Por
Alessandra Tappes
Saudade tem
jeito. Jeito pra cerzir os remendos que o tempo deixou, colar os cacos que a
vida quebrou, curar cicatrizes que a dor causou.
Saudade n é dor.
Saudade é amor. Na verdade, vários amores guardados na estante das lembranças,
cheios de pó, mas com histórias surpreendentes a quem quiser ouvir. A saudade é
o melhor exercício para a mente n atrofiar. Lembrar dos bons momentos, nos
estimula a ir atrás de mais e mais para termos e sermos histórias aos nossos. E
assim como nas histórias, nos tornarmos eternos.
Não existe um
exato pq da saudade. Mas sei q ela n é um bicho de sete cabeças e nem o bicho
papão. Quem a tem no peito, tem felicidade constante, embora nem sempre o riso
saia, mas a alma é forrada de boas lembranças q só se constrói com saudade.
Melancolia? Certo
dia em uma conversa com uma amiga, constatamos as duas q melancolia é triste e
deveria ter outro nome. Há q se rebatizar a melancolia, pois ela carrega
consigo a saudade. Melancolia deveria ser sinônimo de alegria, felicidade,
risos. “Tá melancólico? Ah q maravilha! Isso é tão bom... hj eu to num estado
melancólico, dando bjs e abraços em todos...” Melancolia deveria ser consumida
em doses diárias no lugar de anti depressivos. Sem excesso é claro, pq tudo q é
demais, é demais mesmo.
Saudade tem jeito.
Jeito pra cerzir os remendos q o tempo deixou, colar cacos q a vida
quebrou, curar cicatrizes q a dor causou.
Era uma vez...
Saudade é cheiro. Tenho comigo o cheiro da saudade. Dona Joana, uma senhora baixinha, de
pele clara, chinelos de dedos, vestido estampado e casaquinho pro frio, quando
fazia, dizia ela, com sotaque castelhano, por onde ia deixava o rastro de
Alma de Flores. Do quarto feito pra boneca, ao banheiro onde mais parecia um
salão de festa pelo tamanho. Ao fim da tarde a casa tinha outro cheiro:
leite quente batido com nescafé e mostarda nas gajetas uruguaias q ela nos
preparava com todo o seu amor. Dona Joana Tappes, uma avó de 16 netos, que
tanto perfumou as melhores lembranças da minha infância e meu guarda
roupas (tenho alma de flores sim!) me deu em 19 anos as mais doces referências
que um neto pode carregar em vida. Herança sentida na pele.
Saudade é som.
E vários. Muitos ocupam mha mente. Ouço ainda vivo na minha memória Rod
Stewart cantar Sailing toda vez que eu me pegava pensando em voltar pro
Sul. Isso na década de 80, uma música q embalou bailinhos, embalava mha
saudade do sul. “ I am sailing, I am sailing
home again across the sea...”
Não há como falar
de saudade sem pensar numa música q nos acariciou a alma. Seria injusto citar
1, 2, 3...por isso faço desse blog gdes momentos de alegria da mha vida. Mesmo
os mais tristes, pq hj são superados.
Saudade é doce.
Numa noite fria e chuvosa de Porto Alegre em julho de 90, um amigo me
preparou sua espetaculosa “massa” como chamam os gaúchos. Entre risos e vinho,
rock e prosa há uma confusão enorme entre sal e açúcar, fazendo do jantar
simples uma diversão única e fabulosa. Mais doce que sua própria massa,
meu doce amigo compensa o jantar cantando pra mim Led Zeppelin Stairway to
Heaven ao som de um violão.
Sabor jamais
esquecido. Um gosto q só eu senti.
