Sou da geração nascida durante, ou no pós guerra. Racionamentos a parte, não houve fato que marcasse significativamente minha infância. Não tive nenhum parente que tivesse ido para o chamado palco de guerra. Logo, não tivemos maiores preocupações próximas. Apenas com a estupidez da guerra, do que me dei conta anos mais tarde.
Pouco me lembro sobre o conflito mundial e assim como o governo brasileiro teve dúvidas quanto ao alinhamento, se aderia às forças do eixo ou se filiava aos aliados, também não sabia para quem torcer.
Depois, evidentemente, já aos 10 anos, seja pela massiva propaganda americana, que endemoniava os alemães, seja porque o Errol Flynn fosse nas telas um herói de guerra a ser imitado, seja porque todas as formas de discriminação devem ser combatidas, seja porque lá em casa torciam pelos americanos, acabei vibrando com a vitória dos aliados.
Foto pracinhas Cia do III Batalhão do 11º Regimento de Infantaria, da Força Expedicionária Brasileira na II Guerra Mundial |
Lembro que de bandeirinha brasileira na mão, fui levado a uma elevação no morro da Penha, próximo de onde morávamos, para ver a entrada, na baia da Guanabara, do navio que trazia os pracinhas que combateram na Itália.
Churchill |
Semperoper - Dresden |
Pouco sabia sobre Churchill, mas se tivesse algum tipo de informação sobre a existência dele e sua postura teria feito minha opção muito antes, embora lamente muitíssimo o bombardeio desnecessário de Dresden*, com o conflito já decidido.
Antes de mais nada, devo descrever o cenário. Morava numa casa térrea, localizada numa vila (ainda existe), com acesso pela Rua São Diogo, na altura do número 21, que por sua vez se localiza nas fraldas ou no entorno do Morro da Penha, no bairro da Ponta D’Areia. Naquele tempo a rua São Diogo não tinha trânsito intenso e era ainda de terra batida.
Ve-se a Rua São Diogo |
Além disso, a vila onde eu morava, que se abria e bifurcava antes do início da subida do morro, no lado onde eu morava só tinha casas de uma lado. Defronte era um terreno baldio, que os moradores mantínhamos com mato baixo (aparado), pois servia como um misto de quarador de roupas, campo de futebol e arraial de festa junina, cada coisa a seu tempo e hora. Lembro de minha mãe estendendo sobre o capim as roupas acabadas de lavar com anil, para que expostas ao sol, secassem e ficassem mais alvejadas.
A rotina, com poucas variações, era muito boa, mas eu não sabia que era. Só mais tarde valorizei de verdade.
Escola pela manhã, e, à tarde, toda sorte de brincadeiras da época. Algumas delas, meus netos sequer ouviram falar, que dirá participar delas com coleguinhas de suas idades.
Por exemplo: duvido que meu neto saiba o que é escambida, uma das brincadeiras mais populares entre os meninos. Friso que entre os meninos porque muitas outras brincadeiras tinham a participação, aliás fundamental, das meninas. Sem as meninas, que prazer ou emoção haveria no “pêra, uva ou maçã?”
Calma, já explico, pela ordem.
pulando carniça |
Escambida nada mais é do que a conhecida brincadeira de “pique” com um componente que a tornava mais competitiva, mais arrojada, porque aquele que tinha que pegar os adversários, tinha que tocá-los, não bastava vê-los e anunciar que acharam correndo até o ponto de partida para alcançá-lo antes do que fora encontrado, como acontecia com o pique. Aqueles pegos, na escambida, passavam a ajudar na busca e captura dos demais até que todos fossem alcançados. Não valia se esconder em casa.
Outra que provavelmente meu neto não só não conhece como jamais ira brincar é a carniça. Vou tentar explicar, embora a dificuldade que tenho pela falta de traquejo neste mistér. Um dos meninos terá que ficar abaixado, com as mãos apoiadas nos joelhos a fim de que os demais saltem sobre ele, apoiando as mãos em suas costas. A cada rodada, aquele que está abaixado vai aumentando a altura a ser pulada, evidentemente diminuindo a flexão de seu corpo. Não é só isso, tem outros ingredientes que a tornam mais interessante e até perigosa, mas não cabe aqui lecionar sobre brincadeiras infantis.
Volto ao tema minha infância a qualquer momento.
* Há mais de meio século, no final da Segunda Guerra Mundial, a estupenda cidade de Dresden, na Alemanha, uma referência universal da cultura, foi varrida do mapa por um intenso e cruel bombardeio aéreo decretado pelos aliados anglo-saxãos, ocasião em que a RAF e a Força Aérea americana se rivalizaram, durante três dias seguidos, entre 13 e 15 de fevereiro de 1945, em tocar fogo em tudo que era vivo ou representava arte e cultura. (Wikipédia)
Cometeram eles, Churchill inclusive, além de um ato inumano, um dos maiores crimes de lesa-cultura de todos os tempos.
A Segunda Guerra Mundial estava no fim. Em 1945 Dresden não era nenhum ponto militar. Não existiam bases militares em Dresden, não era nenhum local estratégico, não existia indústria pesada, não tinha defesas aéreas, não tinha centros de comunicação importantes. Dresden era uma das mais bonitas cidades da Europa e das que tinha maior índice cultural do Velho Continente. Estive lá numa época em que a cidade estava em vias de concluir sua reconstrução (2004). Uma beleza.
