9 de abril de 2014

Memórias do Pé Pequeno - I







Por
Carlos Frederico March
(Freddy)











Volta e meia sou instado a comentar sobre minha infância. Decerto gostei dela, mais que da adolescência, visto que na infância nossa inocência é respeitada, já na adolescência ela nos torna ridículos. Então, comecemos!


Localização do Pé Pequeno em Niterói

                        
O Pé Pequeno é uma região do bairro de Santa Rosa que contém um pequeno vale, com acesso pelo Largo do Marrão. Consta que fazia parte da Fazenda Santa Rosa e que um dos herdeiros, Antônio José Pereira de Santa Rosa Jr, tinha o apelido de Pé Pequeno. Loteado no final dos anos 40, foi aí que nossos pais (José Frederico - Fred, e Florentina - Flora) compraram um terreno logo assim que se casaram (dezembro/1949), onde mandaram construir a casa onde viveram e criaram família, casa essa que veio a sofrer algumas reformas ao longo dos anos.


R. Itaocara, 137 em 1951

O bairro tem suas ruas nomeadas segundo municípios do Estado do Rio. Os acessos principais são as Ruas Itaperuna e Mangaratiba, que apesar de ser o início da Rua Itaocara (onde morávamos no número 137), recebeu um nome à parte.  O mesmo aconteceu com a Rua Itaguaí, que tem um dos extremos nomeado como Rua Magé. 

Temos também as ruas Maricá, Miracema, Araruama, Saquarema, além da única que não tem nome de município, a Travessa Faria. Por estranho que pareça a nomenclatura, a Rua Teresópolis era  (e ainda é) uma viela estreita onde mal passa um veículo, enquanto a Travessa Faria é uma rua de fato. Até hoje funciona como terceiro acesso ao bairro.  

A Rua Maricá foi construída acompanhando uma das “costelas” do vale e sobe até quase se encontrar com o final da Itaperuna, onde tinha o Campinho, palco de algumas notáveis partidas entre turmas rivais.  Sua inclinação inicial é uma prova para motoristas incautos e hoje um desafio para carros 1000. Imagina na época, ela toda de terra, aqueles carrões importados pesados... Que me lembre, se alguém lá tinha carro, deixava-o estacionado no pé da ladeira...  

A Rua Miracema, do outro lado do vale, só não é similar porque começa plana. No meio tem uma escadaria, de onde então o acesso morro acima é a pé mesmo.. . Contudo, no todo ela pode ser considerada o limite oeste do bairro. 

Planta do Pé Pequeno com algumas referências pessoais


Em nossa infância o Pé Pequeno tinha algumas “referências geográficas”, além do já citado Campinho. Para nós o principal era a Mangueira, uma enorme árvore na grande curva onde a Rua Itaocara juntava com a Itaperuna, que a partir desse local se tornava uma ladeira sem saída em direção ao morro que faz fronteira com o bairro do Cubango.  

O segundo era a Horta que, como o nome diz, era uma grande plantação de hortaliças.. Situada ao final da Rua Itaguaí e ladeada pela Travessa Faria, era o limite leste do bairro. A Mangueira faz tempo foi derrubada e a Horta deu lugar a um empreendimento imobiliário. Outras referências eram um grande terreno baldio na Rua Itaperuna, quase na Mangueira, e outro, que a gente chamava de "o Barranco", na altura dos números 148-152 da Rua Itaocara.  

O terreno baldio da Itaperuna servia de acesso à encosta oeste do vale, que a gurizada vivia subindo para brincar de escambida ou correr atrás de balões e cafifas voadas. Já o Barranco tinha um platô, para subi-lo era uma verdadeira escalada. Ambos existiram por bom tempo sendo que duas grandes casas foram construídas onde era o Barranco. Só recentemente é que o terreno da Itaperuna foi ocupado. 

A referência limítrofe do Pé Pequeno é o Largo do Marrão, onde tinha o Cinema Mandaro e o comércio principal do bairro. Sobre o cinema e suas lojinhas anexas, que ficavam na esquina da Rua Dr. Paulo César com a R. Mangaratiba, aguardem em outro post na seção de “aventuras”!  Na Mangaratiba, lado oposto às saídas laterais do Mandaro,  tinha "o barbeiro", que é onde todos nós (garotos) fazíamos a periódica "tosa".

O Largo do Marrão era a confluência dos bondes que vinham da “Cidade” (assim chamávamos o atual Centro de Niterói) pela Rua Dr. Paulo César e bifurcavam para o Cubango, seguindo pela R. Noronha Torrezão, e para Santa Rosa, o famoso “Santa Rosa - Viradouro”. Muita gente fez cerol nos trilhos (meus pais jamais deixaram que eu fizesse isso, tinha de socar vidro na lata mesmo). Mais tarde foram substituídos sem muito sucesso pelos trolleybus, que afinal cederam aos ônibus comuns.  

