23 de setembro de 2016

Não poder contar era o pior

Por
GUSMÃO



Quando passava diante da casa da dona Marina, instintivamente Ney apertava o passo. Não poderia viver com a vergonha das pernas trêmulas e da broxada quando estava a beira do êxtase e do deleite sexual.

Quando era inevitável se cruzarem, Ney baixava os olhos e apenas murmurava,  em resposta, o cumprimento de dona Marina. E assim foi durante muito tempo, até que ele foi com Ariovaldo, o colega nordestino e mais velho, a um casarão na Rua Alice, na "casa das quengas"  e teve um desempenho condizente com o de um jovem saudável. Torrou uma mesada e recuperou a autoestima.

Mas até que isto acontecesse tentava se convencer de que só Marina sabia daquele episódio, naquela triste tarde,  e que o segredo estaria garantido, até porque também ele guardava uma informação que não poderia ser revelada sob pena de destruição da imagem da vizinha. E ela deveria contar com esse silêncio dele.

Marina e Osni formavam um casal discreto e de hábitos rotineiros. Dele o que se sabia era que saia de casa por volta das 9 horas para ir para o Banco do Brasil, onde trabalhava e voltava ao final da tarde, início da noite.

Aos domingos, ia jogar ou assistir futebol de areia na praia que ainda existia na Rua Visconde de Rio Branco, na qual era disputado um campeonato. Os times participantes  utilizavam uniformes correspondentes aos dos clubes do Rio de Janeiro. Osni envergava a camisa do Botafogo.

Raramente o casal era visto juntos, mas quando acontecia dava para perceber que ela era pouca coisa mais alta do que o marido. Ela quase sempre de roupa cinza, ou azul marinho, em vestidos  de modelo elegante, com bainha quatro dedos abaixo dos joelhos, porque Mary Quant ainda não havia revolucionado a moda feminina.

Agora, pensando bem sobre como dona Marina se vestia é que constato que nunca a víamos de calças cumpridas. Nem ela e nem nenhuma  outra das mulheres que moravam naquele pedaço do bairro. Era impensável.

Um pecado não poder apreciar na íntegra as pernas daquela vizinha. Era roliças, e bem torneadas, a parte aparente de suas canelas, entre seus sapatos com pouco salto e a bainha do vestido. A imaginação tinha que ser colocada a prova.

Isso para os outros jovenzinhos, mas não para ele - Ney - que tivera a oportunidade  única de vê-la quase desnuda.

Aquela visão sublime que teve o privilégio de ter diante de si, estava condenada a ter  que guardar com ele para sempre. Não poderia revelar sem ter que mentir sobre o epílogo, sobre a vergonha que passou.

E isso o amargurava mais ainda. Poder compartilhar a história de como comeu a desejada vizinha era o coroamento de tudo. Imagina o Ariovaldo. Iria morrer de inveja, porque se gabava de certa feita a menina do bordel não ter cobrado dele o michê, praticando o ato por amor. Eu acho que era bazófia, mas enfim ...

Mas Ney jamais teria este prazer  de poder contar sobre a dona Marina e sua carência e fraquejo. O filme "A bela da tarde" só seria lançado anos depois.

Agora devem estar se perguntando como eu sei desta história. Eu seria o Ney? Ou, parafraseando Flaubert, devo dizer que Marina sou eu?


Nota: Certa feita Gustave Flaubert, face a repercussão de sua obra "Madame Bovary", em razão da curiosidade geral sobre quem seria  na verdade Emma Bovary, respondeu "Madame Bovary sou eu".

8 comentários:

  1. Que problemão. Ashuadhuashua
    Ou entrega que o "defeito" começou cedo ou escancara a porta do ármário pra dizer que foi rejeitado pelo Ney. Ashuashuashua.
    Hoje estou malvada. Hihihihi

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  2. Gusmão,

    É crise de identidade?

    Como assim a pergunta sobre porque "você conhecia aqueles acontecimentos com o Ney"? Ney tinha sobrenome e CPF?

    Também achei meio dúbio o final da história. Aquela paráfrase com a ironia do Flaubert, sei não ... (rsrsrs).

    Enfim, espaço aberto para sua resposta, se achar que deve e precisa.

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  3. Prefiro acreditar que Ney e você eram tão íntimos/confidentes, que ele lhe contou tudo que o aconteceu.

    Ney ainda existe, ou levou seu segredo para o túmulo, permitindo a você revelar seu mortal segredo ? rsrsrsrsrs

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  4. Cara Incógnita,
    Sou bem resolvido.
    Se fosse o caso, parafraseando o Gustave Flaubert, teria dito que a Mariana sou eu. E não o Ney.

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  5. Se os manager permitir, farei um post sobre "os bastidores", "o how it's made", a inspiração, em suma tudo sobre personagens e situações relatadas.

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  6. Quem aí lembra das revistinhas suecas? Eu era grandinho quando tive acesso a primeira que circulou no Liceu. Puxa, da Suécia?
    O Freddy vai responder que da Suécia só conhecia a banda ABBA e os produtos Nokia.
    O Riva vai dizer que lembra da Suécia por causa do primeiro titulo mundial no futebol.
    Brincadeirinha com os irmãos.
    Quanto a mim, a única coisa que sabia é que era daquele país nórdico que vinham as revistinhas que faziam sucesso com a molecada nos banheiros.
    Algumas meninas também se alegravam quando tinham acesso a uma delas.
    Os marmanjos liam colocando dentro da "Manchete" ou "O Cruzeiro" que eram as revistas semanais da época, e assim disfarçavam.
    Estou falando disso para reforçar que as histórias do Gusmão são "contos da carochinha" se comparados a alguns livros eróticos que existem desde sempre. O Kama Sutra, indiano, fez o maior sucesso no passado. No teatro, recentemente, a casa lotava com a Fernanda Torres interpretando "A casa dos budas ditosos", texto de João Ubaldo Ribeiro, que nem era autor pornográfico. Inclusive as senhorinhas aplaudiam sem ruborizar.
    O Costinha, no teatro, ia ao limite extremo.
    Dito isto, quem souber ir até o limite tênue entre o erótico e o pornográfico, não invadindo o explícito, pode mandar os textos.

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  7. Relaxe, Gusmão. Lembre-se que a crítica faz parte do sucesso. Se comentaram foi porque leram e refletiram. Este é o objetivo quando escrevemos. No mais, todos temos liberdade de expressão, as pudicas e os escritores. Siga em frente. Afinal dizem que isso aqui é um pub virtual, e, confissões, confidências e discordâncias fazem parte do jogo.

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  8. Putz, as revistas suecas coloridas !
    Nunca esquecerei a 1ª que tive acesso.
    Quem me emprestou foi um amigo da rua Itaocara, Ricardo Grandelle.Eu devia ter uns 14 anos.

    Acho que fiquei umas 3 horas no banheiro !!! huahsuahushausuahsuahahsua (parafraseando a Kayla).

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