Saudade é toque. Uma cama de solteiro, um cobertor verde e quente, o frio entrando
pelas frestas, tudo dividido, Xanadu tocando a milhão no rádio, a luz do rádio
iluminando aquela noite e , mais alto q a música q se ouvia, era o som da
respiração no ouvido. O toque dos dedos pelo rosto, boca, se aventurando
pelo corpo sobre a roupa, costas, cintura, tudo em silencio, em segredo. Não
havia roupas pelo chão, nem botões de blusas sendo abertos, não havia marca
de batom pelo corpo, boca, mas tinha mto respeito, mto carinho e um amor
sincero e gritante no peito. O amor sim estava descoberto, estava nu e fora
feito em pensamentos. Esses jamais esquecidos e nem divididos. Esses jamais
vividos outra vez. Foi a única vez. Foi a primeira vez.
Saudade é vida. A vida é mto engraçada, dá voltas... hj me pego sentindo falta de SP,
da garoa no meio da tarde em pleno verão, do cheiro de borracha queimada do
Cambuci, o bairro q morei por mais de 20 anos, a velha escola AIA (Adelina Issa
Ashcar com Dona Lúcia na direção), as colegas amigas e unidas para sempre
enquanto durar a adolescência: Helô, Samy, Rosana, Maria Pia, Rebeca, bjs em
todas vocês, o calor do trânsito sufocante e louco em plena hora do Rush
em plena Av Paulista, a coxinha da coxa com creme do Rosima, tem até site: a
casa ainda existe na Brig Luis Antonio e tem filial na Pamplona, confiram por
favor... uma casa árabe q faz as melhores esfihas de dar inveja aos seus
criadores, o por do sol na praça Charles Miller, dos tombos de patins na
Aclimação e nas pedaladas no Ibirapuera. Cursinho Objetivo de sexta feira era
ministrado pelo saudoso FT (Fernando Teixeira) mestre em Literatura, bom humor
e carisma, ali na Prainha entre “ chopps e pastel” absorvíamos tudo q vinha do
mestre....saudade.
E por falar em
pastel...pastel de feira! Você pode comer pastel mundo a fora, mas o pastel de
feira de São Paulo realmente não tem igual. Garanto. Aquela casquinha crocante,
o temperinho verde na carne, o molho de cebola e tomate..hummm q água na boca
me dá. Cê nem liga se ficar um verdinho no dente, o q importa é q seu pastel
está pronto.
Rua do Oriente, 25
de Março, o q é aquilo? Mais de 2 milhões de pessoas circulando ao meio dia em
plena época de Natal. O vendedor de milho, abacaxi e Yakissoba. Todos ali
desviando do trânsito humano, ganhando seus trocados, pessoas deixando suas
economias, mas não esquecendo nem a filha do zelador na listinha de presentes.
Todos satisfeitos no centro, na “cidade” como chamam os, soteropolitanos,
cariocas, gaúchos, mineiros, japoneses, chineses, árabes, judeus, americanos,
europeus, mas no fundo e de coração, todos paulistas. Pq paulista “meismo” só o
sanduiche de mortadela no Mercado Público e um café pingado servido num copinho
de pinga. Pão na chapa, ovo cozido, almôndega no molho, salsicha enrolada. Só
não se alimenta num boteco quem n quer...
Noite. O ar de festa em pleno inverno. As danceterias extintas mas
vivas nas memórias alheias, (sei q não só as mhas) nos convidavam a relaxar,
aproveitar a vida. UP Down, Toco, Over Night e por aí
a fora. Don't You Forget About Me, Shout, Harry Houdini , sons q me vem a
mente...Tão bela época como qualquer época q tatua na memória os passinhos de
dança. Fila no banheiro, chapelaria era "up" e o Martini com cereja.
Pista lotada, palco forrado de dançarinos, telão pra acompanhar os vídeos. Fim
de festa, pai na porta da danceteria e o corpo passava a semana toda com a
sensação dos embalos q iriam continuar no sábado a noite.
