Por
Freddy*
É
um animal em extinção, o curtidor de som. Em geral você os encontra na faixa
dos 60 anos de idade, pouco mais, pouco menos. Isso tem um motivo: foi quando a
alta fidelidade se difundiu nos lares e, em paralelo, a revolução musical
iniciada pelo rock se espalhou pelo mundo.
Nem
todo apreciador de música é roqueiro, deixe-me ser claro. Há quem goste de big
bands, de jazz, de "easy listening", de jovem guarda, bossa nova,
erudito, sertanejo, axé, etc etc etc. No entanto podemos pinçar desse universo
os roqueiros progressivos, os jazzistas e os apreciadores de música erudita
como os protótipos dos curtidores de som.
Eram
eles os caras que se isolavam numa sala e punham, com reverência, seus LPs nos
toca-discos e, sentados numa poltrona confortável, ou na cama ou até no chão olhando
o teto (!), dedicavam-se a algumas horas de orgasmos auditivos.
Eu
fui criado no cenário erudito e minhas primeiras experiências como curtidor de
som foram com clássicos de uma coleção chamada de "Festival de Música
Clássica Ligeira", editada pelas Seleções do Reader's Digest e vendida
numa caixa bonita, com 12 LPs e um grande livro, onde a gente lia tudo sobre
cada compositor e cada peça apresentada.
Nossa
vitrola (!) a essa altura já era uma Telefunken Dominante VII, caríssima pelo
móvel em folha de jacarandá, porém sua amplificação era bem modesta. Tinha uma
câmara de reverberação eletromecânica para dar ambiência ao som, uma verdadeira
tragédia pelos padrões atuais, mas na época era um diferencial.
Como
a potência era insuficiente (pra mim) e eu vivia de mesada, aprendi eletrônica
e montei alguns protótipos um pouco mais possantes. Em 1974 comecei a
trabalhar, mas antes mesmo de comprar um bom som caseiro, instalei com
requintes técnicos um equipamento em minha Brasília 0 km. Um dos grandes
motivos para tal foi uma guerra já instalada no seio familiar - conflito de
gerações, pois minha mãe era ferrenha defensora do erudito e abominava rock.
Assim,
era bem mais viável sair com os amigos para curtir som na madrugada, em geral
nas orlas de Piratininga ou Itaipu. Bons tempos aqueles...Antes, uma passada
num bar para calibrar. Não, nunca usei drogas pesadas, apenas álcool.
Um
noivado havia sido desfeito, cessara a necessidade de ajudar no enxoval e
consegui juntar umas economias, com a qual comecei a montar meu equipamento
principal. Meu toca discos alemão Dual 1229 me custou o salário bruto inteiro de
um mês de trabalho! Em tempo: eu ganhava bem, com metade do salário eu
conseguia pagar apartamento e carro zero.
As
caixas eu mesmo fiz, eu dominava a técnica para tal. Ainda hoje tenho o venerável receiver Sansui
661, coração daquele meu primeiro equipamento de som de verdade, que ainda
contava com um excelente gravador cassete Akai GXC-710D.
Não
nos limitávamos a ouvir música. Lembro-me da crescente sofisticação dos
equipamentos, quando acompanhávamos a feroz briga dos fabricantes japoneses e
alemães por distorções cada vez menores em potências crescentes. Ouvir um
amplificador estéreo de 60W por canal com distorção menor que 0,1% era chegar
ao Nirvana para nós!
Distorção harmônica e de intermodulação, slewing
rate, resposta de frequência (a essa altura já incrivelmente maior que a de
nossos próprios ouvidos), gravadores cassete de 3 cabeças de ferrite, wow and
flutter, impedâncias de entrada e saída, caixas "bass-reflex" versus
"suspensão acústica", tudo isso era cotidiano no universo dos
curtidores de som.
Eventualmente
me casei e no tal apartamento de 2 quartos fui "autorizado" a montar
meu quarto de som - sim, era esse o nome. De luz apagada, "viajava"
por horas com meu rock progressivo. Eu e meus parceiros nos reuníamos em torno
de LPs raros conseguidos com "amigos de amigos" e passávamos horas ou
dias gravando as fitas, um trabalho artesanal de primeira.
O
tempo foi passando, outros apartamentos maiores vieram junto com filhas, mas em
todos eles sempre tive meu quarto de som. Já na era do digital, evoluí para o
conceito de home theater e cheguei a montar dois, um em Niterói e outro em
Friburgo, com grandes caixas JBL e os indispensáveis subwoofers. Incríveis níveis
de potência acústica fazem vibrar chão de apartamento, teto de gesso, janelas
ou qualquer coisa que não esteja firme em seu lugar! Meus vizinhos são santos?
Nem sempre foi assim...
Ao
longo dos anos, fui adquirindo uma quantidade de headphones com características
diversas, adaptáveis a cada cenário e momento. Maiores, menores, acusticamente
selados, semi-isolados, abertos... Não para poupar os vizinhos, mas porque a
experiência de ouvir música num par de headphones de alta qualidade é
inigualável!
