29 de julho de 2014

Experiências Escolares





Por
Carlos Frederico March
(Freddy)







No Marília Mattoso

Quem, em nossa faixa etária, há de negar que a primeira escola teve um lugar marcante em nossas vidas? Hoje em dia receio que esse ícone não exista mais, dado que não raro a primeira escola é uma creche, seguida de um pré-escolar e então a alfabetização já está praticamente feita quando a criança ingressa no ensino regular.

No meu tempo (nasci em 1/1/51), decerto algumas crianças iam para o Jardim da Infância, mas não eram muitas. Desculpe quem foi mas a avaliação de meus pais era de que quem gostava realmente dos filhos adiava até o último instante a liberação de seus pimpolhos para o mundo, geralmente com 6 anos. Naturalmente a sociedade evoluiu, cada vez menos mulheres conseguem ser apenas mães pois têm sua vida profissional independente, essas coisas todas... 

O fato é que minhas primeiras lembranças mais persistentes de vida se referem aos momentos que antecederam o “desmame”. Meu pai, funcionário público do IAPI (um dos institutos que se juntaram mais tarde para formar INPS e INSS), trabalhava nas horas vagas com títulos de capitalização (Cibrasil) e eu comecei toscamente a ter contato com letras e números preenchendo aleatoriamente campos de formulários que ele liberava para que eu brincasse.

Corria o ano de 1957 quando a escola escolhida para mim foi o então chamado Curso Marília Mattoso, nome de sua proprietária e diretora. Quem me alfabetizou foi Dona Léia, que foi um doce de pessoa e correspondeu a todas as expectativas que possamos ter com respeito a uma orientadora educacional. Assim que aprendi a ler descobri nos livros uma companhia inseparável.

O Marília Mattoso tinha um terceirizado que fazia o transporte das crianças. Isso era muito cômodo, porque morávamos no Pé Pequeno e a escola era, como é até hoje, em São Domingos (R. José Bonifácio, 39). O trajeto na modalidade circular era relativamente longo, o que apesar de parecer demorado facilitava bastante nossa interação social com os colegas, pois na escola só tínhamos o momento do recreio para tal, em parte dedicado ao lanche.

Um desdobramento “educativo” do longo caminho percorrido diariamente era nos mostrar a cidade. O percurso era realizado na mesma sequência de modo que se na ida você não via Icaraí, ou Vital Brazil, Santa Rosa, etc, na volta certamente veria.

Praia de Icaraí com trampolim
Praia das Flexas, no Ingá

A propósito desse micro-ônibus escolar, num determinado dia meu irmão (o Riva deste blog), afoito como sempre foi, saltou e saiu em disparada para nosso portão pela frente do mesmo. Vinha subindo a rua e ultrapassando o veículo parado um dos raros carros que transitavam àquela época no bairro. Paulo (Riva) foi atropelado! Foi coisa pouca, recuperou-se rápido. Esse acidente nos ensinou a nunca cruzar a rua à frente de um ônibus parado, e enquanto motorista, ultrapassá-lo com muito cuidado, pois sempre pode aparecer do nada um “Riva” afoito.

Lembranças... Muitas, como sempre desconexas e individuais. O cheiro da lancheira, com a onipresente garrafinha de café com leite frio. Deus meu, quando me vi livre disso nunca mais quis ver leite na vida! A proibição de comprar docinhos com o baleiro, porque “era sujo”. Cuscuz, quebra-queixo, cocada de corte, nem pensar! Mui raramente balas industrializadas.

Nosso primeiro livro eu não lembro o nome, mas consegui guardar o título de dois de seus contos: “O macaco buliçoso” e um muito curioso e que resgatei no Google, que tem realmente tudo: “O dervixe e o galo” de Malba Tahan. O articulista afirma que todos que foram alfabetizados o leram. Verdade? Confira o link:

http://pbnoticias.com/index.php?categoryid=28&p2_articleid=1547

Em casa, escrever em cadernos que eu comprava na papelaria anexa ao Cinema Mandaro (no Largo do Marrão) era um prazer, bem como adquirir lápis de cor, canetas esferográficas (novidade), borrachas macias... Brincar de  “dar aula” num quadro negro logo foi um de meus passatempos preferidos. Quanta alegria quando eu conseguia que me comprassem giz colorido!

Destaco uma providência de Dona Marília no sentido de aumentar o nível cultural dos alunos: curso de língua estrangeira. Não me lembro se havia escolha, mas o fato é que cursei um ano inteiro de francês. No Liceu Nilo Peçanha, anos mais tarde, tive aulas de língua estrangeira constantes da grade de ensino regular. Estudei um ano de francês, um de latim e dois de inglês. Por conta da base adquirida no Marília Mattoso, meu melhor desempenho foi justo em francês.

