, acreditem !!

    Quanto à construção do livro, não creio que seja muito diferente dos critérios usados para realizar um show de uma banda de rock - que foi o meu caso por quase 3 anos.

    Qual a música que deve abrir o show
    Qual deve fechar
    Qual deve ser a do BIS
    Como ordenar as músicas intermediárias, para manter o público ligado no show - ordenar por velocidade, por ritmo, por conhecimento público, etc
    Tocar músicas desconhecidas ? Só se a banda já tiver lugar no mercado

    Os personagens dessa estória estão nas letras das músicas, ou na harmonia, principalmente em shows instrumentais.

    E por aí vai ...... coisa para mesa de Pub mesmo.

    James, desce mais uma !




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