Imigrantes (ah...foi Maluf q fez!!! Só
para constar aqui) lotada as 6 da tarde. Não precisa ser feriado, precisa
apenas de uns pilinhas pra vc pegar o “buzão” e descer pra Santos. Em 1 hora vc
encontra a melhor praia de SP (nasci lá, sei o q falo). O bafo sentido no
calçadão, o sorvete de doce de leite da Independência, a caipirinha do
Margarida na praia, a casquinha de siri e o empadão de frango servido junto com
MPB nos barzinhos e o mar morno a noite. As ondas fazendo espuma nos pés, a
água q molha metade da saia, as horas passando e vc nem sentindo, os parceiros
de caminhada, as famílias, as bicicletas, o trânsito apertado, mas vc nem
liga, é fim de semana. É praia de paulista...
São Paulo é assunto q dure ... e
saudade dela em mim também. Nem falei do meu timão...da Duncan, do Bexiga, de
Adorinan Barbosa, Vicente Matheus...Do Clayton Baroboskin (temos histórias
amigo, n caberia em uma noite conta-las)
Alguma
coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda
não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
Quando
eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos mutantes
E
foste um difícil começo
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Afasto o que não conheço
E quem vende outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso
Do
povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas
de Áfricas utópicas, túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa
Vamos conjugar o
verbo saudade.
Eu pensei que pudesse esquecer certos velhos costumes
Tu muito além longe daqui
Ele zomba do quanto eu chorei porque sabe passar e eu não
sei
Nós somos feitos um pro outro pode crer
Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer
de amor é viver dele.
Eles estão surdos.
Alessandra por ela mesma: ” Sou uma mulher madura que às vezes anda de balanço. Sou uma criança insegura que às vezes usa salto alto. Sou uma mulher que balança. Sou uma criança que atura.”
ResponderExcluirMais e sobre ela em http://alessandra-tappes.blogspot.com.br/
Que serão gajetas, santo Deus?
Que surpresa agradável fazer parte do seu blog! qta honra!Agradeço imensamente a oportunidade aqui exposta. Bom, respondendo a sua pergunta, "gajeta" é uma espécie de biscoito em formato de gaita, bem macio, salgado muito comum no sul. Ela vem do "castelhano" a língua comum e oficial da minha família e dos fronteiriços.
ResponderExcluirNa próxima ida ao sul, trarei pra você experimentar.
Abraços
Alessandra
Já estou salivando.(rsrsrs)
ResponderExcluirObrigado antecipadamente.
Alessandra, quem é você ?
ResponderExcluirSurgiu de onde ?
Não tenho referências .... de repente ...um abismo colossal ...caí ..... não sei o que dizer, não sei o que escrever depois de ler tudo isso .... um tsunami de emoções ......
Fui ali ..... não sei quando volto !
Eu entrei no seu blog, Alessandra. As 3 cartas que ali estão são da pesada! E, apesar de serem terem sido postadas em 2013 são tenebrosamente atuais, pungentes.
ResponderExcluirSobre o texto aqui postado, minha índole cartesiana custa a juntar dois mais dois e conseguir quatro ao se deparar com a enxurrada de emoções apresentada. O saudosismo mesclado com o modo de escrever do povo twitteiro, puro século XXI, torna-se verdadeiramente paradoxal. Ao mesmo tempo que choca, traz interesse.
Tomarei mais um vinho, ou dois, enquanto o releio (e as cartas do blog).
=8-)
Freddy
Sobre "gajeta", deve ser a versão gaúcha do original espanhol para definir biscoito, que se escreve "galleta" mas se pronuncia "galheta" ou "gajeta", dependendo do local e do país.
ResponderExcluir<:o)
Freddy
Riva! Eu q fico sem saber o q dizer depois de seus comentários!!!mas como vc mesmo citou, as emoções estão implantadas aqui e em todos os textos citados no blog de Jorge. Gosto de escrever nas horas q chamo de "vagas" e, como são poucas, reavivo cada minuto q tenho.
ResponderExcluirObrigada pelas suas palavras.e, por favor, volte logo ao blog de Jorge!
Att
Alessandra
Freddy
ResponderExcluirSou de poucas palavras contestadoras mas não pude deixar passar a minha indignação em referência as cartas que caíram feito peixe em e na "rede" virtual.
