6 de maio de 2011

Vida na roça

Exagero gente. Chamar São José de Imbassaí, distrito do município de Maricá, no Estado do Rio de Janeiro, de roça ou mesmo campo, é forçar um pouco a realidade.

São José está logo ali, a cerca de 21 Km de Niterói, coisa de 30 ou 40 minutos de automóvel, dependendo um pouco do trânsito, sempre pior nos finais de semana.

Mas foi o local escolhido por nós para realização de sonho: viver no interior, morar numa casa com pomar, cultivar uma pequena horta sem agrotóxicos, ter um cachorro, despertar com passaros cantando , poder “guardar meus discos e livros” e receber amigos e parentes.

Depois de anos em São Paulo e com o nível de stress ultrapassando o suportável e tangenciando o infarto ou AVC, tudo o que eu queria era sossego, tranquilidade, quietude.

Bem, dos sonhos à realização, a distância era muito mais longa do que imaginavam os seres urbanos que somos eu e Wanda.

Antecipando, poucos dos projetos se materializaram. O café de coador, por exemplo, foi possível implantar, embora a dificuldade, creiam, para encontrar aquele suporte característico onde se coloca o coador e o bule logo abaixo, aparando o café, já passado no coador. Daí que antigamente as pessoas diziam, “vou passar um café fresquinho”. Encontramos um em alumínio que, à falta de um em madeira, acabamos comprando. Os coadores foram feitos em casa, com flanela especial.

Cultivar verduras sem agrotóxico, naquela época e com a minha experiência agrícola ou rural, limitada a uns poucos vasos de plantas que mantinha em apartamento, foi uma empreitada que se revelou inatingível.

As lagartas, com fúria e apetite de, digamos, lagartas, devoravam, de um dia para o outro, e na calada da noite, o que houvesse germinado a partir de sementes colocadas em solo adubado com esterco de galinha, que segundo me informaram seria o melhor. Como não tinha criação de galinhas (era uma etapa posterior do projeto) tive que adquirir, a preço de pó de ouro.

Mas esta não foi a única frustração. As laranjeiras começaram a apresentar um fungo, uma espécie de bolor branco que foi tomando todo o tronco e galhos, as folhas murcharam gradualmente, e tome agrotóxico. Chama-se pulgão? Sei lá, são passados alguns anos e esqueci o pouco que me ensinaram. Lembro que, antes de pulverizar, com bomba especial que tive de comprar, o produto químico indicado, tentei uma fórmula caseira que um “faz tudo” de nome Arnaldo, que me socorria nos incontáveis momentos de problemas hidráulicos, elétricos e de alvenaria, ensinou. Trava-se de utilizar fumo de rolo, que deveria ficar numa certa quantidade de água, durante certo tempo, até que a extração do componente ativo do fumo fosse eficaz. Este líquido foi igualmente pulverizado com bomba adequada, antes de apelarmos para um produto tão tóxico que a embalagem trazia uma série de recomendações sobre o manuseio e uso do veneno.

Nem um método e nem o outro impediram a perda de laranjeiras e de dois limoeiros. Antecipo, de novo, o desfecho da história, contando que antes de adquirir mudas de enxerto, para replantar as laranjeiras, joguei a toalha e vendi a casa.

      A casa, capítulo à parte, até que era, sob o aspecto arquitetônico, interessante. Dois níveis, com uma varandinha ou sacada no piso superior, com acesso pelo que era uma suíte, transformada em atelier de pintura para Wanda.
Mas tirante este aspecto de que chamava a atenção dos transeuntes, pois tinha uma acerta imponência para os padrões  locais, só apresentava problemas para os moradores. Vou poupá-los de narrativa sobre todos os problemas que um possuidor de casa térrea tem que enfrentar. Vou relata-los aos poucos, para não provocar enfado.


Para começar a casa foi construída sobre um lençol freático, que se por um lado me permitia ter água de boa qualidade em poço manilhado com 3 metros de profundidade, por outro lado fazia com que a alvenaria da casa, nas partes internas e externas, absorvesse umidade, danificando as paredes. As paredes manchavam e estufavam. Em pouco tempo começaram descascar e até cair pequenos pedaços do reboco.