No início da R. Itaperuna, esquina com Rua Dr. Paulo César, ainda tem até hoje a Padaria Leda. O caminhão de leite estacionava ao lado da padaria e uma fila se formava, todo dia! Lembro-me que minha avó acordava bem cedo e ia buscar leite naquelas latas próprias, mais pão e itens para o café da manhã.  

Em frente à Padaria Leda, do outro lado da rua onde termina a R. Presidente Backer (aquela que passa por uma das laterais do Estádio Caio Martins), havia outro famoso ponto de referência: o Mercado (hoje uma praça). Era um espaço mais ou menos quadrado com suas toscas barracas especializadas em carne, peixe, hortaliças, legumes, verduras, cereais, produtos de limpeza, etc. Tudo muito saudável - para a época!  

Mesmo existindo o Mercado, toda sexta-feira tinha uma feira na R. Dr. Paulo César. Era onde se reuniam numa calçada os vendedores de peixe e crustáceos. Um deles circulava com seu cesto na cabeça pelas ruas do Pé Pequeno vendendo sardinha, filé de cação, camarão... Fico imaginando qual deveria ser o critério de venda... Quando não era peixe inteiro, devia ser porção... preço por conta de acerto entre as partes!  

Já que falei em ambulantes, toda tarde passavam pelas ruas ainda de terra batida o vendedor de tringuilim, o sorveteiro e o padeiro, que vinha em seu triciclo com itens da Padaria Leda. Um sujeito folclórico, já na nossa adolescência, foi o sorveteiro que se paramentava como Chacrinha, com direito a buzina e chapéu. Todos os garotos sacaneavam o pobre coitado, pedindo sorvete de bacalhau e de azeitona!   

A maioria das casas tinha árvores frutíferas. A do nosso lado (número 133), onde moravam Dona Aninha, Dona Lina e Dona Hilda (a mais famosa doceira do bairro), tinha uma imensa mangueira da variedade espada, uma goiabeira e um limoeiro, sendo que este tinha praticamente todos os seus ramos sobre nosso corredor lateral. Era o maior ofensor de bolas furadas, por conta de seus espinhos.  

A nossa casa, infelizmente, tinha apenas um pé de mamão macho, que até hoje não sei pra que serve... Mas casas próximas tinham amora, manga de vários tipos, cajá, sapoti, goiaba, banana, carambola, uva (tinha na casa de Tavinho, atraía gambás)...  

Hoje, como muita gente, me surpreendo tendo de comprar manga, goiaba, limão... Na minha infância era tudo grátis e com fartura...  

Concluindo, podem observar que eu praticamente só abordei aspectos geográficos bem antigos, para situar. Aguardem próximos relatos, onde nosso cotidiano começará a ser comentado.  


Créditos:

Mapas do Google Maps foram impressos, receberam anotações pessoais e foram fotografados para inserção no texto.

A foto da casa é do acervo do autor do post.


12 comentários:

  1. Freddy,
    Por que na Rua Itaocara, a manga era espada e o mamão era macho? Problema de afirmação? (rsrsrs)

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  2. No Pé Pequeno havia diversas mangueiras de outras espécies. Por mero acaso, a da Dona Hilda era espada (a que eu mais aprecio).

    Eu nunca havia pesquisado sobre sexo dos mamões, mas sua piada me fez dar uma olhada em "São Google". Segundo percebi, mamoeiro macho não daria fruto, apenas flores. Mas os nossos 2 davam. Portanto, devem ter sido da espécie hermafrodita.
    O folclore dizia que o mamão-macho era impróprio para consumo, por ser muito amargo. Li que ser amargo é verdade, mas não faz mal algum consumi-lo ou fazer doce com ele, por exemplo.
    <:o)
    Freddy

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  3. Provavelmente o Sr. Carlos Frederico vai ficar mais zangado do que já é comigo, mas não resisto fazer a piada:
    Dias Gomes criou as irmãs cajazeiras, personagens de ficção que se chamavam Dorotéia, Dulcinéia, e Judicéia. Não recordo se havia um pé de cajá na casa delas.
    Já o Sr Carlos nos informa sobre as irmãs Aninha, Lina e Hilda, que poderiam ser as irmãs da mangueira(risos).
    Será que tinha um Odorico Paraguaçu por lá?
    Helga

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  4. Shiiiii Helga. Você mexeu em casa de marimbondo. Ele não assiste TV, não sabe o que foi "O Bem Amado", quem são as cajazeiras e muito menos ouviu falar em Dias Gomes.
    Nós outros, pessoas simples do povo, que assistimos TV e acompanhamos novelas, sabemos que seu gracejo faz sentido e entendemos.