Tive, decerto, alguns bons amigos na escola. No Marília Mattoso o mais significativo deles foi José Eduardo Martins Felício, o Dudu. No entanto, foi uma amizade que não teve condições de se desenvolver pelos anos à frente porque Dudu foi obrigado a sair da escola e seguir com a família para o exterior, por motivos particulares. Soube que estudou diplomacia e hoje (ref. maio/2014) é embaixador do Brasil no Paraguai.
 
José Eduardo Martins Felício

Poderia citar alguns nomes de coleguinhas que ficaram em minha memória por um motivo ou outro, mas prefiro não fazer. Não sei se seria importante porque testemunhei que, ao longo da vida, nossos amigos sempre se referem ao momento em que estamos vivendo: cidade ou local de moradia, familiares “anexados” por casamento, trabalho...

Raros são aqueles amigos de uma vida inteira. Sorte de quem os tem. A Internet pode até ajudar a resgatar colegas que um dia tivemos mas, daqueles que foram meus amigos ou parceiros no passado distante, não mantive nenhum... Falha minha com toda a certeza.

Vamos a alguns fatos da “era Marília Mattoso”, que se estendeu de 1957 a 1960: jamais esquecerei o dia da explosão do depósito de armas do Exército no bairro de Deodoro, no Rio de Janeiro. Era 2 de agosto de 1958 e os vidrinhos de remédio na mesa de cabeceira de minha mãe, além de copos na cristaleira, passearam desordenados sobre as superfícies com a vibração do solo! Olha que eu morava no Pé Pequeno, Niterói!

Foi em 22 de maio de 1959 que aconteceu a revolta popular que culminou com o incêndio da estação de passageiros da Cantareira em Niterói. Havia grande insatisfação popular com a administração do serviço, a cargo do grupo Carreteiro. Uma greve deflagrada na madrugada daquele dia acabou deixando a população sem transporte marítimo e na confusão em frente à estação houve incitação ao quebra-quebra. A turba enfurecida ainda marchou pela cidade e incendiou 3 casas da família, que teve de fugir para não sofrer linchamento.
 
Incêndio da estação das barcas em Niterói - 1959

Foi também em 1959 que comecei, com 8 anos, a estudar piano (D. Helda, no Pé Pequeno) e teoria musical (D. Lourdes Drumond, em Santa Rosa), anseio materno e que seria um hobby para a vida inteira, apesar da intensa frustração que foi para ela o acidente que eu tive em 1968 e que cortou de vez sua meta (dela, não minha) de me ver pianista clássico profissional. Paradoxalmente foi o que me fez me apaixonar por piano, desconectando-me de vez da obrigação de tocar com alto desempenho.

Fechando o assunto como um todo, pouco me lembro de fatos ocorridos nos anos anteriores a 1957, ano em que entrei no Marília Mattoso. Foi a partir daí que tenho minhas memórias cada vez mais vivas, presentes. Ele simboliza também a definição de como minha vida ia se desenvolver dali até 1973: estudo, estudo e estudo!


Créditos:
Icaraí: www.niteroiontemehoje.blogspot.com.br
Praia das Flexas: www.niteroitv.com.br
Incêndio Cantareira: luartehistoria.blogspot.com.br
José Eduardo: Google

Sobre o mesmo tema, consultar post publicado em 01/06/2014:
http://www.jorgecarrano.blogspot.com.br/2014/06/no-alzira-bittencourt.html


12 comentários:

  1. Caramba, se o DUDU é um cara que morava ali no Ingá, na Rua Presidente Pedreira, a carreira de embaixador arrasou com o cara !!!

    Antes do Paraguai, ele passou por onde ? Caramba ..... o cara está depauperado ! O tempo tem sido inclemente com ele, coitado !

    Quanto ao post, muito bom relembranças notáveis (depois comento, com calma), tirando o penúltimo parágrafo, que ainda procuro entender de quem era a meta de pianista clássico afinal ... unilateral ou bilateral ? Parece ser bi, pela insistência do assunto em alguns posts.

    ResponderExcluir
  2. No verão passado, estando em Camboinhas com meus filhos, debaixo da barraca, sentado numa cadeirinha e tomando uma cervejinha bem gelada, porque sou filho de Deus, conversávamos sobre as praias de Niterói, no passado.
    E, claro, falei sobre o trampolim. Um deles me perguntou se eu saltava da plataforma mais alta. Constrangido respondi que nem em pé, num tipo de salto que chamávamos de "bomba". A queda e penetração na água se dá com os pés e o corpo tão ereto quanto possível. Quando eu subia e olhava lá de cima, dava tremedeira (rsrsrs). Não sei exatamente qual era a altura do terceiro nível, mas deveria ser algo parecido com o da plataforma de saltos em piscina, ou seja, 10 metros.
    Mas era uma delícia pular do primeiro piso.