Falha de construção certamente, mas eu não sabia destes detalhes. Evidentemente que quando adquiri o imóvel o estado geral era horrível. Mas por inteiro. Tudo apresentava problema: a instalação elétrica, a hidráulica, a pintura suja por decurso de tempo, o terreno com capim alto, azulejos soltos e outros transtornos. Todavia, se o estado geral era feio, pois a casa estava abandonada, eu fiquei empolgado com a possibilidade de reformá-la, colocando-a a meu modo. Pintura nova, nas cores que queria. O azul real, nas portas e janelas, era item do qual não abria mão. Quanto a casa queria-a branquinha, com o muro que cercava o terreno em cinza chumbo. O resultado final até que ficou legal, mas durou pouco.

Como antecipei, em pouco tempo a umidade no subsolo, absorvida pelas paredes, danificou-as até a altura aproxima de um metro do piso. A custo elevado, mandei descascar todas paredes, na parte mofada, para recompor com cimento forte (proporção maior de cimento em ralação a areia), que no linguajar do pedreiro, seria um “traço” diferente. Isto, acho que ficou claro, depois da reforma geral que fizera quando comprei a casa.

Lêdo engano, já antecipo de novo. É claro que tendo ficado no tijolo, e refeito o reboco com a tal massa de cimento forte e, depois, aplicado um impermeabilizante, sobre o qual foram passadas demãos de tinta plástica, tinha que ficar bom. Mas por pouco tempo. Mentiria dizendo que a curto prazo voltou tudo ao estado degradado anterior. Mas o fato é que o tal lençol freático era mais poderoso do que o “traço” da massa e do que a tinta plástica. Não demorou , e percebiam-se manchas nas paredes, nas partes mais rentes ao chão. De novo.

Volto às mazelas mais tarde, porque quero falar do cachorro, um dos seres vivos mais interessantes com os quais convivi.

Comprei-o de um criador, com dois meses e meio de vida, já vacinado. Era uma pastor capa preta ou manto negro como querem outros, absolutamente puro, segundo avaliação do veterinário que passou a atende-lo. Não tinha pedigree documentado, mas a linhagem estava clara no porte, na atitude que veio a revelar em poucos meses.

    As orelhas não eram somente em pé. Eram tão rígidas e eretas que quando o animal ficava naquele estado de total atenção, elas quase se cruzavam.

Não falava minha língua, mas entendia tudo desde o primeiro dia. Nosso primeiro contato foi ruim e tivemos um entrevero. Tive que dar-lhe um piparote no focinho. Chegados à casa, depois da compra, a primeira coisa que me afligiu foi se ele estava suficientemente alimentado. No trajeto para meu “refúgio no campo”, já adquirira recipientes para comida e água, coleira e ração para filhotes, com grãos menores.

Levei o Bill – Ah! Sim, seu nome seria William Longhall , mas os íntimos poderiam tratá-lo por Bill – então, repito, levei-o ao canil (a casa já possuía uma construção para tal fim), coloquei a ração no recipiente para que ele pudesse comer. Entretanto, tão logo pousei no chão a vasilha, começaram uns pingos de chuva, razão pela qual achei melhor colocar o comedouro na parte coberta e interna do canil. Foi eu pegar a vasilha já pousada para colocá-la ao abrigo da chuva, e aquele projeto de cachorro, de dois meses e meio, rosnar e avançar na minha mão. Considerando que era ainda muito pequeno e poderia enfrentá-lo, dei-lhe um catiripapo no focinho, para que ele aprendesse que naquela casa e enquanto se alimentasse as minhas custas, ali mandava eu.

Depois deste episódio, nunca mais tivemos turras. Foi uma relação de confiança recíproca e muita lealdade de parte a parte, enquanto durou. E foram 13 meses de amizade e camaradagem. Não vou contar nossa separação. Mas foi sofrida demais para mim. Até mesmo agora, passados tantos anos, ainda me emociono.

Estou me dando conta que esta narrativa está ficando muito longa, para um post nos moldes em que os publico.

Assim, e também pela emoção de falar do Bill, encerro por hoje. Voltando em outra oportunidade a falar desta saga “no campo”, e como uma leitura que acabara fazia pouco tempo antes de comprar a casa, motivou-me à empreitada. O livro tem por título “Um ano na Provence”, de Peter Mayle.

Só que São José de Imbassaí não fica na Provence e não sou inglês e nem publicitário/escritor.

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