No último post falei dos ambulantes “fixos”, contrariando o vernáculo. Hoje falo daqueles que, realmente, vendem caminhando pelas ruas, praças e avenidas, e que na minha infância, eventualmente iam de casa em casa.
Lembro por exemplo do chapeleiro, homem forte, mais para gordo, de terno, que levava sobre os ombros um pacote de sombrinhas e guarda-chuvas. Ele entrava na vila onde morávamos apregoando sua chegada, invariavelmente, gritando “chapelereiro, chapelereiro” de forma ritmada.Quem é da minha geração e morou nas circunvizinhanças da Rua São Diogo há de lembrar dele.
Já o homem que afiava facas se fazia anunciar com o som estridente provocado pelo atrito de uma barra metalica em contato com a roda de sua máquina. Era uma roda grande, acionada por meio de um pedal, e que era abrasiva de sorte a dar fio nos instrumentos cortantes como facas, tesouras, canivetes, enxadas e tudo quanto o mais precisasse de lâmina bem cortante.
Ainda no campo da recuperação de talheres e utensílios domésticos, recordo do sujeito que consertava panelas: soldava os furos, recolocava alças que caíram, apertava o cabo que estava solto e coisas do gênero. Fazia, ainda, sob encomenda, uma coisa bastante comum na época entre as camadas mais pobres: colocava pequenas alças em latas, sobretudo as de leite condensado Môça, transformando-as em canecas. Não oxidavam e não quebravam. Já as de louça, que eram caras para estas mesmas pessoas, quebravam ou trincavam com o uso.
Havia um velhinho – e este ia de porta-em-porta – que levava num cesto de vime, verduras (couve, bertalha, agrião, cheiro-verde tudo em molhos), ovos de galinha caipira, e coisas sazonais, como fruta da época (sapoti, carambola, cajá e outras). Tudo isto fruto de cultivo familiar. Eu, menino, achava curioso a maneira como ele exminava os ovos, para assegurar aos compradores de que não estavam com pintinhos e eram, portanto, frescos. Ele semicerrava a mão esquerda, levava ao olho e colocava o ovo na outra extremidade da mão, como se estivesse com um binóculo. Voltado contra o sol, conseguia enxergar o interior do ovo e se ele era galado ou não. Vale notar que naquela época, os ovos chocavam e estragavam facilmente por causa do calor. Portanto a guarda e conservação eram delicadas.Ele era banguela e tinha por isso a boca meio chupada, e se anunciava: “verdureiro, verdureiro”.
E havia a Dona Labibe, esta moradora na mesma vila, só que na alça esquerda. Como já relatei em outro momento, a vila iniciava no número 21 da Rua São Diogo, tendo não mais do que duas casas de cada lado. Mais adiante ela bifurcava, formando uma cruz, e tinha de cada lado mais um conjunto de casas. Pois bem, a Dona Labibe, libanesa, morava na ala oposta a que nós morávamos, tinha dois filhos já bem crescidos, quase adltos que não eram, em consequência, meus colegas de brincadeiras.
A citada senhora vendia rendas, sianinhas, viés e mais uma série de aviamentos , fitas, etc que levava numa enorme mala, que era a um só tempo seu mostruário de mercadorias e estoque para venda.
E a brincadeira que acabou entrando para o folclore de nossa famíluia, é que tendo minha mãe certa feita pedido que ela fizasse um preço barato, a Dna. Labibe respondeu, com sotaque característico dos árabes: “barato só na barede”. Referia-se as baratas inseto.
Bem todos eram ambulantes mesmo, num conceito diferente dos camelôs que infestam nossa calçadas.
Deixo de mencionar Dna. Lourdes e “seu” Rafael, também moradores da vila, que transformaram a sala de sua casa em um armarinho. Nem eram ambulantes e nem camelôs. Não sei se eram legalizados como comércio. O fato é que a Dna. Lourdes era professora da 5ª série primária no Colégio Plinio Leite. Única que não revezava. Todas as outras acompanhavam a mesma turma da 1ª até a 4ª série e ai recomeçavam. A Dna. Lourdes era efetiva na 5ª.
É possível que tenha esquecido de outros constantes ou folclóricos ambulantes, mas os citados estão bem vivos em minha memória. É como se eu os estivesse vendo neste momento.
Ilustrações: Google imagens
Ilustrações: Google imagens
Sei que sou um chato, mas você listou vendedores ambulantes e prestadores de serviços, embora também ambulantes.
ResponderExcluirAbraço
Gusmão
A referida D. Labibe dizia que seus dois filhos tinham nomes começados pela letra "A". Alberto e Aduardo. (embora o registro fosse como Eduardo) Lembra?
ResponderExcluirVc esqueceu o vendedor de "tringuilingue" (sei lá se é assim que se escreve) que oferecia o atual waffer japones e uns pirulitos cônicos de cor vermelha.
Ana Maria,
ResponderExcluirNeste post esqueci do tring-ling, mas no anterior eu mencionei.Veja em : http://jorgecarrano.blogspot.com/2011/07/os-ambulantes.html
Também não sei a grafia certa para tringui-lingue, mas lembro perfeitamenete da casquinha de waffer crocante.
Beijo
Lembro perfeitamente do saudoso tring-ling. Amo! ❤️
ExcluirPerdão, Ana Maria, minha referência ao tring-ling está no post "Meu gosto por doce", em
ResponderExcluirhttp://jorgecarrano.blogspot.com/2011/07/meu-gosto-por-doces.html
Beijo
Eu lembrei do seu post do tring-ling. Ele tb passava em minha rua. Lá tinha o padeiro, com seu triciclo, o peixeiro nas sextas-feiras com seu cesto na cabeça (imagina hoje comprar peixe de ambulante?!) e o sorveteiro, que se fantasiava de Chacrinha e percorria acho que a cidade inteira, com sua irritante buzina.
ResponderExcluirJá o amolador de facas, não tem duas semanas vi um aqui mesmo em Icaraí!
Verdade, Carlos, esqueci do padeiro com triciclo. Surgiram um pouco mais tarde. Na minha infância, anos 1940, nós iamos ou ao botequim do "seu" Henrique como menionado, ou diratemente na padaria que ficava na Rua Silva Jardim.
ResponderExcluirQuanto aos peixes, bem, eu morava pertinho do antigo mercado.
Abraço
Carrano