Só
que hoje houve uma vulgarização dos equipamentos... Amplificação de 100 ou mais
watts reais em cada um dos 5 ou mais canais de um mísero combo tornou-se lugar
comum. Ninguém mais busca respostas de frequência de laboratório, pois tudo que
se ouve é em "mp3", um sistema que comprime a faixa sonora e destrói
qualquer indício de alta fidelidade.
Os
equipamentos potentes são mais usados em festinhas, não para o cotidiano. Para
tal, cada vez mais e mais pessoas usam os indefectíveis auriculares em seus
smartphones ou tablets, ouvindo música baixada na internet ou mesmo on-line, se
a velocidade de download permitir.
Até
eu, que hoje em dia vivo praticamente em frente a um microcomputador, adotei a
prática de ouvir tudo apenas com headphones, não mais via caixas acústicas. Não,
nunca com auriculares, até porque meu canal auditivo não fixa aquelas coisinhas
de plástico minúsculas.
Behringer HPX2000, projetado para DJ's |
Parêntesis:
qualquer sistema, não somente de som, é tão frágil quando seu elo mais fraco.
No caso, meus elos fracos (no plural) são a música arquivada no computador em
"mp3" e a resposta de frequência de meus combalidos ouvidos, malhados
por quase 50 anos de rock&roll.
Em
resumo, meu mundo musical deixou de ser uma sala, um quarto de som ou o
interior de um automóvel na beira de uma praia na madrugada. Foi reduzido a uma
poltrona, um laptop ou tablet ou mesmo um simples mp3-player, e um par de
headphones. Creio que esse também seja o atual cenário dos, se ainda existirem,
curtidores de som.
Um antigo Koss TD-75, específico para audiófilo |
* Carlos Frederico Marques Barroso March
Engenheiro aposentado, astrônomo e fotógrafo diletante
Dentro da mesma cultura, sob o mesmo teto, também criei meu "quarto de som" desde que casei.
ResponderExcluirE por isso, para manter "meu espaço", coloquei meus 3 filhos no mesmo quarto.
Tudo deu certo durante uns anos .... até o "quarto de som" ganhar um computador, para todos acessarem.
Desisti ... minha aparelhagem e meus CDs estão lá, mas nem me lembro a última vez que lá fiquei bojado no tapete,curtindo um rock super alto. Faz muito tempo mesmo.
Hoje curto meu som apenas na sala, não muito alto. E raramente coloco CDs na aparelhagem. Engato meu iPhone no Home Theater, and that´s it !!
Estou pensando seriamente em vender todos os meus CDs, que entopem meu ex-quarto de som.
Nem em Friburgo ouço mais meus CDs. Também engato o iPhone com suas músicas.
Novos tempos ... novas manias.
Lembro bem deste 661. E tenho saudades do Quad que foi do Ovídio, que tinha um ótimo som, apesar de ter aparência meio estranha. Euclides
ResponderExcluirNunca tive grana para investir em aparelhos de som superpotentes. Mas sempre curti ouvir música. Obviamente que meu gosto musical passa longe do estilo de música que o amigo curte, mas sempre gostei dos saudosos bolachões. Até hoje guardo uns cento e poucos discos, de vários estilos. Hoje, possuo alguns CDs, na maioria trilhas de cinema e televisão e, obviamente, alguns títulos dos artistas brasileiros que eu mais admiro.
ResponderExcluirComo disse antes, eu sempre curti música, mas sem aparelhos de som muito potentes. Essa postagem me lembrou uma vez que o amigo foi na casa de um primo nosso. Ele acabara de comprar um aparelho de som, se não me engano, um Technics. Ele, todo orgulhoso da nova aquisição, ligou o som, colocou um Ray Canniff da vida e te chamou na porta do quarto para ouvir sua opinião. Me lembro que você ouviu e disse: "É bonzinho!".
Ante a decepção do primo, eu fiquei imaginando o quanto nós (eu e ele) nada entendíamos de "som". Hehehe! Grande abraço!
Zé, eu era mais rude antigamente, hoje tento ser mais ameno. Só que em termos de som eu era realmente aficionado. Tendo gasto rios de dinheiro com isso ao longo da vida, como elogiar um sonzinho qualquer da vida?
ResponderExcluirAbraços
Freddy
Euclides sempre foi um parceiro na compra e venda de equipamentos de som. Esse meu Sansui 661 já andou com ele numa época, quando eu precisei vendê-lo para upgrade. Depois, tendo melhorado de vida, recomprei-o! Hoje o 661 sonoriza meu piano eletrônico Roland A90EX, alimentando um par de caixas profissionais JBL Control 5 mais o respectivo subwoofer passivo.
ResponderExcluirAbraços
Freddy
Freddy,
ResponderExcluirVocê poderia, por favor, falar em português? Não entendi patavina desta linguagem codificada, com tantas siglas e números.(rs)
É pra descontar a sua linguagem de advogado, recheada de expressões em latim que me parecem grego!
ResponderExcluir<:o)
Freddy