Sobre o saudosismo. Ele embala minha vida, alimenta mha jornada e encoraja realmente meu dia a dia. Gosto de lembrar o que ainda vive em meu peito, gosto de dividir velhas emoções e juntar as novas. A pressa do dia admito, faz com que metade do nosso vocabulário seja abreviado, mas ainda é entendível.
Você está certo qto a escrita da famosas "gajetas" que cresci comendo entre sotaques catelhanos e parentes orelhanos. Retratados em verso e canção por Dante Ramon Ledesma no link: (vale a pena conferir) http://letras.mus.br/dante-ramon-ledesma/537047/
Agradeço suas doces palavras.
Abraços
Alessandra
Muita sensibilidade, muito romantismo, muito afeto, muito, muito...
ResponderExcluirTudo isto está subentendido.
Helga
Já conhecia este seu texto, publicado em 2012. Muito bom, com a sensibilidade à flor da pele.
ResponderExcluirFreddy ressaltou um detalhe importante, relativo a mescla do saudosismo com a forma de expressão moderna.
Visitem o site da Alessandra, em:
ResponderExcluirhttp://alessandra-tappes.blogspot.com.br/
Basta selecionar o endereço acima e colar na barra de seu navegador.
Gosto de reler porque a gente capta coisas que numa primeira passada, afoito, a gente perde. Pastel de carne! Meu preferido! Nunca o comi numa feira em São Paulo, de modo que meu preferido ainda é o de Gramado/RS , no Pasteleiro. No entanto, é uma casa relativamente sofisticada e para pastel isso conta pontos contra! Minha boca enche d'água quando prevejo esse da feira: deve ser melhor, mais típico, massa especial. Quando voltar a São Paulo, vou ver se o degusto para poder opinar!
ResponderExcluir<:o)
Freddy
Freddy,
ResponderExcluirOs pasteis de feira são imbatíveis.
Em São Paulo são (ou eram) várias as feiras semanais em diferentes bairros.E todas com patel e caldo de cana.
Sugiro que você vá a feira de artesanato e antiguidades da Praça Benedito Calixto, pois além do pastel, certamente você apreciará outras coisas.
Pastéis de boi ralado merecem um post especial. Sou fanático por eles.
ResponderExcluirMinha avó fazia ótimos pastéis em casa. Eu sou daqueles que pára em qqer esquina que tenha um pastel de boi ralado, e arrisco mesmo.
Não sei dizer qual o melhor, mas gosto muito do de Campos do Jordão (o do Maluf), do Paulinho no Campo de São Bento de Niterói, de um de Friburgo que vende numa esquina vadia (não sei o endereço mas sei ir lá), os da Confeitaria Colombo são muuuuito bons, apesar de caros, os mini que vendem nas Barcas da Pça XV.... são tantos.
Não sei dizer qual é para comer ajoelhado ....
Eu adoro tudo que envolva boi ralado. Já comi almôndegas num bar em frente à Embratel que em juízo perfeito ninguém arriscaria: a cada dia um sabor diferente, dependente do que sobrou no dia anterior. Amassada num pãozinho francês e com um complemento de cebola e tomate que cozinhavam no calor do caldo... Hmmm! Era pra café da manhã, pode?
ResponderExcluirHamburguer, sou fã incondicional do McDonald's apesar de curtir uma enorme hostilidade quando ao modo com que é gerenciado - escravidão.
Bolo de carne recheado em formato de rocambole, Mary faz um divino! Torta de purê com carne moída, macarrão em geral à bolonhesa (principalmente lasanha), kibe assado ou frito (não cru), kaftas marroquinas, croquetes de festa...
O que for inventado com boi ralado estou dentro!
Até empada à bolonhesa encarei numa dessas franquias loucas, mas o mercado não aprovou e elas infelizmente saíram do cardápio.
E pastel, com certeza meu preferido é o de carne. Depois o de carne. Por último, o de carne!
<:o)
Freddy
UAU... que texto!!!
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