    ResponderExcluir
  3. Confesso que nunca cheguei nem perto do trampolim!
    Outro de meus amigos de escola, o Antonio Fernando, citado no post do Alzira Bittencourt, deve estar pior que o Dudu: ele é o embaixador do Brasil na Ucrânia...
    Oh my God!

    Estou fechadinho em copas, estranhando que um acontecimento tão "normal" na vida do niteroiense quão tenha sido a revolta popular de 1959, que culminou com o incêndio da estação das barcas e das 3 casas dos Carreteiros, tenha passado em branco...
    Bah, tchê!
    <:o)
    Freddy

    ResponderExcluir
  4. Caraca ! o DUDU deve ter no máximo 63 anos, e parece ter uns 90 !!!!

    Mas é esse mesmo, do Ingá ?

    ResponderExcluir
  5. Sim, Dudu é o mesmo do Ingá.
    Há outros nomes, outras lembranças, mas nenhuma ficou como amizade. Parece que é um fato comum: a gente cresce, muda de escola, de cidade, entra no trabalho, e os relacionamentos anteriores se perdem, por falta de continuidade. Quando me encontrei depois eventualmente com algum deles, pouco houve o que falar, cada um tomou um caminho diferente na vida.
    =8-/
    Freddy

    ResponderExcluir
  6. Desculpem o tom meio soturno do comentário anterior, mas a realidade é que relembrar o passado, remexê-lo como temos feito ultimamente, tem me deixado meio nervoso.
    Mas isso passa!

    Hoje foi dia do nhoque da fortuna e lá fomos nós conferir na Torninha! Estava, como sempre, muito bom! Fui de nhoque de baroa a Giorgio, com cogumelos, abobrinha e tomate seco, em molho branco com um toque de queijo. Mary foi mais tradicional e foi de nhoque de batata ao imigrante: carne seca, tomate seco e rúcula, em molho rosé. Esse faz parte do cardápio diário. Delícia!
    <:o)
    Freddy

    ResponderExcluir
  7. Apesar de uns anos e de classe social de diferença,o cenário de nossas infâncias é o mesmo.
    Só lembro do trampolim como um monte de ruínas que colocava em risco as vidas de quem se atravesse a escalá-lo.
    Guardo até hoje na memória aquele dia de revolta dos marítimos que resultou na depredação do patrimônio do Grupo Cantareira.
    Eu, na porta do edifício onde morava, aos 14 anos, vi passar a turba em direção a Alameda S. Boaventura para o saque e incêndio de outra residência dos Carreteiros.
    Me chocou ouvir os gritos de ódio, e a errônea concepção dos manifestantes.
    Diziam que quando a "revolução" fosse implantada, eles morariam em casas ricas como as que abrigavam os empresários. O que me era dado conhecer de política, através de livros, mostrava que o comunismo era apenas a troca de grupos no poder. Isso me marcou.

    ResponderExcluir
  8. Página negra na história da cidade. A invasão da horda de vândalos, arruaceiros, na residência dos Barreto, atacando o guarda-roupa das mulheres, exibindo as peças íntimas e vestindo meias e blusas antes de mergulhar na piscina da casa, foram cenas deprimentes.
    Aquela quebradeira e o incêndio do circo foram dois acontecimentos muito tristes que marcaram a cidade.

    ResponderExcluir
  9. Este incêndio e a quebradeira que se seguiu,aconteceram quando eu prestava serviço militar na 2ª CR, então,instalada na Rua Dr. Celestino.Contava 19 anos.
    Colegas meus acompanharam o desenrolar e relataram para nós no dia seguinte.
    Eu assisti à distância as correrias pois estava de serviço na repartição militar.

    ResponderExcluir
  10. A família que controlava o serviço de transporte era Carreteiro.
    A história está na internet no sitio http://www.brasilescola.com/historiab/revolta-das-barcas-niteroi-1959.htm

    ResponderExcluir
  11. A observação do anônimo bate com minha versão, mas fiquei bolado com a menção do Carrano porque em paralelo à Cantareira, atracando no cais ao lado, existia a Frota Barreto, com canhoneiras adaptadas. Uma delas se chamava Barreto e a outra Alcântara. Uma terceira não lembro se era Fonseca.
    A pesquisar...
    Abraço
    Freddy

    ResponderExcluir
  12. Correto, Anônimo. Obrigado.
    O post ao qual você nos remeteu menciona inclusive o vandalismo e invasão da casa da família.

    ResponderExcluir