** Arte de Ivan Cruz que tem toda uma coleção dedicada as brincadeiras infantis, no Google.
Eu conheci escambida, mas nunca brinquei. Eu era um tanto pacato e, em nosso bairro Pé Pequeno (junto ao Largo do Marron, Sta. Rosa), escambida tinha como palco TODAS as ruas! Não valia dentro de casa mas uma subidinha no morro era tolerada... Barra pesada!
ResponderExcluirSobre a II Guerra, confesso que na minha adolescência fui um fanático estudioso dos embates aeronavais. Não gostava da parte terrestre, muito menos política. Apaixonei-me pelas charmosas armas de guerra como couraçados, porta-aviões, caças e bombardeiros. Aprendi a odiar os alemães e japoneses e só muito mais tarde, quando o destino me fez conviver com ambos na Embratel, é que caí na real. A estupidez da guerra e o absurdo da paixão pelas armas mortíferas caíram sobre mim como uma bigorna. Viver 7 meses em Munique (que mantinha uma base militar americana tomando conta dos alemães) mudaram um pouco minha visão da coisa. Apesar de ter visitado o campo de concentração de Dachau...
ResponderExcluirNuma guerra perdem todos, e a história é escrita sempre por quem vence.
A nossa escambida também admitia o Morro da Penha. Onde, aliás, eram relizadas as guerras de mamona com utilização de atiradeiras também chamadas de setas, feitas com forquilhas de goiabeiras.
ResponderExcluirComo pretendeu demonstrar o Woody Allen em seu mais recente filme, comentado em post acima, o tempo passado é sempre melhor em nossa angústia.
Abraço
Carrano
Não estive na guerra mas sei que foi horrível e todos sabem porque 😐 mas adoro brincar
ExcluirEscambida no Pé Pequeno era brincadeira de horas, e até de desistência por não conseguir encontrar todos. Como Carlos disse, valia até se esconder pelos morros do bairro.
ResponderExcluirTinha Bandeirinha, que a galera gostava muito mesmo, tinha Taco (uma febre entre os garotos), Carniça (gostávamos de cravar as unhas nas costas de uns otários que se atreviam a brincar), Amarelinha para as meninas e as bichinhas (tinha 2 na minha turma).
Mas Pêra-Uva-Maçã era a preferida, certo ? Principalmente se os(as) participantes eram do nosso interesse.
Papai mandou fazer uma mesa de ping-pong (até hoje não entendi porque não comprou uma rsrsrs), e a colocamos estrategicamente dentro da garage de carro, para jogarmos a portas fechadas com ... as meninas. Cada partida perdida, tinha-se que tirar uma peça da roupa, e ganhávamos sempre ! hehehe.
E por aí vai .... na época em que as ruas eram de terra, bola de gude e principalmente, fazer barreira de terra quando chovia muito, e a água descia lá de cima da mangueira (nosso ground zero do Pé Pequeno rsrsrs).
Caraca, boas lembranças de uma infância maravilhosa, apesar da doença de mamãe.
Brinquei muito de escambida na minha infância quando morava em Pedro de Toledo, interior de SP. Sempre foi muito divertido, ainda mais quando era a noite e valia se esconder inclusive nos matos haha.
ResponderExcluirObrigado Thiago, pela visita e pelo comentário.
ResponderExcluirVolte sempre, à noite ou durante o dia. (haha)
Olá, Jorge, Meu nome é Isabelle, sou universitária e estudo História.
ResponderExcluirQuero lhe dizer que fiquei muito interessada no seu depoimento. É muito importante conhecermos o passado e lhe agradeço por compartilhar para todos nós. Continue assim, as gerações futuras precisam saber como era o tempo de seus avós, pais e saberem o quanto era magnifico o tempo deles.
Mais uma vez obrigada pela contribuição maravilhosa.
Descontado o exagero, fruto de sua generosidade, também acho importante registrar para os pósteros como era diferente (não comparo) a vida na segunda metade do século passado, quando nasci.
ResponderExcluirObrigado pela visita e pela gentileza das palavras.
Acho muito legal sua opção pelo estudo de História. Desejo-lhe pleno sucesso profissional e felicidades no campo pessoal.
Volte quando queira e se tiver ânimo,tempo e vontade escreva sobre você, seu curso, sua faculdade ou sua cidade, pois também temos desejo de conhecer outras vivências.
Seja bem vinda, Isabelle. E fique à vontade para enviar seus posts para o Jorge, sobre qualquer assunto, tendo em vista este ser um blog de generalidades - História, gastronomia, política, bem estar, viagens, etc, etc.
ResponderExcluirEu brinquei muito de Escambida aqui em Rio Bonito, RJ - interior próximo a Niterói - isso nos anos 50!
ResponderExcluirBrincávamos até altas horas de Escambida, nome que achava que era só local.
ResponderExcluirTempo feliz de infância com criatividade, que moldava a personalidade de cada um, competindo socialmente com alegria, sem maldade.
Rio Bonito = RJ
ResponderExcluirDalton,
Obrigado pela visita e pelo comentário.
Sabe que também eu fiquei matutando se em outras cidades a brincadeira tinha este nome?
Como acontece com a setra, chamada em outras plagas de atiradeira, estilingue, e outras denominações.
Assim como também a cafifa, aqui em Niterói, e conhecida como pandorga, pipa, etc. em outras regiões.
Caro Jorge.
ResponderExcluirAqui também chamávamos "setra" e "pipa" ou "papagaio".
Tenho 76 anos e Niterói é cidade de ida constante, que adoro e onde tenho muitos amigos e parentes morando.
Abração fraternal do Dalton
ResponderExcluirVocê estudou em Niterói, cursando primário e secundário, nas décadas de 40 e 50 do século passado?
Somos da mesma geração, pois estou com 79 anos.