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  5. Não fica bem fazer fofoca de vizinhos... Só me faltava ser processado por divulgar detalhes de cada uma das famílias que citei, até porque poderão falar da minha, que tem é história... Até fantasma já apareceu nela!

    Na primeira versão, a mais antiga, tinha mais 2 homens na casa 133, um deles era Seu Ary. Depois essa casa foi alugada, pude conviver rapidamente com os novos vizinhos quando de minha volta lá depois do falecimento de meu pai.
    A parte traseira não foi alugada, e hoje em dia pode-se observar que o acesso para a meia água traseira é independente (Google Maps, Street View, Rua Itaocara 133).
    Uma vez deu tanto cupim ali que nem conto... É outro post inteiro!

    <:o)
    Freddy

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  6. Aparentemente o Sr. Carlos Frederico entendeu que não havia desrespeito em meu comentário sobre as cajazeiras.
    Helga

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  7. Helga, todo comentário é bem-vindo. No mínimo justificará réplicas e tréplicas, enriquecendo o texto. Como a piada do mamão-macho do Carrano, que me instigou a procurar que diabo de mamão era aquele que nossos pais não nos deixavam comer!
    Abraços
    Freddy

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  8. O Freddy não tem aparelho de TV? Sua esposa compartilha da mesma rejeição a programas televisivos?
    Conheço muitas pessoas que não assistem novelas, mas, por coincidência, sempre passam pela sala na hora das cenas mais emocionantes. rs

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  9. Quase nada tenho a acrescentar. O Pé Pequeno era um bairro muito especial na década de 50-60-70. Nada faltava a quem morasse por lá : mercearias tradicionais, mercado aberto tradicional, barbeiro, cinema, farmácias, armarinhos (muita coisa legal pra comprar), casa de ferragem, ferro-velho (onde levávamos algumas bugigangas eventualmente, para reforçar a nossa mesada), fogos, professores(as) de piano, de inglês, de português e matemática, até igreja perto tinha (Salesianos).
    Restaurantes só existiam na "cidade" ou na orla da praia.

    Uma coisa que passou 100% desapercebida (despercebida ?) na minha infância e adolescência, foi a profissão dos pais dos meus amigos.Nunca se falava entre nós - meu pai ou minha mãe faz isso e aquilo.

    Acontece uma coisa estranha, lendo esse texto do Pé Pequeno (já até escrevi uma vez sobre isso) ....os cheiros do bairro, das manhãs, do entardecer ... vou lendo e vou ressentindo cheiros !! Que loucura !! rsrs
    E também me recordo dos sons de grilos, da barulheira dos pardais às 5:30h da tarde, todos os dias.Do apito do guarda-noturno.

    Isso mesmo, cheiros e sons ....

    No "morro" lado oeste do vale, tinha uma casa que chamávamos de "Macumba". Não lembro quantas vezes por semana rolava o ritual lá, mas até hoje ouço o som dos tambores e a cantoria do local, que penetrava em nossas casas à noite. Muito legal !!

    Muito chato escrever sobre impressões, sons e cheiros .... isso é legal ao vivo, com um vinho ou um whisky.

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  10. Riva, como nada a acrescentar? Só a lembrança da Casa da Macumba já é fundamental. Creio que seu acesso era pela escadaria da Rua Miracema. Toda 6ª feira à noite os atabaques eram ouvidos no bairro inteiro.

    Eu não me lembro dos cheiros, engraçado... Se existe um cheiro que me lembro de minha infância é o dos elevadores do Hotel Quitandinha, em Petrópolis. Volta e meia aquele odor meio de couro velho é percebido em algum local e me transporta imediatamente à minha infância!

    Guarda noturno! Outra rara lembrança! Parece que mais tarde foi proibido, já que a segurança da população deve ser feita pelo município => daí estamos entregues aos marginais hoje!

    Abraços
    Freddy

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  11. Abrirei um parêntesis para responder ao Incógnito sobre assistir TV. Em minha casa só se liga TV para assistir a algum programa específico. Já se assistiu novelas, jogos, eventos, até filmes. Liga na hora em que começa, desliga quando termina. That's all.

    Não temos o hábito de manter a TV ligada, até porque o dono da casa (eu) fica irritado se isso acontecer. Minhas filhas absorveram esse comportamento: ligam para ver algo de interesse (adoram seriados), depois desligam. Depois de casadas, sei que uma delas mantém o hábito, a outra tem de aturar o marido que é TV-maníaco, mas sei que ela fica irritada de vez em quando pois não foi acostumada a isso.

    Esse é o cerne da coisa. Liga, assiste o que quer (da programação normal ou via home theater), termina, desliga.

    <:o) Freddy


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